Diversão e Arte

Escritor argentino Bruno Bimbi fala sobre intolerância ao Correio

A experiência de Bimbi na luta pelos direitos dos homossexuais na Argentina está narrada no livro Casamento igualitário

Nahima Maciel
postado em 04/07/2015 15:36
Bruno Bimbi, participante do seminário sobre intolerância na Flip
Bruno Bimbi é argentino, mas mora no Rio de Janeiro. Em 2007, ele e alguns amigos começaram a se articular para entrar na justiça argentina com ações pelo direito de se casais do mesmo sexo se casarem. Foram três anos de luta até conseguirem a aprovação da lei. Bimbi foi um dos convidados para falar sobre intolerância durante seminário promovido pela Liga Brasileira de Editoras (Libre) e a Nuvem de livro durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Ontem (3/7), ele dividiu a mesa Ditaduras: da exceção à opressão com o escritor Marcelo Godoy. A experiência de Bimbi na luta pelos direitos dos homossexuais na Argentina está narrada no livro Casamento igualitário. Bimbi ressalta que falar em união civil e casamento civil são coisas diferentes e que a união civil não existe no Brasil: ;Mas eu gostaria de fazer uma outra comparação: a aprovação do casamento igualitário na Argentina, em 2010, e no Brasil, em 2013, embora em ambos os casos os efeitos legais tenham sido os mesmos (muitos brasileiros não sabem, mas há mais de dois anos que no Brasil existe casamento civil entre pessoas do mesmo sexo; repito: casamento civil, e não "união civil", como muitas vezes a imprensa diz de forma equivocada, usando um termo que não existe na legislação brasileira), teve uma repercussão diferente em cada país;. Lei abaixo a íntegra da entrevista.


[SAIBAMAIS] Por que a tolerância é um tema urgente?

Eu não gosto de usar o conceito de ;tolerância; nesse tipo de debates, porque a gente tolera aquilo que nos desagrada, que nos causa rejeição ou repugnância. Eu sou gay e eu não ;tolero; os heterossexuais, mas simplesmente não tenho absolutamente nada contra eles. Eu não sinto nenhum tipo de rejeição ou repugnância por eles. Eu acho bonito ver um homem beijando uma mulher, acho bonito ver um casal heterossexual de mãos dadas na rua, assisto a filmes e seriados românticos em que os protagonistas são um homem e uma mulher e me emociono com a história, fico contente quando meus amigos heterossexuais se apaixonam, começam a namorar uma mulher ou se casam. Eu não preciso ;tolerar; que eles se casem, porque não me incomoda. Eu celebro que se casem e gosto muito de ir na festa! Da mesma forma que eu, que sou branco, não ;tolero; os negros, apenas os vejo como seres humanos iguais a mim, diferentes apenas na cor da pele, como outros são diferentes na cor dos olhos ou do cabelo, o que é irrelevante.
Quando alguém fala em ;tolerância; com relação aos homossexuais, o que está implícito é a ideia de que há um desgosto, um desconforto, mas deve ser dissimulado porque pega mal. Precisamos mudar essa cultura. Até porque, muitas vezes, o discurso da ;tolerância; vem junto de frases como: ;façam o que quiserem entre quatro paredes, mas eu não quero ver vocês de mãos dadas na rua, não quero ver vocês se beijando no cinema, não quero que vocês possam casar no cartório como eu, não quero que sejam professores do meu filho ou que trabalhem na mesma empresa que eu;. Essa ideia também vem junto de outro preconceito, totalmente equivocado, de que a orientação sexual é uma escolha ou pode mudar, ou que alguém vai ;virar gay; por imitação. Se fosse assim, não haveria gays, porque todos nós teríamos ;virado hétero; por imitação. A ideia da tolerância está cheia de poréns. Eu não quero uma sociedade que ;tolere; a homossexualidade, mas que seja indiferente a ela como eu sou indiferente à heterossexualidade. Não somos melhores nem piores, mais ou menos normais ou saudáveis. Somos apenas diferentes e essa diferença faz parte da diversidade da espécie humana desde sempre (e de outras espécies). E não há nada de bom ou de ruim em ser gay, lésbica, bi ou hétero. São apenas orientações sexuais distintas.


