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Lima Trindade passeia entre sonho e realidade em As margens do paraíso

Escritor brasiliense Lima Trindade lança ficção que mergulha na história brasileira em uma narrativa sobre jovens que querem transformar o mundo na Brasília da década de 1950

Severino Francisco
postado em 13/04/2019 07:30
Lima Trindade
O paraíso, para o escritor Lima Trindade, pode ser tanto o lugar da queda, da perda da ingenuidade e pureza, quanto o da perfeição, uma promessa anunciada, uma utopia. Em As margens do paraíso (Cepe Editora), ele explora essas duas vertentes em uma narrativa ambientada na construção épica de Brasília e protagonizada por três jovens impregnados da utopia de conceber um mundo melhor: Leda, Rubem e Zaqueu.

Embora a saga da capital seja povoada de personagens extraordinários, Lima preferiu concentrar o foco em pessoas comuns e anônimas, que se situam à margem do paraíso. Ele entende que, apesar das experimentações de João Almino, Brasília ainda é um território a ser explorado pela ficção de maneira mais ampla. Irrita-se com os estereótipos e definições rasas sobre a nova capital. Para ele, Brasília é uma metáfora do Brasil.

Atualmente, Lima mora em Salvador, onde fez mestrado em literatura. Mas nasceu em Brasília,no ano de 1966, cresceu durante o regime militar e bebeu na fonte do rock da década de 1980 liderado por Renato Russo. Filho de pai carioca e mãe baiana, reivindica a vivência das três capitais brasileiras e a leva para a ficção. Ele autografa o livro, no próximo dia 15, no Sebinho (406 Comercial Norte).

Considera As margens do paraíso uma tentativa de compreender a experiência de cidadão brasiliano e, por extensão, o Brasil. E, nesta entrevista, ele fala sobre a formação brasiliense, a contraposição entre sonho e repressão, a cidade como território da utopia e da distopia, a necessidade de Brasília ver os próprios defeitos e as qualidades com coragem.

Qual é a ideia de um romance nos tempos iniciais de Brasília? Em primeiro lugar, sou brasiliense. No que essa condição influi no romance?
O meu pai é carioca e minha mãe é baiana. Saí de Brasília em 2002, mesmo tendo vivências das outras capitais federais, Rio de Janeiro e Bahia, como herança da família, uma coisa que sempre me instigou foi pensar Brasília como referência metafórica do país. As pessoas falam de Brasília de uma maneira meio esquizofrênica, como se ela fosse uma representação do poder e não existisse uma cidade de fato dos brasilienses. Então, cresci na década de 1980 com o rock Brasília, que trouxe um sentimento muito forte de autoestima de ser brasiliense. Sempre gostei demais de analisar a cidade, a representação da cidade e como é vista pelo restante do país.

E como vê a produção literária de ficção sobre Brasília?
Essa produção literária era feita, em grande parte, por pessoas que vinham de fora e não abordavam a cidade de uma maneira relevante. E por isso me senti provocado a fazer uma pesquisa e propor um processo criativo para trazer isso de volta. Mas tudo afinado com o meu coração.

O que o interessou no período inaugural utópico da nova capital?
Os meus dois outros livros foram de contos e mais uma novela, intitulada Supermercado da solidão. Mas, particularmente, neste romance que retrata um período anterior à inauguração de Brasília. O que me interessa é essa metáfora de uma cidade sonhada pelo Brasil. O título indica que a margem é o que limita e dá contorno de realidade. O contorno é o que antecede, por isso, entra a Cidade Livre, que se transformou no Núcleo Bandeirante. Eu queria pensar o que foi comprar esse sonho de uma cidade e de um país mais justos.

Qual a visão que tem deste momento utópico?
Era algo próximo do faroeste caboclo, de que fala Renato Russo, só que em um momento posterior. Eu diria que se trata de uma visão épica. O Brasil vivia um grande otimismo, na cultura, na educação, na arquitetura, na ciência, na política e nos esportes. Os jovens estavam confiantes no poder de transformação da sociedade. Isso tudo precedeu o golpe militar, então, a juventude se movia tanto diante de um polo repressor e de outro libertário.

Que perfil quis imprimir aos personagens do romance?
Existem grandes figuras na história da construção de Brasília, mas eu quis contar a história do ponto de vista dos anônimos, dos candangos. João Almino trabalha nesta linha. Então, uso o ponto de vista das margens. São três jovens com origens distantes, uma mulher de Juazeiro, um jovem de Anápolis, e um jovem carioca, que estava perdendo o status de capital. São três sonhadores que vão realizar alguma coisa do ponto de vista coletivo.

O que projetou com esses personagens?
Eu queria personagens que fossem jovens e buscassem a cidade como um lugar de realização de uma outra história, mais feliz e mais bonita. E pensar nas consequências dos migrantes candangos em confrontar o que se deseja e se realiza. Depois da ditadura militar, logo Brasília foi estigmatizada. O potencial que ela tinha foi sabotado. Tudo é revisto como se fosse uma grande corrupção. Existiu a tentativa de queimar o JK. Não cheguei a JK. Mas eu queria pensar a idealização.

O que ajuda a compreender esse período do romance?
Nasci em 1966, quis examinar esse período da história do ponto de vista emocional e subjetivo, não muito visitado na literatura. Quis tentar entender esse sentimento. Temos produção grande sobre a ditadura de Getúlio Vargas, mas o final da década de 1950 não é muito retratado pela literatura. E tendo uma história pessoal, queria me compreender e compreender o país. Com todos os preconceitos, Brasília sintetiza o país. Temos João Almino, Nicolas Behr, Legião Urbana, que nem sempre as pessoas tomam conhecimento.

Como se interessou pela literatura? O que foi importante em sua formação de leitor e escritor?
Eu comecei lendo histórias em quadrinhos. Lia tudo o que chegava, não tinha muita grana para comprar livro, morava no Guará durante o período da ditadura militar. Só na adolescência passei a ter mais acesso à literatura. O rock brasiliense foi muito importante em apontar referências. Renato Russo citava Rimbaud, Bauhaus, compositores, a gente tinha orgulho de entender o mundo. O rock foi um agente de interesse por isso. Então, fui muito influenciado pela cultura pop.

A cultura pop chega a marcar a sua literatura?
Há um livro de contos no qual trago muito essas referências. Uma coisa não exclui a outra. A gente pode pensar que Oscar Wilde e Rimbaud também são pops.

Como percebe o olhar do restante do Brasil para Brasília?
Brasília, para mim, é uma metáfora do que é o país. É um país que não quer se enxergar, não quer se ver de uma maneira crítica. Em geral, olham o Brasil ou Brasília de uma maneira muito rasa. Escolhi essa data para o lançamento justamente por ser a semana do aniversário da cidade.

Como reverter essa situação?
Falta autoestima, olhar para a sua história com coragem, assumir os defeitos e fragilidades. Mas enxergar com alegria e orgulho para construir. Há uma vocação na cidade para o respeito e para a civilidade. O baiano ama a história dele. O carioca, o mineiro e o gaúcho. Protegem e incentivam a produção local. Em Brasília, poderíamos compreender que os primeiros que chegaram aqui tinham saudades. Mas, hoje, não cabe mais isso, é preciso valorizar o que a cidade tem de bom.

;O rock brasiliense foi muito importante em apontar referências. Renato Russo citava Rimbaud, Bauhaus, a gente tinha orgulho de entender o mundo;

As margens do paraíso
De Lima Trindade. Editora Cepe/269 páginas. Lançamento: dia 15, às 18h30, no Sebinho (406 Comercial Norte)

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