Economia

O PAC dos emergentes

Cúpula dos Brics rende mega-acordo entre Brasil e China em 11 áreas prioritárias aos dois países. Sob protestos e forte esquema de segurança, chefes de Estado e governo acertaram a ampliação do intercâmbio comercial

postado em 16/04/2010 07:00
Em uma só voz, chefes de Estado e de governo dos países que compõem os Brics ; Brasil, Rússia, Índia e China ; concordaram em ampliar o intercâmbio comercial, econômico e político entre si como forma de conquistar mais espaços no cenário externo. Ontem, durante o encontro de cúpula que reuniu em Brasília ; tomada por tanques de guerra do Exército ; as principais lideranças dessas nações, o grupo se comprometeu, por meio de um comunicado conjunto, incrementar as relações em várias áreas, ainda que as divergências se mantenham latentes.

Os bancos de desenvolvimento dos quatro países vão atuar em linha com vistas a, no futuro, aumentar a capacidade de financiamento a projetos considerados fundamentais para o crescimento de cada integrante dos Brics. Os termos desses tratados de cooperação foram assinados no Palácio do Itamaraty entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, o presidente da China, Hu Jintao, e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan

Singh. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, disse que, em poucos meses, será possível ter operações conjuntas.

Com a China, o Brasil assinou um mega-acordo de intenções que abrange 11 áreas consideradas prioritárias para os dois países. O Plano de Ação Conjunta, apelidado de PAC Brasil-China, reafirma estratégias mútuas na diversificação e na promoção comercial, traz promessas de novos investimentos e elege como setores-alvo infraestrutura, energia, mineração, agricultura, bioenergia, indústria, petróleo e gás. As parcerias e os termos de cooperação vão de 2010 a 2014.

Obrigação
O presidente Lula celebrou a união com os chineses pontuando temas que, para o Brasil, são cruciais, como o aumento do valor agregado das exportações para o país asiático e um maior intercâmbio nos projetos de ciência e tecnologia. ;Temos condições, e mesmo a obrigação, de lutar por outra ordem internacional. Estamos unindo esforços em defesa de uma governança global que dê a todos os povos e nações a mesma esperança de um futuro de paz, prosperidade e entendimento;, afirmou.

Em seu discurso, Hu Jintao ressaltou o papel dos emergentes e propôs o fortalecimento das relações com o Brasil como forma de consolidar os Brics. Hu enumerou os interesses de seu país: agricultura, infraestrutura, minas e energia. Embora não tenha se comprometido explicitamente, o líder chinês chamou a atenção para a importância de ampliar a cooperação financeira entre os países, elogiou o debate global em torno das propostas de reforma das instituições multilaterais e destacou a necessidade de o mundo tratar a questão ambiental sem falsas promessas.

Obsessão
No campo, a aliança entre chineses e brasileiros é a que tende a prosperar mais rápido. A obsessão do país asiático por garantir comida à sua população motivou a assinatura de um acordo inédito com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o que poderá abrir portas à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias rurais de última geração. ;Temos tecnologias que interessam a eles e que podem fazer parte do intercâmbio;, disse o chefe da secretaria de relações internacionais da Embrapa, Francisco Basílio Souza.

O contra-ataque à ;invasão; brasileira virá pelo Rio de Janeiro. Dentro de três ou quatro anos uma siderúrgica de grande porte com capital 70% chinês e 30% brasileiro será construída no estado. O investimento total gira em torno de US$ 5 bilhões, segundo o empresário Eike Batista, sócio do empreendimento. A meta é produzir 5 milhões de toneladas de aço, exportar parte das placas e atrair empresas chinesas ao Brasil. ;Nosso país não é uma grande fazenda. Por que temos de exportar só matéria-prima bruta?;, disse.

As parcerias firmadas entre Brasil e China não se repetiram nos acordos discutidos com a Índia. Durante o encontro reservado com o primeiro-ministro da Índia Manmohan Singh, o presidente Lula mostrou disposição em ampliar o comércio bilateral entre os dois países. Os indianos demonstraram querer avançar em projetos de energia, agricultura, mineração, produtos farmacêuticos, infraestrutura e construção. A estratégia de atrair e para se deixar atrair esteve presente também nas investidas sobre a Rússia e África do Sul, que émembro do Ibas ; grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul ; e também enviou representantes a Brasília. Os resultados, porém, ficaram distantes dos obtidos com a China. (Colaboraram Viviane Vaz e Flávia Foreque)

; Palavra de especialista
Somando esforços


;O Bric e o Ibas são fóruns que permitem a articulação de interesses comuns dos países que compõem essas siglas. Jamais essas nações atuarão como blocos, mas o fato de terem sido criadas aponta para uma realidade de fundo. Há uma relevância maior na ordem internacional. Dependendo das circunstâncias, os ricos veem com bons olhos essas alianças. Mas as divergências são maiores do que as convergências. Isso, no entanto, não impede que, pontualmente, os países que formam esses grupos somem esforços para produzir resultados mais importantes. Onde há espaço para uma grande cooperação é na área tecnológica. Essas fronteiras estão ainda por se desbravar.;

Antônio Jorge Ramalho, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB)


Desafio brasileiro

Criador em 2001 do termo Bric para classificar o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China, o economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O;Neill, disse ontem em videoconferência realizada pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), que o maior desafio do Brasil na recomposição de forças globais pós-crise é aumentar sua presença e importância no comércio internacional sem se descuidar do controle da inflação.

O;Neill disse que o real está mais fraco que o rublo russo e apontou como causa a acanhada participação do Brasil na economia internacional. O analista defendeu que os Bric adotem moedas locais nas trocas de mercadorias entre si. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, afirmou que a ideia de adotar uma moeda comum é algo ;distante;. A proposta que está em discussão dispensa a utilização de uma terceira moeda com a abertura de créditos recíprocos entre os países que participam do bloco. (LP e FF)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação