Diversão e Arte

As Carmens, Kikas e as paredes de Brasília

A força e a ousadia dos espetáculos do Distrito Federal que não se acanham diante do conservadorismo vigente

postado em 11/11/2015 18:21
O espetáculo
//Artigo
As camélias do Setor Comercial Sul, os michês do Parque da Cidade, as meretrizes infiltradas do Congresso Nacional, os viados que apanham na W3. Todxs dariam protagonistas irretocáveis em filmes de Almodóvar, que adora se debruçar sobre os ditos marginalizados e escancará-los sob uma nova perspectiva. O espanhol que anseia subverter o espectador, deflagrar os preconceitos velados e esparrados (os mesmos que você demonstrou ao ler o início deste texto) e provocar uma reversão de paradigmas.

O universo de Almodóvar pode ser visto na peça Mata! Mata! Mata-me, amor!, de Kael Studart, na qual o diretor brasilense estreante (e intérprete experiente) traz à tona esse embate entre nosso cotidiano intransigente e as exclamações oprimidas que, mais do que nunca, precisam ser reconhecidas e respeitadas.

Destarte, no trabalho de Kael, temos o litígio entre o religioso fundamentalista e a sexualidade alheia. Uma senhora reprimida, mas com saudades de outrora. Um filho transtornado, uma mãe ausente. Tudo envolto por um ambiente trash, figurinos extravagantes e uma luz de cabaré. A amálgama deliciosa do cômico e do trágico, com uma bela dose de contundência.

O teatro de Brasília, não de hoje, propõe-se a escancarar as discussões que acabam censuradas e barradas pela maioria dos engravatados da Praça dos Três Poderes. Propõe-se a encarar a sociedade retrógrada e questioná-la, sem medo. E o faz por meio de uma pesquisa intensa, intérpretes descamisados e viscerais e diretores comprometidos com o fazer artístico. Como Juliana Drummond em Desbunde, espetáculo que deixaria Zé Celso, Hilton Lacerda e Wagner Ribeiro orgulhosos, ou Jonathan Andrade, que fez a capital federal engolir Plínio Marcos com Autópsia.
Em uma época quando se questiona o valor da obra de Simone de Beauvoir, que João Donati não está mais entre nós e na qual o livro A família de Sara acaba banido das salas de aula, há de se canalizar a força da contestação. Mais do que o cinema ou a música, por vezes, tão distantes, o teatro aparece como a melhor ferramenta de combate. Justamente pela oportunidade de lhe apontar o dedo na cara.

Diego Ponce de Leon

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