Diversão e Arte

O choque entre atual e barroco marca o novo trabalho de Marcia Milhazes

'Sempre seu' reúne artistas contemporâneos para revolução estética no prédio Oi Futuro, no Rio de Janeiro

José Carlos Vieira
postado em 08/02/2016 10:58

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Rio de Janeiro ; A coreógrafa carioca Marcia Milhazes reuniu um pequeno grupo de artistas para realizar uma revolução estética no prédio do Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro até o dia 21. Explico: num dos espaços mais agitados da capital fluminense ; onde a instantaneidade, a tecnologia são símbolos e matrizes ;, Marcia decidiu interromper o ritmo desenfreado do centro cultural, para propor aos visitantes surfar uma onda diferente das que estão acostumados na nossa aldeia global.


Sempre seu, um projeto criado a partir das impressões de Marcia diante de cartas de gente famosa e de anônimos escritas no século 20 ganha corpo nos cinco níveis do complexo Oi.

O grupo convocado pela coreógrafa para a ocupação multimídia é ousado e diverso. Entre os aliados de Marcia estão os artistas plásticos Beatriz Milhazes, responsável pelas cores e pela cenografia de toda a área; e Chico Cunha, que transformou a fachada do prédio de cinco níveis em um grande desenho (10m x 10m) com traços e cores barrocas a partir da foto das bailarinas Aline Arakaki e Ana Amélia Vianna, brasiliense radicada no Rio há mais de 10 anos.


Outro convidado é justamente a autora da foto da dupla de bailarinas, Ana Clara Miranda, que capta recortes e imagens impactantes sobre os gestos realizados pela companha de balé comandada por Marcia. ;Quero que o público entre neste osso, neste subterrâneo que é o meu trabalho, e dos meus intérpretes, em que o gesto não é gratuito, ele precisa ter peso; é como se ele tivesse o peso da palavra;, diz a coreógrafa e curadora da ocupação.


Sim, é uma quebra de paradigma, um tropeço... Que nos faz respirar com calma e contemplação diante do apresentado por Marcia.

Inspirações
Envolvente também é o trabalho do videoartista Gustavo Gelmini diante da performance do corpo de bailarinos. Um transe poético. Mas o arrebatamento se anuncia quando os bailarinos Aline e Ana, Elton Sacramento começa a envolver o público com a dança (muito mais que isso) criada por Marcia. Para acompanhá-los, instrumentistas de peso, como um dos principais cravistas do país, Eduardo Antonello, além de Pedro Novaes (viola de gamba, vielle medieval e sopros) e Pedro Lagr (violino barroco).


"Minhas obras levam tempo, faço um trabalho minucioso sobre gestualidade e música. Neste projeto, invisto também na valorização da sonoridade barroca", destaca Marcia.


[SAIBAMAIS]A coreografia de Sempre seu, segundo ela, foi criada a partir de leituras de uma série de cartas produzidas por celebridades e gente simples. Histórias como a de um homem que passa parte da vida escrevendo mensagens para as irmãs que nunca conheceu. Nesta ocupação, Marcia quebra o ritmo, reseta o tempo e propõe o silêncio, a inspiração, a respiração... A dança que pensa. Em vez de e-mail, a carta. Uma desconstrução lírica que começa nas fotos e a grande pintura na entrada do edifício, passa por quadros e vídeos sobre o tema nos andares de cima, e chega aos gestos dos bailarinos e à música barroca no nível quatro do prédio. Como se quisessem dizer ao visitante: ;Se descubra;, ;se encontre;.

Ocupação artística
Sempre seu
Concepção, curadoria e direção artística
Marcia Milhazes. Local: Oi Futuro Flamengo (RJ) até o dia 21 de fevereiro.



Três perguntas // Marcia Milhazes

Qual o peso de uma ocupação destinada à reflexão, principalmente do passado, num espaço tão moderno e tão tecnológico que é o Oi Futuro?
Hoje, posso humildemente falar que mudei o tempo neste espaço. O mundo tecnológico está tornando as relações cada vez mais impessoais, deixando as pessoas com um tempo de milésimos de segundos para falar de coisas complexas, de coisas que levariam horas. Mas parece que não é mais permitido às pessoas esse tempo. E quem decide parar, refletir, ter tempo, se torna imprestável, chata, deformada. Esta ocupação é um choque, no bom sentido. Na comoção! Isso é um ato político.


Quais os efeitos desse choque para o público? Eles se incomodam ao ver um cravo numa sala destinada à alta tecnologia? As pessoas foram destreinadas a parar, apreciar, refletir...
Isso, mas as pessoas se emocionam, os instrumentos do cravos, a coreografia todos os espaços ajudam a transformar as pessoas. Mas dá para perceber esse destreinamento, essa agitação (às vezes, vazia) do mundo moderno.

Quando o público brasiliense poderá receber esta ocupação?
Espero levar este trabalho para o Centro Cultural Banco do Brasil, gosto muito de lá.

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