Diversão e Arte

Críticos literários e autores comentam a obra de Julio Córtazar

Eles estarão presentes em evento que discute o trabalho do escritor argentino

Nahima Maciel
postado em 07/10/2014 10:57
, que tem início nesta terça-feira (7/10), celebra o escritor argentino cujo nascimento completa 100 anos. Organizado pela Embaixada da Argentina, evento traz a Brasília especialistas da obra do escritor. Leia abaixo entrevistas com alguns dos palestrantres convidados.



[SAIBAMAIS]Noé Jitrik - crítico literário argentino

Que lugar tem Cortázar hoje na literatura argentina?
Como qualquer um pode ver, eles está sendo celebradíssimo o que quer dizer que ocupa um lugar importante. É como se, em alguma medida, ele definisse o que é e o que foi a narrativa argentina. Quanto ao que foi, não há dúvida que ele forma parte de um momento brilhante, fazendo parte de um grupo no qual sobressiam orges, Bioy Casares, Bianco, Marechal, Mujica Láinez, Martínez Estrada e muitos outros. Quanto ao que é a narrativa atual, há uma esteira de lições na atenção que novos escritores prestam à relação entre o cotidiano e o fantástico

Que importância tem Cortázar no teu trabalho?
Me ocupei muito de sua obra. Escrevi sobre Bestiário, O perseguidor e O jogo de amarelinha, mas isso é outra coisa. Quanto a meus próprios propósitos de escritura e seus começos, O jogo de amarelinha me impressionou e pensei que poderia seguir essa linha, mas logo desisti. Sempre me interessaram suas propostas, mas não para escrever e sim para resgatar problemas literários.

Alguns críticos costumam dizer que Cortázar é um leitor de iniciação ao qual é dado demasiada importância. O que o senhor acha disso?
Para começar, me parece estranha a noção de ;importância; e suas medidas, o mesmo com ;merecer; (quem determina?). A literatura, me parece, não ;se semelhante ao futebol nem aos negócios nem à política. É, me parece, um corpo vivo que em certas ocasiões é atrativo e em outras, nem tanto. Depende das condições de leitura e de onde ela é vista. Assim, Cortázar foi lido com fervor no seu momento, depois de haver deslizado quase em silêncio com textos muito atrativos, e esse resplendor prosseguiu quase sem descanso. Não sei como ele está sendo lido agora, levando em conta as homenagens, porque não sei como a literatura está sendo lida agora. Me parece que há tantas possibilidades de leitura que não se poderia fazer um juízo adequado. Entre as sofisticadas, que são escassas, e as vulgares, que abundam, às vezes se perde a perspectiva, não se pode generalizar.



Reinaldo Moraes - escritor brasileiro

Que lugar Cortázar ocupa na tua vida? Você costuma contar que começou a escrever por causa dele. O que, no obra dele, te impulsionou?
Acho que sucumbi ao charme romântico do típico anti-herói representado pelo Oliveira do Jogo da Amarelinha. E, depois, pelo jeito sinuoso de se despregar da realidade comezinha em direção ao insólito, a um fantástico inquietante, dos contos. Deve ter sido o mesmo mecanismo catártico que atrai os leitores, sobretudo os jovens, para dentro da psique e do estilo de vida de certos personagens de seus romances preferidos. Lendo Rayuela, eu queria viver as encrencas existenciais e emocionais que o cara lá vivia. Queria amar aquele tipo de mulher e viver com elas as mesmas aventuras aleatórias mas intensíssimas que o Oliveira com la Magano livro. A Maga, aliás, também virou meu clichê de musa moderna, com toques de piração e rebeldia. E tinha a questão do modo construtivo lúdico e autoconsciente do livro, sem que, no entanto, você deixe de aderir 100% à história narrada. Essa idéia de uma escrita que, em algum nível, sabe ser irônica, despudorada, divertida, isso me veio muito do Cortázar, por um lado, e do Machado de Assis, por outro.

Se fosse destacar uma caraceterística mais importante da produção de Cortázar, qual seria?
Talvez seja a capacidade que o Cortázar tem de trazer o leitor pra dentro da narrativa e do coração do narrador, esteja ele presente ou não na trama. Como no conto Axolotl, em que o narrador em primeira pessoa registra a sua transmutação identitária de homem a peixe no aquário, na boa ficção do Cortázar você acaba virando alguns daqueles seres que ele criou em sua páginas. E isso é que faz muito do prazer da leitura.


