Diversão e Arte

Versão cinematográfica de 'O escaravelho do diabo' estreia em abril

Filha da autora Lúcia Machado de Almeida e seu sobrinho especialista em insetos relembram como a obra foi criada

Mariana Peixoto/Estado de Minas
postado em 13/03/2016 17:12
O ator Thiago Rosseti interpreta o protagonista da adaptação para o cinema, dirigida por Carlo Milani

O professor, entomólogo (especialista em insetos), escritor e dramaturgo Ângelo Machado era um estudante de medicina quando, no início da década de 1950, recebeu um telefonema noturno de sua tia, a também escritora Lúcia Machado de Almeida (1910-2005). ;Ângelo, arrume para mim um besouro cujo nome seja a maneira de assassinar uma pessoa.;

Apaixonado por insetos, foi ajudá-la. Na pesquisa, descobriu o Phanaeus ensifer, um escaravelho estranho. Seu nome significava ;aquele que leva a espada;. Contando com a colaboração de um amigo, o padre Francisco Pereira, seu mentor na entomologia, foi descobrindo outros e outros. Hipophenemus toxicodendri, por exemplo, é um besouro venenoso.
;Só achei o bicho, a história já estava pronta na cabeça dela;, comenta hoje Ângelo Machado. Aos 81 anos, ele se recorda da ;genialidade; da tia, que bolou uma história de crime e suspense que, 63 anos mais tarde, continua sendo uma das principais narrativas infantojuvenis do Brasil.

O escaravelho do diabo foi originalmente publicado, em capítulos, pela revista O Cruzeiro (de 10 de outubro de 1953 a 26 de dezembro do mesmo ano). Na época, Lúcia já era consagrada na literatura infantil ; conhecida, até então, por títulos como No fundo do mar e Viagens maravilhosas de Marco Polo.

[SAIBAMAIS]Quase 20 anos mais tarde, a narrativa policial estrearia em livro, com o lançamento da coleção Vaga-Lume. E quatro décadas depois, a história de Alberto, que assume seu lado detetive depois que o irmão é morto após receber um misterioso pacote com um escaravelho, chega aos cinemas.

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Sob a direção de Carlo Milani (diretor de programas, séries e novelas da Globo, filho do ator Francisco Milani), o filme homônimo tem estreia prevista para 14 de abril em ao menos 300 salas. O título é o mesmo, mas a história, um pouco diferente. Alberto, no livro, é um estudante de medicina (assim como Ângelo Machado). No filme, é um garoto de 13 anos, interpretado por Thiago Rosseti. A história é contemporânea, ambientada na fictícia Vale das Flores.

;Fazer um filme de época teria custo e grau de dificuldade maiores. Por conta da investigação (os alvos do assassino são sempre pessoas ruivas), a gente pode lançar mão dos gadgets, mais interessantes para essa nova geração;, comenta Milani. Aos 43 anos, o diretor também é um leitor de primeira hora da obra de Lúcia. Descobriu O escaravelho... aos 12 anos. Muito mais tarde, chegou em casa e descobriu nova edição do livro, que a filha estava lendo na escola.

FINAL DIFERENTE Além da mudança temporal e da idade do protagonista, o filme também muda o final. ;Livro e filme vão viver independentes, mas os leitores vão se identificar com o filme e vice-versa;, estima Milani. O elenco traz também Marcos Caruso, Lourenço Mutarelli e Jonas Bloch, entre outros.

Em entrevista à revista O Cruzeiro publicada em 3 de outubro de 1953, Lúcia comentou com o repórter Mário Silveira que estreava na literatura para jovens porque os filhos estavam crescendo. ;E eles sempre foram meus inspiradores e colaboradores;, disse. Fernando, Patrícia e Mônica eram também os primeiros leitores dos livros da mãe.

;Ela começou a escrever porque contava histórias para a gente. Eu gostava de ouvi-la até depois que fiquei maior;, diz Patrícia, com quem Lúcia viveu até sua morte, num sítio em Indaiatuba, interior de São Paulo. A mãe aceitava sugestões dos três filhos. ;Ela tinha muita imaginação. Estava sempre anotando ideias num caderninho.;

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Lúcia era também perfeccionista. Assim que decidia se debruçar num universo, estudava tudo sobre ele. Estudou os peixes para No fundo do mar (seu primeiro livro) e Na região dos peixes fosforescentes. Aprofundou-se no universo dos besouros e das borboletas. E ainda no da investigação policial, conforme relatou a escritora a O Cruzeiro:

;Certa vez, achava-me em companhia de meu sobrinho Ângelo na Polícia Central, colhendo informações com o chefe do Serviço de Polícia Técnica, quando Ângelo disse alto: ;O rapaz (um dos personagens do livro) tem de morrer instantaneamente, mas precisamos de um veneno que não deixe traços;. Mal acabava de pronunciar essas palavras, dois ;tiras; mal encarados, que acabavam de chegar, aproximaram-se de meu sobrinho e fizeram um sinal mal disfarçado ao chefe, como que indagando: ;Prendemos esse;?.;

Patrícia recorda-se do encontro com Carlos Milani. ;Quando ele me procurou, mamãe estava adoentada (tanto que não conheceu o diretor). Mas ficou feliz. Disse: ;Não é o livro de que mais gosto, mas vai dar um filme bacana;;, conta Patrícia. O livro preferido de Lúcia era O caso da borboleta Atíria. Não por acaso, também está nas preferências do cineasta. ;Tenho muita vontade de fazer uma animação dessa história;, diz Milani.

Vaga-Lume reedita coleção

O escaravelho do diabo inaugurou, em 1972, a coleção Vaga-Lume. Editada pela Ática, chegou a 70 títulos e formou diferentes gerações de leitores. A coleção ainda lançou novas luzes sobre autores que até então não haviam tido o devido reconhecimento ; como Maria José Dupré, autora de A ilha perdida, o mais vendido da série ; e deu chance a autores como Marcos Rey de entrar no universo infantojuvenil.

No ano passado, para comemorar seus 50 anos, a Ática relançou 10 títulos da coleção, com novo projeto gráfico (com capas que brilham no escuro). Além de O escaravelho... o segundo título mais vendido da coleção, outro livro de Lúcia, Spharion (que mistura fantasia e suspense), entrou nessa primeira reedição.
Os outros foram A aldeia sagrada, de Francisco Marins; Os barcos de papel, de José Maviael Monteiro; Tonico, de José Rezende Filho; O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa; A turma da Rua Quinze, de Marçal Aquino, Deu a louca no tempo, de Marcelo Duarte, e Açúcar amargo, de Luiz Puntel.

A editora prevê, para este ano e o próximo, relançamentos de outros títulos. Quem procurar O escaravelho (que está em sua 28; edição) nas livrarias de Belo Horizonte por esses dias, não vai encontrá-lo. Por causa do lançamento do filme, o volume ganhou nova capa, que faz menção à chegada da história aos cinemas. Nova tiragem deve chegar às livrarias até o fim deste mês.

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