Economia

Devedores de impostos estão na mira do governo

postado em 12/04/2010 08:51
Com a dívida ativa beirando a casa do R$ 1 trilhão, o governo resolveu partir para cima dos sonegadores. Mudanças radicais na legislação e a adoção de medidas que darão mais eficiência aos processos de cobrança estão condensadas em um pacote tributário enviado à Câmara dos Deputados e já em discussão pelos parlamentares. O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, principal arquiteto das propostas, diz que a intenção é acabar com a cultura de não pagamento de impostos no país.

O debate é polêmico, reconhece Adams. A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), entidades de classe e empresários questionam duramente a legitimidade das alterações e acusam o Estado de querer se transformar em um monstrengo ávido por cobrar empresas e cidadãos. "É um chavão falar em Estado policialesco. Não existe nada disso", rebate Adams, que foi procurador-geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Ao Correio, o advogado da União explica que mudar o modelo de execução fiscal é uma necessidade e mais do que isso: receber impostos atrasados pode até mesmo reduzir a carga tributária e fazer com que países desenvolvidos olhem para o Brasil de outra forma, como uma nação que não fecha os olhos para quem, apostando na morosidade da Justiça, deixa de pagar o que deve.

"O modelo que existe hoje permite que o empresário administre sua carga tributária empurrando parte dela para o país mediante ações judiciais. A lei lida com essa dinâmica, torna mais difícil um planejamento tributário baseado no ;empurrar com a barriga;", reforça Adams.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Há uma cultura de não pagamento de tributos?

Sim. Claramente. Fortalecida pela demora judicial. Muitos trabalham com a ideia de que dívida velha não se paga e dívida nova deixa-se envelhecer. É uma lógica do sistema de judicialização. Tudo no Brasil é judicializado, e, por isso, o Judiciário vive abarrotado.

O Estado vai assumir uma postura policialesca?
É um chavão. Não existe nada disso. Se isso é Estado policialesco nós somos a única democracia do mundo. Nos Estados Unidos é assim, na Espanha é assim. Na Espanha, por exemplo, se você não paga um tributo que é devido e vai para a cobrança, os espanhóis vão na sua conta corrente em 45 dias e tiram o dinheiro de lá. Evidentemente, você tem direito a reclamar e, se não tiver dinheiro, eles vão no patrimônio. Mas, antes disso, eles verificam se há créditos a receber.

E aqui no Brasil como funcionaria?

Estamos discutindo. A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) já faz penhora de precatórios e outros recebíveis. Estamos analisando a possibilidade de evoluir, como a possibilidade de apropriar créditos constituídos em face do Estado. Apropriar créditos para o pagamento de tributos na fase executiva. Antes de ir em qualquer ativo que o contribuinte possa ter, como conta-corrente ou imóvel, vou verificar se há precatório em face da União.

O que esperar das propostas encaminhadas ao Congresso Nacional?

O primeiro resultado é a redução do número de ações na Justiça. Como as execuções só vão tramitar na medida em que haja bens garantindo, aptos a satisfazer o crédito, aquelas execuções fiscais que não têm bens identificados voltam para a Procuradoria. Existem no Brasil quase 30 milhões de execuções fiscais. O segundo ponto relevante é que será estabelecida uma nova relação entre o contribuinte e o Fisco. O contribuinte, tendo a percepção de que a Fazenda tem mais capacidade de ação, tomará mais iniciativas para estar regular. Hoje, existe uma situação de conveniência.

Por que a dívida ativa é tão alta?

Ela está atrelada à Selic (taxa básica de juros) e houve períodos em que os juros estavam altíssimos. O custo financeiro para o Estado era muito grande. Os encargos sobre a dívida por não pagamento são caros também. A dívida ativa da União está hoje em R$ 850 bilhões. Mais ou menos 20 mil grandes devedores devem 80% dela e outros 2 milhões devem o restante.

Isso tem reflexo no custo Brasil?

