Economia

Garimpo eletrônico

Empresas estrangeiras dominaram um mercado inusitado no país: a retirada de metais preciosos usados nos componentes de celulares e computadores. Os lixões brasileiros recebem 11 toneladas de ouro por ano

postado em 03/06/2010 07:00
O Brasil desperdiça, nos lixões e aterros do país, cerca de 11 toneladas de ouro por ano. Além disso, são perdidos mais 17 tipos de metais preciosos. Entre eles, a prata, o cobre e o zinco. Toda essa riqueza jaz, escondida, nas 500 mil toneladas de celulares, computadores e demais produtos eletrônicos descartados pelos brasileiros anualmente. Com tamanha fortuna inutilizada, os garimpos dos tempos modernos têm trocado a perfuração da rocha pelas montanhas de sucatas. Algumas empresas estrangeiras estão usando o lixo verde amarelo para abarrotar os cofres de dinheiro. Em todo o mundo, essa conta do desperdício chega a 1,1 milhão de quilos do metal dourado.

Empresas estrangeiras dominaram um mercado inusitado no país: a retirada de metais preciosos usados nos componentes de celulares e computadores. Os lixões brasileiros recebem 11 toneladas de ouro por anoEm terras brasileiras, a mineradora belga Umicore trabalha com a recuperação de eletrônicos. Todos os anos, ela recebe 250 mil toneladas de 200 matérias-primas diferentes contendo metais preciosos. Apenas em 2009, o faturamento mundial da empresa foi de 6,9 bilhões de euros, o equivalente a R$ 15,4 bilhões. Se esses garimpeiros modernos estão lucrando alto com a nova modalidade de exploração, quem guarda o material também ganha. Milhares de lojas de informática o vendem para os empresários a R$ 3 o quilo. O técnico Antônio Matos não sabia dessa possibilidade de renda até que um representante de uma multinacional o procurou.

;Antes, eu descartava tudo no lixo comum. Agora, guardo. A cada dois meses, eles passam recolhendo. Em um ano, consigo estocar duas toneladas de peças de computador;, relata Matos. Com a comercialização do que anteriormente era descartado, o técnico em informática aumentou seu faturamento anual em R$ 6 mil. ;Não deixo perder mais nenhuma peça. Uma vez, eu até tentei raspar as partes de ouro de algumas placas de computador, mas é muito fininho e não deu certo;, lembra.

A quantidade de ouro nos equipamentos é pequena e exige tecnologia de ponta para separar os metais preciosos do plástico e das resinas que formam os componentes eletrônicos. Ainda assim, é um negócio vantajoso. Uma tonelada de sucata tem 22,24 gramas de ouro, segundo estudos da Universidade de Tecnologia de Berlim. Já a maior mina do metal precioso no Brasil, localizada em Paracatu (MG), tem o teor de apenas 0,4 grama por tonelada de minério. Nos aparelhos telefônicos, essa quantidade é muito superior à encontrada no município mineiro: são 150 gramas para cada mil quilos de celulares.

Reciclagem
Os japoneses são os que mais fazem o reaproveitamento do material. Atualmente, cerca de 50% de todo o ouro do país oriental é reciclado. ;É quase um garimpo. A questão é que, além do ouro, você tira cobre e plástico. Ainda tem a resina, que não serve para nada e pode se transformar em um passivo ambiental. Para realizar essa reciclagem, tem de ser uma empresa de grande porte. Hoje, as multinacionais dominam esse mercado;, explica Francisco Laterza Neto, presidente da 3M Recuperação de Metais e da Associação dos Fabricantes de Ouro Certificado da América Latina (Amagold).

No Brasil, não existem cifras exatas sobre o processo de recuperação. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos (IBGM), o país importa cerca de US$ 10 milhões nesse tipo de resíduo, o que envolve restos de joalherias e componentes eletrônicos sem uso. ;A gente importa para reexportar depois. Tiramos a impureza para depois vender pelo preço normal do ouro;, explica o presidente do IBGM, Hécliton Santini. ;Se alguém tem uma aliança, é provável que tenha uma molécula de ouro do Egito, por exemplo. Esse metal é fabricado no mundo inteiro e circula por todos os países. Ninguém gosta de desperdiçar ouro;, conclui Laterza.

Se alguém tem uma aliança, é provável que tenha uma molécula de ouro do Egito. Ninguém gosta de desperdiçar ouro;
Francisco Laterza Neto, presidente da Amagold

A artista plástica Célia Estrela usa tintas que têm o metal precioso na fórmulaArte e alta gastronomia

Enquanto os investidores estão ávidos por ouro para se proteger das incertezas do mercado financeiro, o consumidor comum encontra outras utilidades para o metal. O uso apenas como ornamento ficou no passado. Hoje, o dourado desse minério pode ser encontrado da alta gastronomia à pintura. O brasileiro, que nos últimos anos se aproveitado da expansão da renda e da criação de empregos, começa a buscar por produtos diferenciados.

A artista plástica Célia Estrela trabalha com o metal precioso em quadros e em peças de porcelana. ;Às vezes, o cliente nem sabe que é ouro. Acha que é só uma tinta dourada. Mas não pode colocar uma peça dessas de porcelana no microondas. A tinta tem metal e pode estragar o aparelho;, explica. O material que ela usa nas obras tem 12% de ouro. Além da tintura, utiliza folhas do minério. Tudo importado.

O técnico em informática Antônio Matos aumentou a renda anual em R$ 6 mil vendendo sucata: Quando cria com ouro, Célia gosta de pintar flores e cerejeiras ; desenhos com influência da cultura oriental. ;O efeito é outro. A obra ganha mais vida e movimento. Os clientes ficam encantados;, conta. Os preços são os mais variados e dependem da quantidade aplicada em cada obra. Entre um quadro e outro, o valor pode variar R$ 600. Um prato, dependendo do tamanho, pode chegar a R$ 100.

Saquê especial
A alta gastronomia também não fica de fora desses novos usos. O restaurante Original Shundi usa flocos de ouro em pratos de sushi e sashimi. Um deles, o Especial VII, custa R$ 320. ;Queríamos oferecer produtos que não são corriqueiros, manter a tradição e, ao mesmo tempo, inovar;, justifica o dono do estabelecimento, Nuan Garcia.

Segundo ele, um dos mais respeitados sushimen do país criou o cardápio. Por isso, o restaurante leva o nome dele: Shundi. A ideia para o prato veio de um saquê especial vendido na casa, também com flocos de ouro. ;Nós já tínhamos essa bebida, que custa R$ 500 a garrafa. Daí resolvemos levar isso para o cardápio. São produtos para clientes com um paladar mais apurado e sofisticado.

Em São Paulo, o prato com ouro se tornou comum. Aqui em Brasília, as pessoas estão começando a se acostumar;, garante Garcia. O ouro usado nos pratos do restaurante é importado e pode ser consumido sem preocupação, pois não faz mal à saúde. (VM)

São produtos para clientes com um paladar mais apurado e sofisticado. Em São Paulo, o prato com ouro se tornou comum. Aqui em Brasília, as pessoas estão começando a se acostumar;
Nuan Garcia, dono do Original Shundi

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