Economia

Brasileiros endividados recorrem a grupos de Devedores Anônimos

Eles tentam se livrar da compulsão por gastos, que mina as relações familiares e prejudica o trabalho

postado em 26/06/2011 09:06
Eles tentam se livrar da compulsão por gastos, que mina as relações familiares e prejudica o trabalhoDia após dia, uma legião de brasileiros está vendo a vida familiar se desintegrar por um mesmo motivo: o excesso de endividamento. O problema aflige, principalmente, os quase 40 milhões de consumidores que ingressaram no mercado nos últimos 10 anos sem a mínima informação sobre o crédito. São pessoas que, por um bom tempo, se viram privadas de produtos essenciais. Mas, com a grande oferta de empréstimos e financiamentos, puderam satisfazer todas as necessidades ; um ganho e tanto para qualquer sociedade, não fossem os juros tão elevados cobrados no Brasil, que, em média, comem cerca de 25% da renda dos lares do país. Nos casos mais extremos, as despesas com dívidas engolem mais de 30% dos rendimentos dos consumidores.

Dados mais recentes do Banco Central e da Confederação Nacional do Comércio (CNC) indicam que 64% das famílias têm, atualmente, algum tipo de dívida. Do total dos consumidores, 53% devem mais do que ganham, 25% têm contas em atraso e quase 9% admitem que não têm mais condições de pagar nada. Diante desse quadro assustador, os devedores pedem socorro. Com medo de perder o bem mais precioso, a família, e, por tabela, todo o suado patrimônio que construíram por décadas de trabalho, eles estão buscando ajuda de escritórios de advocacia especializados em negociar débitos sobre os quais incidem taxas de juros abusivas.

O drama é tamanho que, com o auxílio de advogados, os que têm dívidas em excesso também começam a recorrer a grupos denominados Devedores Anônimos, nos moldes dos Alcoólicos e dos Narcóticos Anônimos. Objetivo: livrar-se da compulsão por comprar. Oficialmente, existem três desses grupos em São Paulo, três no Rio de Janeiro, dois no Paraná e um no Ceará. No Distrito Federal, tentou-se montar algo semelhante, mas faltam voluntários dispostos a coordenar os trabalhos.

;É sempre muito difícil encontrar pessoas que vistam a camisa dessa causa. A maioria que participa dos encontros quer apenas sair do vermelho ou tentar amenizar os sintomas da doença. Em Brasília, ninguém quer ser coordenador do grupo;, diz um dos líderes do Devedores Anônimos de Londrina (PR), que prefere não se identificar por também ser um comprador compulsivo. ;Trata-se de uma doença chamada oneomania. Ela não tem cura. Por isso, é preciso estar sempre alerta e vencer um dia de cada vez;, acrescenta.

Em São Paulo, uma integrante de um desses grupos conta que o excesso de dívidas e o desejo irrefreável por consumir a levaram ao distanciamento da própria família. ;Quando passei a frequentar as reuniões, meu único objetivo era pagar as dívidas a fim de reconquistar a confiança em minha casa, já que as relações estavam estremecidas;, conta. ;À medida que frequentava as reuniões, muitas fichas caíam. Entre elas, tive a percepção dos muitos padrões de comportamento que me levavam ao endividamento excessivo. Um deles foi a incapacidade de dizer não e de fixar limites. Outro foi o hábito de mentir. Mentia para não sofrer retaliações, não ser discriminada no meu círculo de amigos;, relembra.

Extrema necessidade
Os consumidores são atropelados pelas dívidas quando incorporam no orçamento doméstico os limites do cheque especial e do cartão de crédito, as modalidades de financiamento mais caras do mercado, com juros na casa dos 10% ao mês. Na avaliação dos especialistas, qualquer pessoa só deve recorrer a essas linhas em caso de extrema necessidade. O que se vê, no entanto, é que os brasileiros estão comprometendo o grosso dos salários com gastos supérfluos, compram sem pensar, mesmo que os juros cheguem a 600% ao ano, como os cobrados nos cartões de crédito do Itaú Unibanco.

;Para se livrar das dívidas é necessário ter em mente que é preciso combater suas causas e não seus efeitos. E isso só se faz com educação financeira;, explica Reinaldo Domingos, educador financeiro. Ele ensina que, para se livrar do endividamento, é preciso criar uma estratégia. Podem ajudar medidas como negociar com os credores, economizar para comprar à vista e até usar um instrumento liberado pelo Banco Central denominado portabilidade de crédito, no qual se leva o débito para outro banco a juros mais baixos e prazos mais confortáveis para pagamento.

A economista Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, alerta, contudo, para as armadilhas criadas pelo mercado ; ou seja, golpes travestidos de soluções para os devedores aflitos. Uma das artimanhas é o parcelamento das compras já divididas. Na prática, as pessoas compram um produto e dividem o valor em seis prestações. Mas quando recebem o boleto ou a fatura em casa, chega junto a proposta de redividir o débito em até 12 vezes. O problema é que as parcelas originais já carregam juros. E, sobre as 12, há casos em que as taxas chegam a 11% ao mês ou mais de 240% ao ano. Quer dizer: são oferecidos juros abusivos sobre juros. Um crime disfarçado de facilidade para os desesperados.

Mentiras e humilhação
Os especialistas consideram a oneomania uma doença obsessivo-compulsiva. Nesse caso, a pessoa tem comportamentos característicos além de comprar em excesso, como, por exemplo, contar objetos sem conseguir parar. A falta de planejamento torna-se patologia quando as dívida levam infelicidade à vida familiar, tiram a concentração no trabalho e acabam com a reputação. Ainda são listados como sintomas o sentimento de humilhação devido ao endividamento e as mentiras para familiares e credores a fim de gastar mais.

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