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Das marchinhas ao axé, confira a playlist clássica do carnaval

Ao longo dos anos, alguns hits acabaram fazendo parte da tradição do carnaval brasileiro

Nahima Maciel , Alice Corrêa*
postado em 04/02/2018 07:30
Ao longo dos anos, alguns hits acabaram fazendo parte da tradição do carnaval brasileiro
Desde a importação da festa veneziana até seu abrasileiramento com as escolas de samba, cordões e bloquinhos de rua que conhecemos hoje, muitos elementos acompanharam a evolução do carnaval brasileiro. Um deles é a música. As marchinhas de carnaval, os sambas-enredos, axés e frevos revelam muito sobre a identidade do carnaval brasileiro, exportado mundo afora como a maior festa do país. Tudo começou com o pioneirismo de Chiquinha Gonzaga e sua Ô abre alas, hit das festas de carnaval do século 19 que até hoje continua no repertório das manifestações de rua e bailinhos.
As marchinhas sempre tiveram um conteúdo meio burlesco e refletiam o contexto social e político no qual foram criadas, mas estão na mira desde o carnaval de 2017. Muitas delas foram consideradas racistas e machistas e acabaram excluídas dos repertórios. As marchinhas foram o início de tudo, mas o perfil da música de carnaval sempre variou de acordo com as regiões e o momento cultural brasileiro. Nos anos 1930, um samba de Noel Rosa ocupou o posto de hit. A marcha Vassourinhas foi composta em 1909, mas nunca deixou de ser símbolo do carnaval de Pernambuco e da Bahia. Caetano Veloso estava preso quando Atrás do trio elétrico se tornou a música do carnaval de 1969. Mais tarde, Chuva, suor e cerveja, também de Caetano, ocuparia o primeiro lugar no carnaval de 1972, depois de ser gravado por Gal Costa.

No início da década de 1990, todo mundo dançou ao som de O canto da cidade, de Daniela Mercury, confirmando que aquela seria a era do axé. Em 2002, foi a vez de Ivete Sangalo incendiar o carnaval com a A festa. Quase duas décadas antes, em 1985, Luiz Caldas inaugurou o axé no carnaval baiano com Fricote, hoje considerada extremamente preconceituosa.

Clássicos do carnaval


Todos esses ritmos ajudam a construir a identidade do carnaval brasileiro e, passa ano entra ano, não morrem. ;Os blocos tradicionais ainda buscam trabalhar a marchinha, o frevo e aí por diante;, diz Jorge Simas, presidente da Liga dos blocos, que defende o espaço dos blocos como um lugar de preservação da tradição musical do carnaval.

Antes dos anos 1980, existia a música de meio de ano, as mais lentas, e as de fim de ano, mais animadas e sempre voltadas para o carnaval. Segundo Alexi Alves, pesquisador de história da música popular na Universidade de Brasília (UnB), as músicas carnavalescas eram lançadas por volta de dezembro. ;Em 1985, o axé music surgiu como uma música festiva e, a partir de 1990 com Daniela Mercury, Margareth Menezes e outros nomes que traziam o ritmo, o carnaval baiano se tornou uma grande festividade nacional;, explica Alves.

Para Marilda Santanna, autora de As donas do canto: o sucesso das estrelas-intérpretes no carnaval de Salvador, o samba reggae, o pagode baiano e o axé music extrapolam a sazonalidade carnavalesca e explodem em todos os lugares e épocas. ;O carnaval baiano é um dos elementos que exportou nossa cultura para o Brasil e para o mundo;, revela.

O carnaval nordestino é associado ao axé music ou ao frevo pernambucano porque foram movimentos fortes que deram certo e, de certa maneira, consagraram o cenário, mas as sonoridades passeiam por muitos instrumentos e batuques. O Diversão conversou com pesquisadores e compositores para que elencassem músicas que carregam essa identidade ao longo de mais de um século de carnaval. Veja o resultado.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

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História (MUSICAL) da folia

Ô abre alas, de Chiquinha Gonzaga
Composta por Chiquinha Gonzaga em 1899, a marchinha é o primeiro registro de uma canção de carnaval no Brasil. Os bailes carnavalescos da época eram animados por músicas europeias e, nas ruas, se ouvia muita percussão. Chiquinha Gonzaga introduz a canção no carnaval brasileiro. ;Ô abre alas nunca teve uma partitura impressa ou gravação fonográfica. Ela atravessou o tempo na memória do povo e continua sendo a marchinha de carnaval mais importante e simbólica da história;, declara Edinha Diniz, autora da biografia Chiquinha Gonzaga: uma história de vida.



