Diversão e Arte

Longa mostra o olhar de um grupo de jornalistas homossexuais

Documentário, a ser exibido no festival É tudo verdade, reconstitui a história do jornal alternativo que discutiu a temática gay em pleno regime militar

Saúde Plena
postado em 02/05/2016 09:17

Documentário, a ser exibido no festival É tudo verdade, reconstitui a história do jornal alternativo que discutiu a temática gay em pleno regime militar

No final dos anos 1970, passado o momento dos movimentos guerrilheiros da luta armada, era comum que no Brasil as pessoas do povo dissessem tranquilamente, em entrevistas colhidas na rua, ao acaso, que não se importavam com a matança de homossexuais e travestis. Declarações assim, captadas por cineastas independentes, estão na abertura impactante de Lampião da esquina, documentário de Lívia Perez que integra o Festival É tudo Verdade e poderá ser visto em Brasília em 6 e 8 de maio (ver programação).
[SAIBAMAIS]
O longa-metragem traz a público o olhar de um grupo de jornalistas homossexuais, reunidos no antológico jornal alternativo Lampião da Esquina, sobre aquele período da ditadura no Brasil, quando a discriminação não era uma das preocupações dos chamados grupos políticos de esquerda. ;Se a direita nos oprimia de maneira extrema, as ditaduras do bloco comunista não eram uma solução;, resume o escritor Glauco Mattoso. O antropólogo inglês Peter Fry acrescenta: ;Todos nós compartilhávamos com as mulheres e com os negros a crítica à esquerda da época de que tudo se resolveria com a luta de classes;.

Co-dirigido por Noel Carvalho, Lampião é um delicioso passeio por aquele período tantas vezes revisitado pelo cinema nacional.

Dissidência


Racismo, aborto, drogas e prostituição: tudo interessava ao jornal Lampião, que estreou em abril de 1978 e durou por mais 37 polêmicas edições, até 1981. Se para muitos a referência de imprensa alternativa da época era O Pasquim, o filme mostra outros aspectos menos conhecidos do jornal produzido pela turma de Jaguar e Millôr Fernandes. ;Quando o Lampião começou, muita gente achou que era uma dissidência gay do Pasquim, mas O Pasquim era machista, fazia piadas de homossexuais; era a favor do álcool e contra a maconha;, enumera o jornalista João Carlos Rodrigues, autor da biografia sobre João do Rio e um dos maiores experts em cinema do Brasil.

A ideia de resgatar a história do jornal surgiu há cinco anos, quando Lívia Perez ainda estava concluindo seu curso de Comunicação na Unicamp. ;O Noel Carvalho havia me falado do jornal. Quando eu já estava com uma produtora, me inscrevi num edital manifestações de cultura LGBT, o Proac, que resultou num prêmio pequeno de R$ 20 mil.

O custo de se reproduzir material audiovisual da época produzido por veículos como a Rede Globo ficaria por R$ 5 a 6 mil por minuto. Assim, o maior desafio foi encontrar fontes de imagem de arquivos alternativos. ;Usamos muitas imagens de cineastas independentes, como a Rita Moreira; do Acervo Digital de Cultura Negra (Cultne); do diretor Luiz Carlos Lacerda; do filme Deu pra ti anos 70, do Giba; e do acervo do José Joffily. Acabamos conhecendo e juntando coisas que não foram registradas na grande imprensa e nos veículos tradicionais;, conta a diretora.

Essas imagens ajudaram a compor um mosaico multicolorido na temática e na forma, com grafismos preciosos e outros recursos de computação gráfica, costurados com os depoimentos impagáveis de quem viveu a época, como Aguinaldo Silva, João Silvério Trevisan, Edy Star, Ney Matogrosso, Celso Curi, Leci Brandão, Antonio Carlos Moreira, Alceste Pinheiro e Winston Leyland (criador do pioneiro jornal Gay Sunshine, de San Francisco), além dos já citados. A trilha sonora, fruto da pesquisa do músico Paulo Azeviche, é um capítulo à parte. Resumo da ópera: Lampião da Esquina é imperdível.

; Curiosidades

; No documentário, o cantor Edy Star, 78 anos, dá depoimentos muito reveladores e muito engraçados sobre como era o ambiente no Rio de Janeiro da época. ;Você tinha vinte, trinta travestis muito bem produzidas em cena, eram espetáculos de teatro com muito glamour. Não era essa caretice de hoje em dia! Mas a polícia marcava em cima: Lennie Dale ficou preso um ano por causa de um baseado. Foi um absurdo;, relembra.

; Ney Matogrosso também aparece diversas vezes no longa e relembra que era, muitas vezes, maldosamente colocado como ;travesti; pela imprensa mais conservadora da época.

; O jornal tinha uma sede alugada no bairro boêmio da Lapa, no Rio de Janeiro, onde eram feitas reuniões semanais. Em São Paulo, quem comandava era o João Silvério Trevisan e o artista plástico Darcy Penteado. A tiragem chegava a 25 mil exemplares distribuídos do Oiapoque ao Chuí.

; As festas anuais do jornal eram concorridíssimas e contavam com participações espontâneas dos principais nomes das artes no Brasil, de Gal Costa a Elza Soares, passando por Martinho da Vila, Emilinha Borba, Fagner e outros tantos. O cartaz não tinha espaço para fotos tantos eram os nomes.

Atrevimento na era Geisel

Mais do que uma aventura tresloucada de um grupo de jornalistas gays que queriam falar de temas sem visibilidade na mídia tradicional numa linguagem direta e não conservadora, o Lampião foi um empreendimento bem-sucedido de imprensa. Produzir o periódico sem recursos; encarar a ferrenha perseguição do ministro da Justiça do governo do general Ernesto Geisel, Armando Falcão; bancar a publicação de fotos de nu frontal (entre elas, a de Ney Matogrosso); ir para o centro do Rio de Janeiro na madrugada convencer os jornaleiros a distribuir o jornal não foi tarefa nada fácil.

Principal responsável pela condução editorial, o escritor Aguinaldo Silva ainda atuava como repórter setorista de polícia, bem antes de se tornar o novelista de fama internacional que se tornou. ;O Lampião foi um jornal de vanguarda, um ato de resistência e coragem. Fomos processados duas vezes, enquadrados no artigo 17 da antiga Lei de Imprensa. Os colaboradores eram verdadeiros ativistas da causa do jornal. É uma página da história: você lê os exemplares hoje e pensa: ;Como ele tiveram coragem?;, conta em entrevista por telefone, de Portugal, onde está escrevendo sua próxima novela na Rede Globo.

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Lampião da Esquina ; Festival É Tudo Verdade 2016
Direção: Lívia Perez (co-direção: Noel Carvalho) Data: 6 de maio (16h30) e 8 de maio (18h30).
Censura: 18 anos. Programação completa: http: // etudoverdade.
com.br/br/programação




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