Jaime Correas - professor de letras da Universidade de Cuyo e autor de Cortázar, professor universitário e de Los falsificadores de Borges

Que lugar Cortázar ocupa hoje na literatura?
Cortázar tem um lugar central na cultura de língua hispânica em quiçá, muito importante no resto das línguas porque suas obras mostram uma liberdade na criação literária que marcou um tempo. Em relação à Argentina, é um dos pilares da cultura em geral e da literatura do país, em particular. Justamente por sua grande capacidade de ser universal ao mesmo tempo que tem uma profunda maneira de ser argentino. É muito representativo da Argentina.

Como Cortázar está presente no seu trabalho?
Cortázar foi tema de dois de meus livros, o último pulicado este ano. Cortázar em Mendoza - Um encontro crucial conta sua passagem por minha cidade, Mendoza, e sua atuação como professor de Literatura na carreira da Universidade Nacional de Cuyo, na qual me graduei. Logo, não somente sua obra como criador, mas também seu magistério e sua presença são para mim de enorme interesse. Para meu trabalho como escritor, me ensinou diversos segredos e mecanismos da literatura, e como leitor, expandiu os limites de minha imaginação e meu assombro.

O que acha das críticas que dizem que é um escritor menor do que a maneira como é celebrado?
Há uma parte da crítica que sustenta isso. A obra de Cortázar é tão ampla e vairada que é difícil não encontrar nela obras de extrema importância. Negar de cara todo o trabalho de Cortázar é cegueria ou impostura. Cada tempo sugere uma moda de negar Cortácar. Mas passa essa moda e Cortázar segue. É um escritor de enorme importância e a prova é que 30 anos depois de morto segue sendo lido sem que caia a admiração e o interesse que sua obra desperta.

Mario Goloboff - escritor e crítico literário argentino

Que lugar Cortázar ocupa hoje na literatura?
Um lugar muito importante e cada vez mais de destaque na consideração do público leitor e da crítica. O lugar de um dos escritores argentinos que contribuiu em alto grau para a renovação da literatura latino-americana e argentina e que sempre buscou novos caminhos, novas formas, novas maneiras de expressão.

Qual o lugar de Cortázar na tua produção?
Sou o biógrafo de Cortázar e, como tal, seu peso no meu trabalho literário tem crescido consideravelmente. Mas não é o único autor sobre o qual trabalho. Também trabalho sobre Roberto Alt, Jorge Luis Borges, Macedonio Fernández e sobre numerosos outros autores latino-americanos e argentinos, entre estes os mais contemporâneos como Haroldo COnti, Rodolfo Walsh, Juan José Saer, Juan Gelman e outros. E também, naturalmente, trabalho em minha própria obra, escrevo contantemente textos de diversas índoles.

O que acha das críticas que acusam Cortázar de ser um escritor para leitores iniciantes?
Sim, alguns críticos dizem isso, mas é porque não leram sua vasta obra e não a valorizam suficientemente. É possível que, com o tempo, mudem de opinião.

Mariana Enriquez - escritora argentina, autora de livros de terror

Cortázar, ainda ocupa lugar de destaque na literatura mundial?
Ele tem um lugar canônico e icônico. Cortázar é um escritor popular, lido nas escolas e permanentemente reeditado, um desses escritores cuja cara se usa em postais turísticos, cujas fotos mais representativas adornam bares literários. No entanto, não é indiscutível: uma parte da crítica o considera passado de moda e acredita que O jogo de amarelinha, por exemplo, é uma romance sobrevalorizado, um experimento falido. Entre os escritores mais jovens, não é uma generalização e não é uma influência determinante.

Pode falar um pouco sobre seu trabalho e a influência de Cortázar?
Eu escrevo contos fantásticos e de terror. Também exploro outros gêneros como a fan fiction. Para mim, Cortázar é um dos melhores, se não o melhor, escritor de conto fantástico e de terror em castelhano. Foi muito importante na minha formação. Eu tento não copiá-lo, porque ele é um escritor com um estilo e uma técnica tão definido que qualquer tentativa de referenciá-lo resulta em homenagem, mas seus temas, seu tratamento para o horror no cotidiano com cenários próprios e passagens familiares me influenciaram claramente. Não tanto seu lado mais engenhosos e humorístico e tampouco as novelas. Para mim, Cortázar é seus contos: não me interessam, como escritora, nem O jogo de amarelinha nem Cronópios e famas.

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