O mundo celebrou a aprovação do casamento de pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos mas, no Brasil e na Argentina, a lei já permitia isso. O que pensa dessa celebração? Qual a importância de os Estados Unidos aprovarem a união?
Em primeiro lugar, eu compreendo a repercussão que a decisão da Corte Suprema dos EUA teve, porque se trata de um país que tem uma enorme influência cultural, política, econômica, etc. A maioria dos brasileiros conhece mais atores, atrizes, músicos ou escritores dos EUA do que da Argentina ou do Uruguai, e o mesmo acontece no sentido contrário. São pouquíssimos os filmes brasileiros que passam nos cinemas de Buenos Aires e pouquíssimos os autores argentinos que são traduzidos para o português, mas recebemos toneladas de livros e filmes dos EUA, da mesma forma que consumimos seus produtos, estudamos sua língua e conhecemos muito sobre sua cultura, sua geografia ou sua atualidade política. Não digo isso como uma reclamação, mas apenas como uma constatação. Então, é natural que a sentença da Corte Suprema dos EUA tenha tido mais repercussão que a da Corte Suprema do México, que decidiu a mesma coisa duas semanas antes e quase ninguém ficou sabendo. E, ciente desse contexto, eu até acho bom que exista essa repercussão, porque a influência que os EUA têm no resto do mundo, nesse caso, dessa vez, pode ajudar a mudar as leis em outros países de forma positiva. Mas eu gostaria de fazer uma outra comparação: a aprovação do casamento igualitário na Argentina, em 2010, e no Brasil, em 2013, embora em ambos os casos os efeitos legais tenham sido os mesmos (muitos brasileiros não sabem, mas há mais de dois anos que no Brasil existe casamento civil entre pessoas do mesmo sexo; repito: casamento civil, e não "união civil", como muitas vezes a imprensa diz de forma equivocada, usando um termo que não existe na legislação brasileira), teve uma repercussão diferente em cada país. Na Argentina, o casamento igualitário foi aprovado por lei do Congresso após um amplo debate social que esteve na manchete dos jornais durante meses. Por isso, os efeitos culturais foram inclusive mais importantes do que a lei. Todo o mundo falava sobre o assunto na fila do ônibus, na escola, na universidade, no trabalho, no jantar familiar.
O tema foi debatido na televisão, no rádio, nos jornais, no parlamento, e o debate foi tão rico que muita gente que, por falta de informação, tinha preconceitos, graças ao debate, deixou de tê-los. A homofobia diminuiu, embora ainda exista. E a aprovação da lei argentina teve muito, muito mais repercussão na Argentina do que a decisão da Corte dos EUA. No Brasil, foi ao contrário. A decisão foi tomada pelo Conselho Nacional da Justiça e teve pouquíssima repercussão. Não houve debate social. Diferentemente da Cristina Kirchner, que apoiou a lei, a Dilma foi omissa por seus acordos com pastores evangélicos fundamentalistas. Muita gente nem ficou sabendo, inclusive muitos gays brasileiros não sabem que já podem se casar. Por isso é que o deputado Jean Wyllys, com muita razão, continua reivindicando que o Congresso vote uma lei colocando no papel o que já existe na prática por decisão do Judiciário. Mas, infelizmente, nesse Congresso medieval controlado pelas máfias, os fascistas e o fundamentalismo neo-pentecostal, representado por essa figura horrorosa que é Eduardo Cunha, é bem difícil.



Qual foi o maior desafio da aprovação da lei na Argentina?
A gente lançou a campanha pelo casamento igualitário, da qual fui um dos principais responsáveis, em 14 fevereiro de 2007, no dia dos namorados, e a lei foi aprovada em julho de 2010, no aniversário da revolução francesa. Nesses três anos e meio, o que mudou foi a opinião da maioria da sociedade e dos políticos. Quando lançamos a campanha, todo o mundo falava: "vocês são malucos, isso é impossível". Até os que eram a favor falavam que não iríamos conseguir, que faltavam no mínimo 20 anos para que esse tema pudesse ser debatido numa sociedade tão conservadora como a argentina. Na época, nós considerávamos o Brasil como um país mais avançado! O principal desafio foi colocar o tema na agenda política e social e convencer a maioria da sociedade e dos políticos, que no início tinham medo de falar no assunto e, hoje, tem vergonha de ser contra.
Eu escrevi um livro, "Casamento igualitário" (publicado no Brasil pela editora Garamond) para contar como conseguimos. Foi a experiência mais linda da minha vida e eu estou orgulhoso de saber que conseguimos produzir uma mudança histórica. No início, éramos cinco ou seis malucos reunidos na casa de uma companheira, sonhando coisas impossíveis. Três anos e meio depois, estávamos na Casa Rosada festejando a promulgação da lei com a Presidenta da República. E eu acho que a experiência argentina (e por isso escrevi o livro) pode servir como exemplo para outros países e para outros debates sociais necessários. Aprendemos muita coisa e tem muitos detalhes dos bastidores que não saíram na imprensa e que eu achava importante contar para que houvesse um registro histórico. Eu tenho a certeza de que as próximas gerações vão estudar essa história como hoje estudamos a aprovação do voto feminino, o fim da escravidão e da segregação racial ou a conquista dos direitos trabalhistas.

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