Diversão e Arte

Arnaldo Antunes expõe mais de três décadas de produção de poemas visuais

Artista começou a criar poesias ainda na adolescência, antes de ser músico

Nahima Maciel
postado em 09/09/2015 07:30

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Aos 15 anos, Arnaldo Antunes gostava de imprimir suas poesias em folhetos e vender em bares. Na época, estudava violão e já ensaiava composições com Paulo Miklos, colega de classe na escola. Para ganhar um dinheirinho extra, vendia versos em bares e teatros. E adorava passar horas nas gráficas acompanhando a impressão. Ele acha que está um pouco aí a origem do fascínio pela poesia visual. Os trabalhos mais antigos de Palavra em movimento, exposição em cartaz no Museu dos Correios a partir de amanhã, datam do início da década de 1980, quando o Titãs ainda era um projeto.

Na época, Antunes fazia colagens com pedaços de jornal e embalagens. A prática continuou e o músico nunca parou. Ele não se considera artista plástico, mas admite que navega entre fronteiras que a tecnologia ajudou a tornar mais fluidas. ;Faço poesia visual, só que utilizando vários suportes;, explica. ;As artes plásticas hoje abrangem um universo de coisas muito mais amplo do que há 50 anos, o território dela se ampliou a tal ponto que você tem instalações de artistas plásticos feitas com áudio, ou essa coisa da mistura da palavra.;

A conversa entre a palavra e o universo da visualidade é algo que ele traz da admiração pela poesia concreta, uma influência forte nos anos 1970, mas também do gosto pela possibilidade de levar as letras para qualquer esfera da produção artística. A palavra pode ser música, mas pode também ser objeto ou, ainda, matéria de lirismos.

Artista começou a criar poesias ainda na adolescência, antes de ser músico

As obras de Palavra em movimento foram produzidas nas últimas três décadas e cobrem um período largo de uma produção poética visual em vários suportes. As mais antigas são as colagens de 1981 e as mais recentes, os conjuntos de caixas equipadas com monitores de vídeo e animações feitas a partir de fotografias da instalação Interno exterior. Entre elas há toda uma série de experiências: as caligrafias feitas com tinta de carimbo sobre papel de gravura, as esculturas com palavras que se mesclam e adquirem sentidos diversos, as impressões com letras de palavras que se repetem ao infinito até quase sumirem, os poemas sonorizados na voz do próprio Antunes e as instalações poéticas, como o Ovo vírgula.

Em Interno exterior, a tecnologia é um ponto importante. Com fotos de letreiros de ruas realizadas durante os últimos 20 anos, Antunes faz analogias para tratar do que chama ;questões interiores;. ;É como se tirasse o vocabulário do mundo para criar poemas a partir de questões internas. O material é tirado com um certo contexto. Na hora que você desloca do contexto original, ele ganha outro sentido;, explica. As animações feitas a partir das fotos passam em porta-retratos digitais. A tecnologia, o artista acredita, ajudou a quebrar fronteiras e a aproximar os homens de experiências mais plenas.


Palavra emmovimento

Abertura amanhã, às 19h, no Museu dos Correios (SCS, Qd 4, Bloco A). Visitação até 8 de novembro, de terça-feira a sexta, das 10 às 19h e sábados, domingos e feriados, das 12 às 18h.


Entrevista/Arnaldo Antunes

Ferreira Gullar costuma dizer que a poesia dele nasce do espanto. E você, tem essa sensação?
Sim, tem essa coisa de você passar a ver com certo estranhamento as coisas do mundo, certo olhar de descoberta, de surpresa, de conseguir ter um olhar que não passa pelas coisas rapidamente sem reparar nelas.

Você se considera artista plástico?
Não no sentido específico. Faço poesia visual, só que utilizando vários suportes. As artes plásticas hoje abrangem um universo muito mais amplo do que era há 50 anos. A gente vive cada vez mais um território híbrido e os meios digitais acentuam isso. Hoje em dia, você tem imagem, som, texto tudo misturado. Sou otimista em relação à tecnologia porque acho que ela vem reconectando os sentidos do homem que estavam muito separados um do outro. A civilização foi criando a literatura para ser lida, as artes plásticas para serem vistas, a música para ser ouvida. De certa forma, a tecnologia foi dissolvendo essas fronteiras e permitindo essas misturas.

Você se sente herdeiro da poesia concreta ou visual dos irmãos Campos?

Herdeiro não seria a palavra, mas sou um admirador e sou influenciado. Os poetas concretos desencaretaram a poesia. A poesia vinha de um período de retrocesso do modernismo com a geração de 1945 e eles desencaretaram no sentido de tornar aquilo atraente para mim, que era um jovem crescendo nos anos 1970. Eles abriram, para mim, essa coisa de território, de trânsito entre as diferentes linguagens, a visualidade da palavra escrita, a coisa da completude do rigor. Eu via tudo isso como uma algo muito potente e, sem dúvida, fui influenciado, mas minha produção envolve outras coisas, envolve uma influência também da tradição lírica da canção, da contracultura, do rock;n roll, mas acho que eles abriram um caminho.

Há um diálogos em toda a tua produção, há uma linha?
Não é intencional, mas acaba tendo essa noção de coerência estética. Mas não é há a intenção de fazer esse link. Acaba sendo uma constatação posterior. Tem uma descoberta de um sotaque próprio, um jeito próprio de brincar com a linguagem, uma preocupação que é comum às três áreas. Por exemplo, a questão da adequação: o valor de uma canção está muito ligado à adequação da melodia à palavra e à divisão rítmica das sílabas, isso tem que soar muito natural. Se força um pouco a barra, não fica legal. Você pode ter um poema maravilhoso que, se musicado inadequadamente vai ser uma canção ruim. Acho que essa adequação se presta aos poemas em si, porque tem a palavra justa, mais adequada, que exprime exatamente aquilo, tem a busca de uma clareza, uma concisão. Ao mesmo tempo, a expressão visual também busca isso, é uma adequação da forma ao sentido. Essa é a preocupação que norteia tudo.

Quando sabe que é uma canção ou um poema? Ou não tem fronteira, tudo conversa?
Inicialmente, sempre intuo se uma coisa é para ser cantada, se é para o papel ou se vai ter uma interferência visual. Mas as interseções, com o passar do tempo, vêm se tornando cada vez mais frequentes, então tem muita coisa que publiquei e depois musiquei, ou outras que gravei como canção e depois fiz uma versão visual. Esse trânsito tem se tornado, com o tempo, mais frequente. Inclusive tem coisas que têm várias versões mesmo e é assim que acontece. Não tem exclusividade, é uma coisa que está viva mesmo.


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