Economia

Brasil está nos trilhos do desperdício

Governo quer criar estatal para ser sócia do trem-bala ao mesmo tempo em que enterra R$ 2 bilhões na CBTU, empresa pública que poderia assumir o projeto

postado em 02/08/2010 07:58
Enquanto se prepara para tirar do papel uma estatal para ser sócia do trem de alta velocidade que ligará Campinas (SP), São Paulo e Rio de Janeiro, a União está sendo obrigada a injetar centenas de milhões de reais todos os anos na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) para cobrir um buraco sem fundo. Nascida a partir da antiga Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), em 1984, a empresa pública opera trens de passageiros em Recife (PE), Belo Horizonte (MG), João Pessoa (PB), Natal (RN) e Maceió (AL). Pela Constituição, poderia participar do gerenciamento de um dos projetos mais audaciosos e caros do país, evitando, assim, a criação de novo órgão federal, que pode ser mais um escoadouro do suado dinheiro pago pelos contribuintes em forma de impostos.

A situação da CBTU é mais do que crítica. As receitas operacionais, oriundas da exploração do transporte sobre trilhos nas capitais onde atua, nem sequer cobrem os gastos com pessoal. De 2006 para cá, a folha de salários de quase 2,5 mil funcionários custou R$ 832,2 milhões, mais do que o dobro dos R$ 400,5 milhões que entraram nos cofres da companhia com a prestação de serviços. No mesmo período, contabilizando todas as despesas, inclusive com investimentos, a CBTU consumiu R$ 2 bilhões. Ou seja, cinco vezes mais do que seu faturamento. Para fechar o caixa, a companhia recebeu, em quatro anos e meio, por intermédio do Ministério das Cidades, ao qual está vinculada, R$ 1,6 bilhão do Tesouro Nacional ; como diria Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, o meu, o seu, o nosso dinheirinho.

A dificuldade em fechar as contas está, sobretudo, nos preços das passagens. Em Maceió, João Pessoa e Natal, por exemplo, os bilhetes estão congelados há quase quatro anos: a tarifa custa R$ 0,50. O Palácio do Planalto não autorizou o aumento das tarifas sob o argumento de que ele traria impacto sobre a inflação. Com a proximidade das eleições, no entanto, a resistência ao reajuste aumentou porque o governo teme que tal decisão atrapalhe a campanha da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff.

Mas não é só. ACBTU também se tornou um cabide de empregos. Administrando a distância as operações de metrô espalhadas pelo país ; sua sede fica no Rio de Janeiro ;, a estatal foi obrigada, nos últimos anos, a recontratar 800 pessoas graças à lei que autoriza o regresso à administração federal de profissionais demitidos durante a era Collor.

Copa do Mundo
Dentro do governo, a incapacidade da companhia de se autossustentar é atribuída a uma série de fatores legais e de ordem política. Os investimentos minguam a cada ano, o que acaba comprometendo a infraestrutura utilizada para manter a operação de pé. Em Maceió, onde a deterioração dos sistemas de transportes operados pela CBTU é mais visível, um trem atingido pelas enchentes deste ano em Rio Largo está parado, impedindo o funcionamento do metrô. E não é para menos. No ano passado, as receitas com passagens no serviço na capital alagoana somaram apenas R$ 873,7 mil, quantia insuficiente para comprar um apartamento de 100 metros quadrados no Sudoeste, bairro nobre de Brasília.

Governo quer criar estatal para ser sócia do trem-bala ao mesmo tempo em que enterra R$ 2 bilhões na CBTU, empresa pública que poderia assumir o projetoProblemas dessa natureza lançam dúvidas sobre o custo e o tempo que serão demandados para viabilizar até mesmo a Copa do Mundo nas áreas cobertas pela CBTU, uma vez que algumas das cidades sediarão jogos em 2014. ;Tudo isso é reflexo da falta de uma política de trilhos no Brasil;, diz um importante técnico do governo, especialista no assunto. Para ele, ;a CBTU vem sendo dilapidada há muitos anos, pois o governo não define qual deve ser a prioridade da empresa, o que a engessa por completo;. Ele diz mais: ;Nem mesmo o TCU (Tribunal de Contas da União) sabe ao certo o papel da estatal;.

Como está hoje, a legislação assegura que a missão da CBTU é regular e fiscalizar o sistema de trilhos urbanos do país. Cabe a estados e municípios operar o transporte de passageiros. Mas nenhuma das esferas de governo quer assumir o serviço. Por uma simples razão: sabem que terão de arcar com os custos que a União está tendo para manter os trens funcionando. ;Chegou a hora de se fazer cumprir a lei;, diz outro técnico do governo.

Para ele, o papel da futura estatal que cuidará do trem-bala e os riscos de um sucateamento ainda mais acentuado da CBTU são temas que ganharão força nas discussões daqui por diante. ;Se a missão da CBTU é carregar pessoas, olhando por esse ângulo, por que a empresa não pode participar do trem-bala?;, provoca um representante da companhia. Oficialmente, a CBTU prefere manter o silêncio. Informa apenas, pela internet, as responsabilidades que estão sob sua alçada: ;Planejar, realizar estudos, projetos, implantar e construir o transporte de pessoas, operar e explorar comercialmente;.

Estrela
Creso de Franco Peixoto, engenheiro civil, mestre em transportes e professor de engenharia da Fundação Educacional Inaciana (FEI), ressalta que há dúvidas sobre a viabilidade do trem-bala. Além disso, argumenta, instituir criar uma estatal exclusiva para participar do projeto não encontra justificativa técnica. ;Criar uma empresa me parece contraproducente. Afinal de contas, existem setores e pessoal técnico da esfera federal que poderiam suprir o suporte necessário;, explica. Para o analista, o projeto é inviável economicamente e o dinheiro que será gasto poderia ser aplicado em melhorias na mobilidade das cidades.

Alheio às críticas, o governo pretende reeditar no trem-bala a mesma fórmula de investimentos que dá sustentação à obra da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. As negociações com grandes grupos empresariais ; financiados com dinheiro público ; para a formação de consórcios estão a todo vapor. Estrela do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o trem-bala tem custo estimado de R$ 33,4 bilhões. A Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), sócia estatal do empreendimento, vai aportar R$ 3,4 bilhões e se unir ao vencedor do leilão, marcado para dezembro.

Pelas previsões, os interessados em viajar no trem pagarão, no máximo, R$ 199,80 pela passagem na classe econômica. O tempo gasto no trajeto será de 1 hora e 33 minutos. Vencerá o leilão o grupo que oferecer a menor tarifa. Cálculos que fizeram parte do relatório que apresenta o projeto indicam que a receita operacional bruta chegará a R$ 192 bilhões ao longo dos 40 anos de vigência da concessão. O governo avalia que cerca de 18 milhões de pessoas poderão circular, por ano, no trem.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação