Economia

Governo não alcançará superavit primário de 1,2% do PIB, diz especialista

Para o economista Felipe Salto, será preciso fazer milagre para que isso ocorra

Rosana Hessel
postado em 22/02/2015 08:00
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As contas públicas fecharam o ano passado com um rombo histórico de R$ 32,5 bilhões e, em 2015, a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff não vai conseguir cumprir o principal objetivo a que se propôs: alcançar um superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 66,3 bilhões. Na avaliação do economista Felipe Salto, será preciso fazer milagre para que isso ocorra.

;Há um risco elevado de recessão;, alerta. ;Se a arrecadação não cresce, o primário não cresce. Não tem como fazer um ajuste tão grande, nem deve ser feito, porque aí se reforça a recessão pelo lado da despesa num prazo tão curto. A meta será revista ainda no primeiro semestre;, estima. ;A premissa (para o superavit) é de um crescimento de 0,8% para o PIB, que já não vai mais ocorrer;, emenda.

Salto não demonstra otimismo em relação a 2015 e estima retração de 0,4% a 0,7% da economia. ;Será o pior ano da última década;, avisa. Para ele, o trabalho que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vem fazendo até o momento não é suficiente para equilibrar as contas públicas. ;Não adianta só contingenciar o Orçamento e aumentar imposto. Para isso não precisa ser PhD em Chicago, né?;, ironiza. Ele sugere uma forma de controlar os gastos com pessoal, limitando-os a 30% do avanço do PIB.



Entrevista/ Felipe Salto

Qual é a sua avaliação da atual situação das contas públicas?
O resultado primário do ano passado talvez tenha sido um dos piores da série histórica. Com certeza, foi o pior desde que existe o regime de metas para balizar o comportamento da dívida líquida em relação ao PIB. É um péssimo sinal porque coroa todo o processo de deterioração da política fiscal, de contabilidade criativa, de incentivos fiscais sem planejamento, de expansão das desonerações tributárias. Falta poupança doméstica, falta investimento e, portanto, falta compromisso com uma gestão fiscal que permita reduzir fortemente as taxas de juros que os investimentos aumentem.

O que impede o aumento do investimento?
Enquanto tivermos a combinação de dólar baixo com juro elevado, o investimento não vai prosperar. O dólar está subindo, mas é um movimento atípico. Quando passar o furacão, vai voltar a tendência estrutural de apreciação (do real). A decisão de investimento não depende só do câmbio, mas também de o empresário perceber que o risco está controlado, que vai haver crescimento e que a inflação ficará abaixo do teto da meta. O desemprego na indústria no ano passado superou 160 mil pessoas. A taxa de desemprego este ano vai ficar em torno de 6,5%. Aquela festa de utilizar o número do desemprego para mostrar que a situação está boa acabou. E não vai haver mais expansão de benefícios suficiente para manter as pessoas fora do mercado de trabalho.

Teremos um PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) mais magro?
Muito mais magro do que está no Orçamento. Já é um programa que não dá certo. O investimento público está estagnado em 1% do PIB há 10 anos. O governo contrapõe esse dado com a estatística oficial de 1,5%, incluindo o Minha Casa, Minha Vida. Se tirar isso, o investimento propriamente dito está em 0,9% a 1%. Neste ano, é capaz de cair para 0,8% do PIB.

O que o governo precisa fazer para cumprir a meta de superavit primário de 1,2% do PIB?
Precisa fazer milagre. Não acho que o objetivo vai ser cumprido este ano. Essa meta, de R$ 66,3 bilhões, precisa de uma trajetória de recuperação da receita que não tem o menor cheiro de que vai acontecer. O governo terá os R$ 20,6 bilhões de impostos a mais com as medidas que foram tomadas, mas a atividade econômica ainda está rastejando. Há um risco elevado de recessão. Acho que o PIB deve cair entre 0,4% e 0,7% este ano. A meta de 1,2% será revista ainda no primeiro semestre. Quando começarem a sair os dados de atividade e tivermos o PIB do primeiro trimestre, em junho, provavelmente, o governo vai ter a chance de revisar a meta fiscal. Só não vai fazê-lo agora porque a incerteza é grande.

Como avalia o desempenho do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para recuperar a credibilidade?
O que está se fazendo é mais do mesmo. Ele está tentando recuperar a credibilidade, mas a agenda é a mesma. O Levy tomou algumas medidas do lado da receita, aumentando tributos sobre importados, sobre o crédito à pessoa física, sobre a gasolina, e recompôs o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Do lado do gasto, fez mudanças nos benefícios sociais e o contingenciamento no Orçamento, que nem foi aprovado ainda. O que teve de novo aí? Absolutamente nada. O Brasil vive um processo de desindustrialização há vários anos. A participação da indústria no PIB hoje está em torno de 11%, 5 a 6 pontos abaixo do que há alguns anos. É preciso ter uma estratégia. O país não pode prescindir disso. Um governo que se diz desenvolvimentista não pode deixar todas as mudanças que precisam ser feitas para o ajuste fiscal. É preciso ir muito além do superavit primário.

Qual seria a estratégia?
Falta anunciar medidas de maior fôlego. O que fazer com despesas de pessoal, com custeio da máquina, com contratos da administração pública? Como baixar os preços do que é contratado pelo governo? A minha proposta é atacar o gasto com pessoal, para começar, limitando seu crescimento a 30% do avanço do PIB. Se o PIB vai crescer 1% em 2016, essa despesa vai aumentar só 0,3%. À medida que o crescimento for melhorando, você pode elevar o percentual para 50%. Isso ajuda a criar mudanças na política fiscal a médio e a longo prazos e é isso que o mercado está esperando. Não adianta só contingenciar o Orçamento e aumentar imposto. Para isso não precisa ser PhD em Chicago, né?

Para 2016, é possível ser mais otimista?
Em 2016, acho que (a economia) começa a se recuperar, mas não será um crescimento extraordinário. Em 2016, 2017 e 2018, haverá uma expansão convergindo mais para algo em torno de 1,5% se o ajuste fiscal der certo, mas o crescimento potencial do Brasil caiu. Com as medidas que foram tomadas nos últimos anos, houve perda de competitividade. Todos os indicadores que afetam a produtividade pioraram. O estoque de investimentos não vem aumentando. A infraestrutura ainda está muito aquém do que é preciso. Com isso, a produção não se desloca e não se tem o aumento da oferta. Ao contrário, há até queda. O PIB potencial está mais baixo, em torno de 2,5%. Vai ser difícil voltar a crescer num horizonte de quatro anos.

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