Economia

Inflação? O que é isso?

Marcone Gonçalves
postado em 11/07/2010 08:17
Os brasileiros eram doutores em inflação. Hoje, os mais jovens são analfabetos no assunto. Essa mudança em uma geração se deveu à bem-sucedida trajetória de estabilidade obtida a partir da edição do Plano Real, em 1994. Quase a metade da população de 193,2 milhões de brasileiros já é formada por gente que não faz a menor ideia do que é conviver com a desenfreada perda do poder de compra dos salários dos trabalhadores. Os 83 milhões de herdeiros da Constituição de 1988 e da árdua batalha contra o desequilíbrio monetário dos anos 1980, hoje com até 24 anos de idade, eram crianças ou sequer tinham nascido quando o Brasil atingiu a impressionante marca de 2.000% de remarcação de preços ao consumidor em um ano. Na última década, o principal indicador da economia ficou, na média, em torno de 5% anuais.

Os estudantes têm até dificuldade para entender os rudimentos do processo inflacionário. ;É meio absurdo pensar que aquilo (inflação elevada) aconteceu. Parece historinha, parece essas lendas que a gente lê nos livros;, afirma Yllyusha Montezuma, 18 anos, estudante de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), momentos depois de assistir a mais uma aula de introdução à economia. Para uma geração de jovens como ela, dividida entre os estudos e o trabalho, o cenário econômico que obrigava as famílias a estocar alimentos e manter o dinheiro aplicado em bancos para que seu valor não evaporasse da noite para o dia não passa hoje de matéria escolar e conversa de adultos.

A estudante faz parte daquilo que os especialistas chamam de Geração Y, contingente de jovens consumidores que, no mundo inteiro, cresceu sob o impacto das inovações tecnológicas, especialmente com a expansão da internet e do uso dos celulares. No Brasil, esse período coincidiu com a criação de um ambiente de inflação baixa, eleições permanentes e a inclusão de dezenas de milhões de brasileiros na classe média. Ou seja, os Y brasileiros não precisaram se preocupar com pacotes econômicos, com golpes de Estado ou com a ameaça de explosão da miséria.

A universitária Ana Júlia França Monteiro, 20, não sentiu os efeitos nefastos da inflação alta. Nem por isso ela e as suas colegas consideram aceitável o aumento generalizado de preços. Até porque, lembra, tem que manter sob controle o orçamento pessoal formado pela mesada dos pais. ;Já no colégio, fazíamos abaixo-assinado contra o aumento do salgadinho da cantina. Tivemos lição de educação financeira em sala de aula e quando acompanhamos nossos pais nas compras;, diz Ana, que junta dinheiro na poupança para, no futuro, comprar um carro.

Mentalidade
O professor Lívio William Reis de Carvalho, que há 30 anos leciona economia na UnB, relata que a preocupação com os investimentos e com a poupança de longo prazo virou uma das características e um dos principais interesses dos jovens universitários durante as aulas, algo impensável há pouco mais de uma década. ;A estabilidade mudou substancialmente o comportamento dos estudantes. O filho da inflação só pensa no curto prazo. A mentalidade deles não ultrapassava três meses; acrescenta.

Explicar o que é inflação para estudantes tornou-se uma tarefa mais difícil por se tratar de uma situação irreal para eles. No entanto, o professor alerta que nunca foi tão necessário os universitários entenderem a economia. ;Compreender as notícias econômicas e o que representam a alta dos juros e o desempenho do Produto Interno Bruto (soma de riquezas geradas ao longo do ano no país) é uma questão de cidadania;, assinala, lembrando que o Departamento de Economia da UnB enfrenta a questão mantendo 11 turmas para 1,2 mil alunos de todos os cursos, uma iniciativa pioneira no país.

Nickolas Mendes, 20, estudante de Engenharia Florestal, corrobora a visão do professor. Ele conta que já estuda alternativas para aplicar suas economias na bolsa de valores, um investimento que, acredita, poderá ajudá-lo a iniciar a carreira tendo reservas. Também estudante da UnB, Thalita Neves, 18, que mora no Lago Sul, já pensa e age como investidora de longo prazo. Além de manter as contas na ponta do lápis, ela aproveitou as economias que recebeu da mãe e comprou um lote com o objetivo de revender até o final do curso. ;Com a valorização, poderei comprar um outro imóvel ou um carro, à vista, sem virar vítima dos juros altos;, emenda.

Para os economistas, o país só tem a ganhar quando a sociedade está preocupada em poupar e investir mais. Mas eles alertam que a preocupação com o longo prazo pode resultar em uma geração mais conservadora politicamente. ;Países como os Estados Unidos e a Inglaterra são tidos como conservadores, mas não se trata disso. Eles sabem os custos e os benefícios que a estabilidade econômica lhes proporciona e não querem abrir mão disto;, explica o professor Lívio Carvalho.

;Em hipótese alguma votaria em um aventureiro, alguém que se proponha ou ameace desorganizar a economia;, assegura Kaio Lucas, 18, morador de Sobradinho. A opinião é compartilhada por mais de uma dezena de jovens entrevistados pelo Correio, como Matheus Mendes, 19, morador da Asa Sul. Ele acredita que não há espaço para esse tipo de proposta no Brasil.

Longo prazo
A tendência dos jovens de olhar em longo prazo, no entanto, ainda não é uma realidade constatada pelos pesquisadores. Segundo o especialista em tendências de consumo e estratégia econômica Carlos Honorato, da Fundação Instituto de Administração (FIA), da Universidade de São Paulo (USP), a geração Y é marcada pelo consumismo imediatista e guiada por modas, como a das vuvuzelas e das TVs de LCD. ;Como esse jovem cresceu e vive sem privação, acha que pode consumir à vontade. Não tem uma visão clara de poupar para o futuro e vive como se o mundo fosse acabar amanhã;, explica. ;Há uma tendência para se privilegiar o longo prazo, mas não é o que vemos no curto prazo.;

Honorato ressalta a diferença entre a ;geração sem inflação; e a geração X, que vem dos anos 1980 e foi marcada por uma cultura voltada para o trabalho incessante (os workaholics) e o abandono das utopias ideológicas dos anos 1960. ;Além disso, os Y também estão preocupados com questões ambientais, como a escassez de água e o aquecimento global;, acrescenta. Em uma análise semelhante, Fábio Gomes, gerente de projetos do Qualibest, instituto especializado em pesquisas on-line sobre hábitos de consumo, diz que o benefício mais importante que os jovens receberam da estabilidade foi a capacidade de planejar ações futuras.

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