Economia

Endividamento e "financeirização da pobreza" preocupam especialistas

postado em 03/06/2012 11:59
A alternativa escolhida pelo governo de estimular o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por meio do consumo pode trazer consequências preocupantes, alertam especialistas.

Para a socióloga Cláudia Sciré, autora do livro Consumo Popular, Fluxos Globais, o que está ocorrendo é uma ;financeirização da pobreza; e não a efetiva ascensão de uma nova classe média ou nova classe C, como apontam série de estudos lançados nos últimos anos pelos economistas Marcelo Néri (Fundação Getulio Vargas) e Ricardo Paes e Barros (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República).

;É preciso prestar mais atenção nesse processo de financeirização da pobreza;, recomenda Cláudia, destacando que é necessário ;olhar para mais itens;. ;Eles deixaram de ser pobres? O acesso a bens culturais e à educação [de qualidade] continua muito difícil. O consumo sozinho não pode ser parâmetro;, critica, questionando a sustentabilidade da ascensão e o endividamento das camadas da população que tiveram aumento de renda e consumo na última década. ;A gente não sabe o que vai acontecer de fato.;

A incerteza sobre a capacidade de endividamento e da eficácia do estímulo ao consumo também preocupa o economista Fábio Giambiagi, um dos autores do livro Além da Euforia - Riscos no Plano Econômico. ;Apesar de os juros estarem caindo, esse endividamento nos outros países se dá com juros muito inferiores aos brasileiros. De tal forma que o mesmo endividamento tende a gerar, aqui no Brasil, um comprometimento da renda com o pagamento maior que nos outros países.;

Giambiagi pondera sobre a decisão do Ministério da Fazenda de estimular o consumo (por meio de isenção de impostos, como no caso do carro popular) para melhorar o Produto Interno Bruto (PIB) do país. ;Esse pacote recente do governo aponta no sentido de estimular o consumo no sentido de melhorar o PIB este ano. A gente entende pela lógica do curto prazo. Mas, para o médio e longo prazo, o conselho seria aumentar os canais de investimento público e privado;.

A mesma receita foi utilizada de forma eficaz pelo governo, em 2009, para minimizar o impacto da crise financeira internacional que tevê o ápice em setembro de 2008. Além do resultado macroeconômico, o aumento do consumo entre as camadas mais populares ;reconfigurou as hierarquias dentro da família;, disse Cláudia Sciré se referindo à diminuição e até inversão da submissão nas relações entre marido e mulher e também entre pais e filhos. ;Esses [os filhos] começam a trabalhar e passam a ter maior autonomia perante as decisões de consumo. A mesma coisa ocorre entre mulher e marido, quando ocorre de ele estar com o nome sujo;, exemplificou.

Apesar dos efeitos econômicos e sociais positivos, a socióloga lembra que o acesso ao crédito pode ter consequências indesejadas na vida dos emergentes. ;De uma hora para a outra as pessoas passam a lidar com uma série de mecanismos financeirizados que são muito complicados até para quem já está acostumado;, avalia.

;As pessoas às vezes se confundem, até porque o crédito oferecido é duas ou três vezes maior do que a renda. As pessoas acabam se endividando e a vida delas passa a ser gerida e pautada por esses prazos do mercado por essas dívidas que elas vão assumindo. Isso tem consequências graves como não conseguir visualizar um horizonte de possibilidades para além do mês seguinte;, alerta a socióloga.

Na opinião de Fábio Giambiagi, a ;combinação zodiacal; que favorecia a manutenção do crescimento por meio mercado interno ; que agora tende a crescer menos ; mudou. O economista associa as dificuldades de perda do ritmo com a composição do endividamento das famílias brasileiras. ;A grande diferença de endividamento do Brasil e dos outros países está associado ao componente habitação. A minha impressão é que seria desaconselhável estimular novos processos de endividamento que fossem além do ponto que a gente está;.

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