Diversão e Arte

O aumento de foliões traz desafios aos blocos de ruas, que não desanimam

Os grupos esbarram em dificuldades para manter identidade e tradição. Segurança e a Lei do Silêncio também geram preocupações. Mas ninguém esmorece

postado em 06/02/2016 07:30
Babydoll de Nylon levou mais de 50 mil pessoas às ruas em 2015
Ao que tudo indica, a folia em Brasília deve encerrar às 22h. Embora o secretário de Cultura, Guilherme Reis, negue a imposição, a maior parte dos blocos prefere se precaver. Os desfiles começam cedo e poucos se alastram madrugada adentro, por conta da controversa e repressora Lei do Silêncio.

Na Praça do Cruzeiro, o Babydoll de Nylon deve arrastar mais de 60 mil pessoas. A preservação do Memorial JK, por exemplo, é, majoritariamente, de responsabilidade do bloco, e não do governo. Nesta semana, a poucos dias do início dos festejos, os blocos foram advertidos de que a autorização dos Bombeiros e da Defesa Civil cabe a eles, e não à Secretaria de Cultura, órgão responsável pelo carnaval.

Burocracias e impedimentos administrativos que, de acordo com os blocos, em nada facilitam a organização necessária para se atender um contingente tão grande de pessoas. No ano passado, por exemplo, 1 milhão de pessoas foram às ruas durante o período.

Além de gerar dificuldades imediatas com a segurança pública, respeito ambiental, entre outros, o crescimento desenfreado dos blocos de rua esbarra em outras questões, como a perda de identidade própria. Enquanto alguns, como o Bloco da Tesourinha, preferem se manter pequenos, outros comentam que o interesse dos foliões é natural e não deve ser contido.

Intervenção
No que diz respeito ao aumento dos foliões, a maior parte dos organizadores concorda. ;Não podemos impedir que as pessoas se juntem ao bloco;, comenta Daniel Obregon, do Babydoll de Nylon. Ele afirma que o fundamental é se preparar para receber o público.

Uma iniciativa que não deveria depender dos blocos somente. ;Não há como nos responsabilizarmos pela segurança de cada pessoa. Estamos atendendo uma demanda das ruas, da população. O Estado, o governo, precisam intervir;, pede Rodrigo Barata, do Aparelhinho.

Entre as preocupações, a segurança aparece como prioridade. ;Foi terrível o que aconteceu com o jovem morto no Encosta que Cresce, na Funarte. Gravíssimo. Mas não podemos responsabilizar o carnaval por isso. Poucos dias depois, um pai foi morto na frente da escola do filho, no Guará. A violência está em todo lugar;, observa Jul Pagul, do Bloco das Perseguidas.

Rodrigo Barata lembra que a presença da polícia é bem-vinda, de forma a ;tranquilizar o folião e não reprimi-lo;. O cantor André Gonzales, do Móveis Colonias de Acaju, sugere também outro remédio para a violência: ;A forma mais correta de lidarmos com essa mazela é com cultura, com agentes transformadores, com arte;.

Não à toa, ele comanda o Bloco do Amor, que sai neste carnaval pela primeira vez. André espera que o número de foliões jamais interfira com o sentimento que os rege e que eles carregam no nome do bloco.

// Os blocos

Os grupos esbarram em dificuldades para manter identidade e tradição. Segurança e a Lei do Silêncio também geram preocupações. Mas ninguém esmoreceAparelhinho

Ocupação e mobilidade
Embora não tenha uma bandeira oficial, o Aparelhinho acabou se tornando referência de resistência cultural por conta dos anseios de ocupação da cidade e mobilidade. ;Não usamos trios elétricos, que estão sujeitos às leis de trânsito;, conta o músico e agitador Rodrigo Barata, um dos responsáveis.

;Nossa intenção sempre foi ficar ali entre 1 mil pessoas, mas o crescimento foi inevitável. Neste ano, por exemplo, convocamos o apoio de outros dois blocos para que o ambiente não se dilua. Um cuidado para que a festa tenha uma identidade única, congregadora;, completa.

A música mecânica, com elementos orgânicos e eletrônicos, agradou ao brasiliense. Depois de uma primeira edição com 800 pessoas, o bloco deve passar dos 10 mil foliões este ano. Uma praça de alimentação foi montada e um reforço articulado: o Bloco Acabou o Gás e o Bloco das Divinas Tetas se juntam ao Aparelhinho.

Ano de fundação: 2012
Foliões na primeira edição: 800
Foliões na última edição: 8 mil


Os grupos esbarram em dificuldades para manter identidade e tradição. Segurança e a Lei do Silêncio também geram preocupações. Mas ninguém esmoreceBloco da Tesourinha

;Humanizar a cidade;
Por conta do crescimento hiperbólico, o Babydoll de Nylon saiu da Asa Sul e passou a ocupar a Praça do Cruzeiro. O Suvaco da Asa, depois de anos, saiu do Cruzeiro e foi para o gramado da Funarte. O Bloco da Tesourinha, no entanto, espera se manter no mesmo lugar: 410 Norte.

