Diversão e Arte

Recentes acusações de plágio na música reacendem debate

A apropriação indevida na arte é motivo de discussão

postado em 04/05/2015 08:04
A apropriação indevida na arte é motivo de discussão
Após o caso de Pharrel Williams e Robert Thicke com a música Blurred Lines, acusados de plágio e sentenciados a pagar US$ 22 milhões ao artista Marvin Gaye, a seguinte questão tem assumido grande importância: até que ponto influências e similaridades podem ser consideradas cópias? A conotação da palavra plágio assume diferentes formas e intensidades. Para uns, pode soar como uso impróprio; para outros, é roubo. O uso indevido de trechos, partes ou até mesmo obras completas de uma terceira pessoa para benefício próprio talvez esteja presente na arte há tanto tempo quanto a existência dessa.

[SAIBAMAIS]Mauro Ferreira, crítico musical, defende que não houve fraude no caso citado. Para o especialista, o crime se configura quando existe má fé do artista. ;A discussão é mais intensa por existir essa questão do limite, até onde é plágio, até onde é uma citação. Não é fácil delimitar essa fronteira. Acho que houve uma levada na música que não foi creditada ao Marvin Gaye, mas eu não considero como cópia;, afirma.

Especificamente sobre o universo musical, Ferreira relembra uma antiga questão que acaba por diferenciar esse segmento artístico dos demais. ;Na música existe o sampling, que é algo bem diferente de plágio. Se você usar o pedaço de uma obra, tem que dar o crédito. O problema é que nem sempre isso acontece;, explica o crítico.

Apropriações


Para o escritor e professor Ricardo Lísias, essa discussão sequer faz sentido na esfera literária, após terem sido realizados tantos experimentos artísticos. ;Talvez possamos falar em pastiche, em apropriações, reescrituras, citação, mas plágio acho algo antiquado;, explica. Lísias passou por situações curiosas, nas quais foi acusado de copiar um diário e documentos em duas obras.

;Vivi uma espécie de pastiche do plágio: fui acusado por alguns leitores de plagiar um diário que, na verdade, não tem nada disso no romance Divórcio. Na série de e-books Delegado Tobias, falsifiquei alguns documentos, e isso foi imediatamente tomado como verdade. Ou seja: minhas falsificações viraram verdade, eu estou envolvido com o contrário do plágio. Um plagiário diz que é verdade o que ele copiou. Já as pessoas dizem que é verdade o que eu inventei!”, conta o escritor.

Para Lísias, a constituição de uma expressão própria não passa por um processo de isenção de influências artísticas, mas sim de assumi-las. Quando questionado a respeito da aparição de traços de outros autores na própria obra, o escritor demonstra que faz parte de uma estrutura consciente e refletida. ;Eu me considero muito influenciado por Proust, mas nunca vi essa ligação nas reflexões críticas sobre meus textos. Mas não estou infeliz com elas: aprendo muito e, na maioria das vezes, as pessoas reconhecem outros autores importantes para mim;, afirma.

Naturalidade

O artista plástico brasiliense André Santangelo explica que a identificação de influências em obras de arte deve ser vista com mais naturalidade. ;Sou completamente influenciado, mesmo que não queira. Influência é isso: algo que outra pessoa fez e te afeta. Isso é inevitável. O artista pode ter consciência disso ou não. Às vezes, tem consciência no processo de desenvolver o trabalho;, explica.


Santangelo afirma que a apropriação de aspectos ou características de outros artistas é comum nas artes de uma forma geral. ;Pensando nisso como estratégia, em trabalhos de colagem, de sampling, de citações, que vão constituindo outras obras, acho superpositivo.;


Longe de se esgotar, plágios, apropriações, referências e influências permeiam debates que levam o foco ao campo das intenções artísticas. ;Acho que é preciso deixarmos todo mundo criar do jeito que o artista melhor entender. A análise deve ser feita a cada caso em particular. O que importa é o resultado final;, afirma Lísias.


De acordo com o especialista Mauro Ferreira, o plágio só se configura quando se ;passa pela questão da má fé;. Santangelo ressalta que deve ser feita a observação do contexto de cada obra: ;O mais importante nesse processo de artista é ele ter a expressão do trabalho dele. Quando isso acontece, vira uma obra única, mesmo que esteja com influências de outras pessoas;, ressalta.

Tribunal
A família do artista da soul music Marvin Gaye entrou na Justiça contra Pharrell William e Robin Thicke por identificar plágio da música Got to give it up, de Gaye, no hit Blurred lines, da dupla. A decisão do júri foi favorável aos parentes do cantor e Pharrel e Robin foram condenado a pagar US$ 7,3 milhões por direitos autorais.

"Precisamos sempre prestar atenção para não recairmos em censura. Afirmar: ;isso não pode ser feito; é basicamente censura. E não concordo com nenhum tipo de censura, nem com o mais remoto sinal dela;
Ricardo Lísias, escritor

Plágio ou sampling?
O sampling, derivado da palavra sample (amostra, em português), tem sido um recurso muito utilizado nas criações, principalmente, de músicas. Trata-se de recortar e colar trechos, por exemplo, de uma canção para produzir uma nova. Não há legislação específica que regule a prática, porém, a Lei que defende os direitos autorais exige autorização prévia do artista que terá a obra copiada, pagamento de direitos autorais e a necessidade de se dar crédito. Assim, não há limite de tempo para a inserção de algo em uma obra, desde que seguido o que diz as normas. A cantora Jennifer Lopez, por exemplo, usou o sampling em On the floor, de 2011, quando retirou partes da canção Llorando se fue, do grupo Los Kjarkas. Já o plágio ocorre quando a pessoa faz o contrário: não há o pagamento de nenhum direito autoral ou mesmo menção dos cantores.


CASOS FAMOSOS

George Harrison
; O ex-Beatle teve que pagar mais de US$ 500 mil em indenizações após ser condenado por plagiar a música He;s so fine, de Ronald Macky. A empresa que detinha os direitos, a Bright Tunes, provou várias semelhanças entre My sweet lord e a canção de Ronald.

Roberto Carlos
; Nem mesmo o Rei se salvou de acusações de plágio. Em 2004, Roberto Carlos foi condenado a pagar R$ 2,6 milhões ao compositor Sebastião Braga porque a canção O careta era uma cópia de Loucuras de amor, de Braga. A música já não consta no catálogo do cantor.

Michael Jackson
; O cantor camaronês Manu Dibango causou Michael Jackson de usar elementos da música Soul makossa, de 1972, no hit Wanna be starting something, de 1983. Jackson foi obrigado a pagar, à época, cerca de US$ 200 mil por direitos autorais.

Carlos Alberto Parreira
; O ex-técnico da Seleção Brasileira foi acusado de copiar o livro Soccer tatics and teamwork, escrito pelo inglês Charles Hughes, em 1973, em Evolução tática e estratégia de jogo. Parreira ficou livre de um processo, pois a Federação de Futebol Inglesa, que detém os direitos, não entour na Justiça.

Dan Brown
; O autores do estudo The holy blood and the holy graal encontraram semelhanças no que o autor propõe no livro sobre o Santo Graal com o que foi pesquisado por eles. O processo ainda corre na Justiça.

Romero Britto e Apple
; Romero Britto acusou recentemente a Apple e a empresa Craig & Karl de copiar o estilo dele na campanha Start something new, que tem por objetivo fazer com que artistas criem obras utilizando os produtos da companhia de Tim Cook. Além de indenização, o processo pede que a imagem não seja mais utilizada.

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