Claro. A ineficiência do modelo de cobrança efetiva gera um modelo compensatório, que responde a essa ineficiência. Ou seja: eu crio regras de indução de comportamento, restrições que obrigam tal comportamento. Você, que é uma empresa, não pode operar se não estiver regular. Para fechar uma firma, você precisa estar regular. O mesmo vale para entrar no processo de recuperação. Aí se explica porque as multas são altas.

Como romper esse ciclo perverso?

Muitas vezes, as empresas regulares entram num processo de declínio por um motivo qualquer e a dinâmica do custo tributário encarece de tal maneira que se torna impossível para essa empresa retornar para a regularidade. Vira uma bola de neve.

O Estado quer tirar mais do contribuinte? A carga tributária vai aumentar?

Não. Nem uma coisa nem outra. Estamos falando de pagar o que é devido. Agora, a reclamação já trai a intenção. O modelo que existe hoje permite que o empresário administre sua carga tributária empurrando parte dela para o país mediante ações judiciais. A lei lida com essa dinâmica, ela enfrenta essa dinâmica. A lei torna mais difícil um planejamento tributário baseado no "empurrar com a barriga".

O brasileiro resistente a pagar impostos?
Não acho. A resistência é igual em todo o mundo. O problema é que, no Brasil, há uma tolerância maior em não pagar impostos. Essa tolerância se justifica em um discurso macro de "aumento de carga tributária", "ranço fazendário", "ganância fazendária", "despesa mal alocada". Existe todo um discurso em cima disso. Nos países desenvolvidos, a tolerância é muito menor. É crime não pagar tributo. Em muitos países, o processo de cobrança é totalmente administrativo. Em alguns lugares, o Fisco é polícia tributária. O tributo é visto como uma necessidade que tem de ser atendida por todos.

Qual é o sistema ideal?

Existe uma sinergia negativa nesse processo que acaba colaborando negativamente. O Estado também tem corresponsabilidade pela situação atual. É um pacto de faz de conta. Um exemplo: em 2002, saiu um enunciado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) entendendo que a venda de férias não era tributada. Está pacificado, mas apenas em 2008 o Fisco começou a lidar com isso. O que acontecia? O Fisco orientava o pagador para que não excluísse da conta, recomendava fazer a incidência. E aí ficava aquela coisa sem sentido. O contribuinte reclama com razão, mas a reclamação, do ponto de vista cultural, está incorporada. É uma sinergia. Tem de ter um Fisco forte, mas tem de ter modelos que responsabilize mais o Estado por ações indevidas.

Há uma polêmica sobre se cobranças administrativas são inconstitucionais. Qual sua opinião?
Pagamento de Imposto de Renda direto no seu salário é o quê? Alguém assina uma autorização para que isso seja feito? Você vai lá e paga. Está na fonte. Isso é pagamento administrativo e todo mundo aceita. Onde está a inconstitucionalidade? E as consignações que as próprias empresas fazem nos salários dos trabalhadores? O que são?

Se a dívida ativa cair, a carga tributária cai junto?
Acho que tem como cair. Esse ingresso em curso acaba sendo viabilizador da situação que está aí. O que define a carga não é fundamentalmente a carga em si, mas a necessidade de despesa do Estado. É uma relação compensatória. Por que a carga cresceu nos últimos anos? Porque o Estado assumiu a dívida de quase todos os estados, a União assumiu dívidas de bancos, comprou dívidas, cresceu a demanda de despesas. O Estado é demandado a financiar por meio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) com juros abaixo da Selic. Há ainda os fundos constitucionais. Tudo isso.

Quem quer sair da lista de devedores faz o quê?
Ou paga ou parcela. Não tem segredo.

O fato de o senhor ter vindo do Ministério da Fazenda ajuda ou atrapalha a discussão?

Não sei se isso é um argumento. Conheço a questão tecnicamente e vivenciei isso no ministério.

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