;Queremos manter nossa média de público, de 2 mil pessoas;, afirma Renato Fino, um dos nomes por trás do bloco. ;Dessa forma, podemos manter o clima familiar, mais tranquilo e, acima de tudo, continuar em uma área residencial;. Renato acha fundamental que o carnaval também aconteça onde as pessoas moram: ;É uma forma de humanizar a cidade, tirar esse ranço de que o brasiliense é frio;.

Embora compreenda que os grandes blocos não tenham condições de desfilar em uma superquadra, Renato se orgulha de manter o Bloco da Tesourinha no tamanho ideal para que a festa também aconteça nas áreas centrais de Brasília. A trilha, tradicionalmente, fica por conta do frevo pernambucano.

Ano de fundação: 2007
Foliões na primeira edição: 150
Foliões na última edição: 2 mil


Os grupos esbarram em dificuldades para manter identidade e tradição. Segurança e a Lei do Silêncio também geram preocupações. Mas ninguém esmoreceBabydoll de Nylon

;Cuidamos de todos;
Nenhum dos organizadores do Babydoll de Nylon poderia imaginar que apenas cinco anos depois da criação estariam diante de um público superior a 50 mil pessoas. ;Começamos dando volta em um balão da 201 Sul. Uma brincadeira entre amigos;, relembra Daniel Obregon.

A brincadeira ficou séria. Hoje, na Praça do Cruzeiro, a expectativa é de que 60 mil pessoas passem pelo bloco. ;Não abandonamos nossas ideais iniciais de sensualizar e promover diversão, acima de tudo;, brinca. ;Claro que algumas características são perdidas. Nem todos aparecem vestindo babydoll; encostam uns carros nas proximidades com música própria, e por aí vai. Mas não podemos expulsar essas pessoas;.

De maneira a atender o público, Daniel diz que o bloco se prepara intensamente para receber o contingente de pessoas, investe na infraestrutura e abusa das redes sociais para conscientizar os foliões sobre diversidade e cuidado com o lixo produzido, por exemplo.

Ano de fundação: 2011
Foliões na primeira edição: 100
Foliões na última edição: 50 mil


Os grupos esbarram em dificuldades para manter identidade e tradição. Segurança e a Lei do Silêncio também geram preocupações. Mas ninguém esmoreceBloco das Perseguidas
Zero intolerância
Em 2013, a agitadora cultural e feminista Jul Pagul chegou ao extinto Balaio Café, da qual era proprietária, e se deparou com alguns xingamentos nas paredes. Entre eles, a palavra ;perseguida; podia ser lida por toda a quadra, em tom irônico e com desenhos chulos. Pois a agressão se tornou um grito de resistência.

O Bloco das Perseguidas surgiu como ato político, de forma a combater a violência contras as mulheres e abarcar a diversidade sexual. ;Um bloco a favor dos direitos humanos, dos direitos LGBT;, reforça Jul Pagul.

Além de ocupar a Praça dos Prazeres, o bloco percorre a passarela subterrânea para pedestres da quadra. ;Um local que serve para o assédio de mulheres, estupros. Revitalizamos aquele espaço;, explica. O bloco costuma reunir uma quantidade expressiva do público LGBT, sem perder o acolhimento com ;todas as cores;: ;Crianças e idosos sempre aparecem também. Todos são bem-vindos;.

Ano de fundação: 2013
Foliões na primeira edição: 1 mil
Foliões na última edição: 4 mil


>> Três perguntas // Pedro Luís (Monobloco) Os grupos esbarram em dificuldades para manter identidade e tradição. Segurança e a Lei do Silêncio também geram preocupações. Mas ninguém esmorece
Criado em 2000, o Monobloco nasce como uma oficina de percussão no Rio de Janeiro. No carnaval daquele ano, toma as ruas de forma a oportunar aos alunos a experiência de tocar ao vivo e interagir com o público. Reuniu um número considerável de foliões, mas nada perto das 400 mil pessoas que acompanham Pedro Luís (líder do grupo) e a bateria de 120 percussionistas hoje em dia, que fazem do Monobloco uma das maiores agremiações de carnaval do país.

Uma oficina de batucada se transforma em um dos maiores blocos do mundo. Os princípios que nortearam o Monobloco no início, há mais de 15 anos, foram mantidos ao longo dos anos?
Com certeza se mantêm. Inclusive, em 2015, conseguimos pagar uma dívida histórica com São Paulo e criar uma bateria com os paulistanos, que desembocou num lindo desfile no Ibirapuera. A grande vocação sempre foi pedagógica, habilitando leigos a se transformarem em músicos durante as festas de momo. Todo o resto é consequência.

Quais cuidados são imprescindíveis para que esse crescimento não aconteça de forma desordenada?
Quando nos deparamos, logo no ano de estreia, com um fenômeno que não imaginávamos, passamos a cuidar como algo precioso. Desde lá, nos cercamos artisticamente, tecnicamente e na área de produção com aqueles que sabíamos ser os melhores e fundamentais parceiros para que o projeto fosse em busca da longevidade merecida. Assim é até hoje.

Mesmo encarando um público de 400 mil pessoas, é possível conservar a identidade própria do grupo, a tradição, a personalidade?
A identidade do projeto é contemplar toda a diversidade musical brasileira traduzida para o instrumental das escolas de samba, formando leigos musical e tecnicamente. Isso se manteve e se manterá para sempre.

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