Economia

O efeito Hungria

Não bastasse a incipiente recuperação do emprego nos Estados Unidos, o mercado financeiro foi tomado ontem pela perplexidade: o surgimento de um novo risco de calote no Leste Europeu

Marcone Gonçalves
postado em 05/06/2010 08:35
Os olhos dos investidores estavam voltados ontem para o anúncio da recuperação do emprego nos Estados Unidos, cujo desempenho recorde viria a sinalizar a recuperação da economia mundial. No entanto, as atrapalhadas declarações de duas autoridades da Hungria jogaram no colo do mercado uma bomba capaz de derreter as bolsas mundiais - queda de 5,03% em Atenas e 3,15% em Nova York - e alimentar o medo de novo calote no continente europeu. E não faltaram os boatos: desta vez, que o banco francês Société Générale poderia apresentar perdas pesadas com derivativos. O pânico de sexta-feira levou a uma nova derrocada do euro, que ficou cotado abaixo de US$ 1,20 - o pior patamar em mais de quatro anos. Os preços das commodities, como petróleo, também despencaram. No Brasil, o índice Ibovespa caiu 2,01%, enquanto o dólar teve uma valorização de 1,75% no dia, fechando a R$ 1,859. A Hungria entrou em cena de maneira inusitada. O próprio secretário de estado húngaro, Mihaly Varga, especialista econômico do Fidesz, partido no poder, anunciou que o deficit público poderia chegar a 7,5% do PIB em 2010, bem acima do limite de 3,8% já negociados com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A declaração foi seguida de outra, do vice-presidente do Fidesz, Lajos Kosa, para quem a situação econômica era "tão crítica, que poderia ser comparada à da Grécia" e que o "Estado estava perto da quebra". Frustração Já nos Estados Unidos, o problema não foram as informações oficiais, que apontaram a criação de 431 mil novos empregos em maio. Pois o melhor desempenho em uma década frustrou o entusiasmo dos analistas, que estimavam a criação de meio milhão de postos de trabalho, dos quais 170 mil viriam da iniciativa privada. As vagas no setor privado, no entanto, mal passaram de 41 mil. "Ficou a impressão para o mercado de que os EUA estão começando a não confirmar a recuperação", explicou Alexandre Póvoa, economista-chefe do Banco Modal. Póvoa e outros analistas, no entanto, consideraram a reação do mercado um tanto exagerada, pois os demais indicadores da economia americana confirmam a recuperação. "O dado de emprego não aponta para uma interrupção da recuperação econômica, que está em curso", afirmou Sílvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin. "O entusiasmo é que era grande demais", emendou. Os especialistas concordam que a chegada da Hungria sob os holofotes da crise acrescenta mais incertezas ao cenário. Para eles, o desempenho fiscal do país europeu era, até ontem, melhor que os da Grécia, Portugal e Espanha, países que foram obrigados a cortar gastos e melhorar o controle de suas contas. A preocupação com o país ex-comunista aumenta por causa do nível de empréstimos concedidos pelos bancos europeus. Embora não integre a Zona do Euro, a Hungria tem dívidas a instituições financeiras alemãs e francesas. Segundo Flávio Serrano, economista do BES Investimento, o mercado não vai demorar a perceber que o risco de um calote por parte da Hungria é muito menor do que aparenta. "Enquanto isso não ocorrer, o mercado fica pressionado. Pode piorar muito ou melhorar mais, mas com certeza o que veio para ficar é a grande variação na cotação dos principais ativos", avaliou. Ladeira abaixo Mau humor dominou as negociações nas bolsas de valores São Paulo -2,01% Nova York -3,15% Londres -1,63% Frankfurt -1,91% Paris -2,86% Milão -3,79% Madri -3,80%. Budapeste -3,34% Atenas -5,03% Tóquio -0,13% Hong Kong -0,03% Xangai 0,04% Fonte: Mercado Perdas de R$ 188 bilhões Desde o início do ano, os investidores já perderam R$ 188 bilhões nas bolsas brasileiras, afetados principalmente pela crise da Zona do Euro. A redução dos valor de mercado das companhias negociadas na BM baixou de US$ 1,340 trilhão para US$ 1,152 trilhão entre o início de janeiro e o dia 28 de maio. Para agravar a situação, as saídas de capitais estrangeiros da bolsa superam os ingressos em US$ 3,5 bilhões, sendo que em maio, até o dia 27, foram retirados US$ 2,2 bilhões, pior resultado desde outubro de 2008. Os economistas acreditam que as saídas podem ser consideradas normais neste momento, mas dizem que é preciso ver como este fluxo vai se comportar daqui para frente. Para Sílvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin, ainda não é possível afirmar que essa situação vai se agravar nas próximas semanas, mesmo com as incertezas no cenário internacional. "Havia um acúmulo forte de capitais estrangeiros na bolsa. Os investimentos que ganharam muito resolveram embolsar os ganhos", explicou. Flávio Serrano, do banco BES Investimento, também considera relativa o fluxo de saída de dólares das bolsas. "O mercado brasileiro está muito bem posicionado e retirada ocorre onde se está ganhando", assinalou. (MG)

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