Economia

Entrada da África do Sul nos Brics expõe diferenças internas

Convidado pela China a entrar no grupo, país agrega só como líder regional

postado em 11/04/2011 08:03
A entrada da África do Sul nos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), que será oficializada na próxima quinta-feira durante a reunião de cúpula, serve para reforçar o bloco como um expressivo fórum de países emergentes. Mas essa adesão, resultado do convite chinês, também evidencia grandes diferenças internas do grupo.

Maior e mais diversificada economia do continente, com Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas no país) na casa de US$ 350 bilhões, a África do Sul está longe do patamar dos quatro gigantes emergentes dos Brics. Os sócios originais, com PIBs acima de um trilhão de dólares, são também candidatos a potências mundiais, donos das maiores taxas de crescimento e atores influentes no comércio internacional.

Apesar disso, diplomatas lembram que o sócio africano, 32; economia do mundo, consagra a dimensão global do grupo. Nesse sentido, o quinto membro dos Brics representa a porta de entrada na África, confirmando o fórum como mais importante agrupamento de emergentes.

Sul-africanos assistem a jogo da Copa de 2010: país rico em minerais tem grande potencial de crescimento;Iniciativas como a dos Brics servem para dar corpo ao multilateralismo, que andava exausto. Por outro lado, elas também confirmam a atual fase da hegemonia dos Estados Unidos, que, na prática, já não podem mais tudo;, comenta Túlio Sérgio Ferreira, professor da PUC Minas e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB).

Geopolítica
Para o especialista, a procura por um ;sistema mais realista de poder mundial; continuará se valendo de experiências como essa e a do Ibas, grupo que reúne Índia, Brasil e África do Sul. ;Potências regionais, como a África do Sul, têm avançado explicitamente nessa tentativa de concerto;, sublinha.

Ferreira ressalta que os alinhamentos não seguem um padrão ideológico e que China e EUA ainda desequilibram o conjunto de relações. ;Numa só tacada, Pequim incluiu o Ibas nos Brics, numa clara demonstração de querer fazer frente a Washington, dentro de uma perspectiva geopolítica global;, ilustra.

Grande contestadora da dominância norte-americana, a China viu impulsionar os desejos de rearranjo da governança mundial após a crise econômica de 2008 e 2009. ;O primeiro movimento nesse sentido foi o G20, um reconhecimento que o combalido G8 se tornou insuficiente para solucionar os abalos na economia mundial, onde os emergentes ganham peso rapidamente;, diz o professor.

A reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), uma das principais reivindicações das diplomacias brasileira e indiana, na briga por um assento permanente no atual clube de cinco países, não deverá ser, contudo, uma bandeira dos Brics. A explicação: China e os quatro vencedores da Segunda Guerra Mundial (EUA, França, Reino Unido e Rússia) não deram nenhum sinal seguro de que aceitarão novos colegas.

Sombras
Para Argemiro Procópio, professor titular do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da UnB, as resistências russa e chinesa em ceder esse espaço é a maior contradição interna do fórum. ;Só participar do conselho da ONU como membro rotativo em nada adianta. Nesse sentido, até mesmo a África do Sul sonha com o poder de veto;, disse.

Os Brics, na sua avaliação, têm apenas efeito simbólico na diplomacia multilateral, sem qualquer poder articulador como Mercosul e União Europeia. Curiosamente, lembra que os sócios dos Brics têm intensa relação clandestina entre si, formando um dos maiores fluxos de contrabando do mundo. ;É uma vigorosa economia das sombras;, brinca.

O mais novo integrante do grupo dos Brics não vai mudar só a grafia da sigla. Além de escapar da lógica estatística do acrônimo cunhado em 2001 pelo economista Jim O;Neill, chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, a inclusão da África do Sul mostra o choque de interesses entre associados.

China e Brasil, por exemplo, disputam espaço econômico no continente africano. O governo chinês transformou a região em seu segundo maior destino de investimentos diretos, depois da Ásia. O Palácio do Planalto, por sua vez, vem fomentando desde a última década empreendimentos privados no continente negro, como os tocados por Vale e Petrobras, além de buscar ampliar a corrente de comércio e as parcerias institucionais, como as das áreas de produção de alimentos e biocombustíveis.

[SAIBAMAIS]A república sulafricana, dona de uma das maiores reservas minerais do mundo, como ouro e diamantes, tem economia guiada pela livre iniciativa. Mas o Estado ainda participa diretamente de várias atividades industriais, como petróleo e armas, e de outras via agências de desenvolvimento.

Com serviços financeiros e infraestrutura de transportes e comunicações considerados de boa qualidade, o país também cumpriu com louvor ano passado a missão de realizar a primeira Copa do Mundo de Futebol na África.

Mas outros desafios persistem. Desde o término de oito décadas de regime de segregação racial, o apartheid, a partir da primeira eleição multirracial (1994), a África do Sul busca superar a desigualdade social com desenvolvimento. A população negra do país ainda sofre elevados índices de pobreza e criminalidade, além de ser a principal vítima da epidemia de Aids.

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