Economia

As veias expostas do conflito de interesse

Empresas privadas reclamam da volta de funcionários que estavam na Anatel para a Telebrás, mas são comandadas por ex-dirigentes de órgãos reguladores

postado em 17/05/2010 07:00

A reativação da Telebrás acendeu o barril de pólvora de uma questão bastante polêmica, que estava adormecida há tempos no país: o conflito de interesses e o uso de informações privilegiadas por funcionários oriundos de agências reguladoras que passam a ocupar, em prazo relâmpago, importantes cargos de direção de empresas antes ;vigiadas; pelos órgãos em que trabalhavam. O estopim para o ressurgimento dessa discussão foi detonado pela Abrafix, associação que representa as operadoras de telefonia fixa.

Em carta encaminhada à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Abrafix questionou o retorno à Telebrás de 179 funcionários que estavam cedidos ao órgão desde a privatização do sistema de telefonia, há 12 anos. Para a entidade, não é justo que pessoas conhecedoras de dados estratégicos do mercado voltem para uma empresa que será forte concorrente no setor. Dentro do governo, diz-se que as empresas privadas provarão do próprio veneno, pois não tiveram o menor pudor em recrutar ex-dirigentes da Anatel para seus quadros, muitos para funções decisivas.

Basta fazer uma busca por executivos de companhias privadas para constatar que vários deles passaram por agências reguladoras. O caso mais recente foi de Jerson Kelman, que, depois da quarentena (de quatro meses) prevista em lei, assumiu a presidência da Light, empresa fiscalizada quando ele era o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por consecutivos apagões no Rio de Janeiro. No segmento de aviação, o caso mais emblemático é o de Milton Zuanazzi, que deixou a presidência da Anac em meio a um enorme tiroteio contra a agência, foi para uma diretoria da empresa de turismo CVC, mas acabou demitido por pressão de parentes das vítimas do acidente do voo 3054 da Gol.

Consultoria
É no setor de telecomunicações, porém, que a dança das cadeiras é mais comum. Diante das críticas de reincorporação dos funcionários da Telebrás que estão na Anatel, Rogério Santanna, presidente da estatal, lembrou o caso de Fernando Xavier, que era presidente da Telebrás até o momento da privatização do sistema de telefonia e, logo depois, tornou-se comandante da Telefonica. Outro caso destacado por Santanna foi o do atual presidente da Telefonica, Antonio Carlos Valente, ex-conselheiro da Anatel. ;Estou estranhando que, agora, quando se trata de técnicos retornam à empresa de origem, surja a acusação de conflito de interesse;, provocou.

Quando não vão direto ao ;colo; das empresas privadas, muitos ex-dirigentes de agências reguladoras passam a integrar associações que defendem os interesses das companhias. Foi o que aconteceu com Paulo Pedrosa, ex-diretor da Aneel, que preside a Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel). Também é muito comum que ex-diretores e conselheiros de órgão reguladores criem consultorias que prestam serviço às empresas antes fiscalizadas pelas agências em que trabalhavam. O ex-diretor-geral da Aneel José Mário Abdo e o ex-diretor Eduardo Ellery inauguraram a Abdo, Ellery & Associados. O ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), David Zylberstein, montou a DZ Negócios com Energia. O ex-presidente da Anatel Renato Guerreiro, por sua vez, é dono da Guerreiro Consult.

Professor Márcio Iorio Aranha, coordenador do Grupo de Estudos em Direito das Telecomunicações (Getel) da Universidade de Brasília (UnB)

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