Com que roupa?, de Noel Rosa
Segundo o pesquisador Alexi Alves, o carnaval foi o primeiro momento de legitimação do sucesso de cantores no país. Com o início da indústria fonográfica brasileira no século 20, o controle de audiência de uma música para lançamento de discos por gravadoras era o carnaval. Em 1930, a música Com que roupa?, de Noel Rosa, estourou nas rádios e marcou um novo ciclo da folia com o carnaval radiofônico. Eram os primeiros indícios de que a festa seria, dali em diante, pautada pelos meios de comunicação.



Eu agora sou feliz, de Jamelão e Mestre Gato
Para o músico e compositor Nei Lopes, a antiga cultura das marchinhas de carnaval não existe mais. ;A música de carnaval já teve importância na construção da identidade carnavalesca porque ela era divulgada meses antes da festa, em escala nacional. Hoje, ela se restringe aos três dias, e só. Essa identidade foi pro brejo. Tanto que até no Sambódromo carioca, a programação dos camarotes vai, na contramão do samba, só com os ;sucessos; impostos pela indústria;, desabafa. Nei Lopes fez questão de resgatar os antigos sambas cariocas tradicionais no carnaval. A música Eu agora sou feliz, de Jamelão e Mestre Gato, foi lançada em 1963 e se eternizou fora dos circuitos carnavalescos. O cantor Luiz Melodia gravou a marchinha com novos arranjos e se tornou um clássico da música popular brasileira.



O canto da cidade, de Daniela Mercury e Tote Gira
A festa, de Ivete Sangalo e Anderson Cunha
Já na região nordeste, a festividade possui particularidades. ;O carnaval permitiu a afinidade musical entre o frevo baiano e o de pernambuco desde que trouxeram o frevo Vassourinha para a Bahia e foi o pontapé para adotarmos essa cultura;, acredita Marilda Santanna, autora de As donas do canto. Hoje, o Nordeste exporta a cultura carnavalesca o ano inteiro para todo o país. ;Músicas como as de Daniela Mercury e Ivete Sangalo transformaram uma festa que era sazonal em permanente;, revela Marilda. ;O canto da cidade não pode ficar de fora. Foi um grande marco para o nosso carnaval.;



Faraó, de Luciano Gomes
A música Faraó, quando gravada por Margareth Menezes em 1987, explodiu em muitos lugares e é um grande exemplo da exportação do carnaval baiano para o Brasil. Na época, Margareth Menezes se projetou nacionalmente como uma grande cantora e a música entrou para sempre no repertório dos carnavais país afora.



Vassourinhas, de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos
O frevo pernambucano é uma das maiores referências de carnaval. A música sem letra remete à folia em qualquer lugar do país e do exterior. Foi composta por Matias da Rocha e Joana Batista e se tornou um hino atemporal do carnaval pernambucano, nordestino e brasileiro, como destaca Marilda Santanna ao eleger a canção como um dos marcos da folia nacional. Teria sido composta para ser a marcha do Clube Vassourinhas, agremiação carnavalesca do Recife fundada em 1889.

Atrás do trio elétrico, de Caetano Veloso
Caetano Veloso estava preso no Rio quando a música estourou no carnaval de 1970. Ele e Gilberto Gil foram levados pelos militares e acusados de subversivos depois de um episódio com a bandeira brasileira durante um show. Caetano e Gil foram soltos na quarta-feira de cinzas, logo após o carnaval, em fevereiro. Atrás do trio elétrico é uma das primeiras músicas a mencionar o trio elétrico, que, mais tarde, se tornaria o símbolo do carnaval de Salvador. ;Além de ser uma obra-prima, essa música é Caetano com todos os sentidos abrangentes e coloca historicamente a importância do trio elétrico, que já apontava para o som elétrico da Bahia;, lembra Jorge Mautner, que considera a canção uma das mais importantes da história do carnaval no Brasil.

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