Economia

Especialistas analisam vídeo de Wagner Moura sobre Reforma da Previdência

Idade mínima e tempo de contribuição estão entre medidas criticadas pelo ator Wagner Moura no vídeo

Ana Carolina Fonseca*
postado em 13/03/2017 19:50
No último sábado (11/3), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) divulgou um vídeo com narração do ator Wagner Moura sobre a Reforma da Previdência. O ator de Tropa de Elite e Narcos faz duras críticas à medida e explica três pontos controversos da reforma. O vídeo tem mais de 5 mil visualizações na página do MTST. Em um canal do YouTube que reproduziu o conteúdo, já passa das 44 mil.
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O Correio conversou com dois professores da Universidade de Brasília (UnB) para analisar e esclarecer o conteúdo da animação, parte por parte: José Matias-Pereira é doutor e leciona na área de Administração Pública e Finanças Públicas. Maria Lúcia é pós-doutoranda em Política Social, com pesquisa voltada para a área de previdência. A Secretaria da Previdência também divulgou considerações a respeito dos pontos comentados no vídeo.

Idade mínima de 65 anos

Wagner Moura (vídeo): "Isso num país onde muitos morrem antes disso. A expectativa de vida em várias regiões do Norte e Nordeste está abaixo dos 65 anos. Nas periferias das grandes cidades também.; Além disso, o ator afirma que o INSS vai ser transformado ;em uma funerária, as pessoas vão se aposentar num caixão".

José Matias-Pereira: "A idade mínima é apenas um ponto de partida em uma população que a tendência é viver cada vez mais. Na reforma, é preciso efetivamente debater e examinar todas as explicações, porque temos vários ;Brasis;. Quando olhamos a estrutura de uma previdência pública, que atenda a sociedade como toda, é necessário definir padrões."

Maria Lúcia Lopes: "Concordo. No Nordeste, em estados como Alagoas e Maranhão, a expectativa de vida dos homens é de 66 anos. Isso é uma demonstração de que muitas pessoas não terão acesso à aposentadoria [com a reforma]. O homem e a mulher no ambiente rural têm uma expectativa bem inferior à média nacional."
Previdência: "O principal indicador que deve ser levado em consideração quando se trata de Previdência é o tempo de vida que as pessoas têm a partir da aposentadoria. É o que se chama de expectativa de sobrevida. Os dados do IBGE mostram que a partir dos 65 anos de idade as pessoas vivem, em média, mais 18 anos e que a diferença entre as regiões geográficas do país é mínima."

Idade mínima igual para homens e mulheres

Wagner Moura (vídeo): "Querem igualar a idade da aposentadoria entre homens e mulheres. Isso é uma tremenda injustiça. A maioria das mulheres brasileiras têm a chamada dupla jornada: trabalham fora e depois em casa, cuidando dos filhos e das tarefas domésticas. O Brasil ainda é um país machista e a maior parte dos serviços domésticos, infelizmente, sobra para as mulheres. Com esse acúmulo de trabalhos, é justo que a mulher se aposente antes, como é hoje. A Reforma da Previdência quer acabar com esse direito."

José Matias-Pereira: "Eu entendo que essa questão precisa ser debatida, mas é importante lembrar que as mulheres vivem mais do que os homens. É enorme o papel que elas têm na nossa sociedade, ninguém duvida disso que ele coloca no vídeo. Mas a tendência que as mulheres vivam mais do que que os homens."

Maria Lúcia Lopes: "Concordo. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou em nota técnica que, por semana, as mulheres ainda têm jornada de 26h dedicada ao serviço doméstico, maior que a dos homens. Isso mostra que a mulher ainda tem uma jornada de trabalho superior a do homem, uma jornada extremamente estressante: trabalha fora, cuida dos filhos, da casa. Enquanto eles estão no jogo de sábado, elas estão lavando a roupa. É mais que justo que ela tenha diferença de idade para aposentar, porque é um reconhecimento da desigualdade que existe."
Previdência: "A Previdência reconhece que há diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Porém, estes problemas não se resolvem com a aposentadoria antecipada das mulheres. Esta é uma conta que não pode ficar para a Previdência, que tem um deficit crescente, ainda levando em conta que as mulheres vivem mais que os homens."

49 anos de contribuição para ter a aposentadoria integral

Wagner Moura (vídeo): "Hoje, são 25 anos, quase a metade. E não são 49 anos de trabalho, são 49 anos de contribuição. Quem trabalha por conta própria, sem registro, não conta. Ficar desempregado nesse tempo também não conta. Ou seja, para alguém se aposentar com trabalho integral aos 65 anos, tem que começar a trabalhar aos 16, com carteira assinada e permanecer assim até os 65. Não pode ficar desempregado nem deixar de contribuir nenhum dia. Na prática, isso representa o fim do direito à aposentadoria para a maior parte da população brasileira e uma redução drástica da aposentadoria dos que sobrarem."

José Matias-Pereira: "Não parece fora da realidade. Os brasileiros começam a trabalhar muito jovens. É importante lembrar que existe essa referência de 49 anos, mas nada impede que se aposente antes e que se prepare para uma renda menor. Quarenta e nove anos é o limite. Essa medida não é diferente ou atípica de previdências em outros países que também enfrentam esse problema. Os 65 anos são apenas um ponto de referência, mas quando o país tiver pessoas vivendo bem com 90, 100 anos, a Previdência vai ter que subir novamente a regra. Se as pessoas se aposentam muito jovens, isso sobrecarrega o sistema todo. O erro de avaliação do ator é acreditar que o país vai ficar estático, que as pessoas vão continuar vivendo o que vivem hoje. A verdade é que caminhamos para que as pessoas vivam cada vez mais."

Maria Lúcia Lopes: "É impossível por duas razões: a primeira é desemprego imenso no país e a segunda é a alta rotatividade. É muito difícil começar aos 16 anos e trabalhar sem interrupção. Muitas pessoas não têm renda, ou estão desempregadas, então seria difícil contribuir por 49 anos. Além disso, é a pior proposta que eu conheço, em relação ao tempo de contribuição. E já estudo o assunto há muito tempo. Mesmo na Itália, um dos países com mais pessoas idosas do mundo, não existe uma proposta absurda dessas. Para os italianos, desde o ano passado, passou a valer a regra dos 42 anos de contribuição. Eles estão achando absurdo e olha que lá a expectativa de vida é maior do que aqui. Essa medida significa o fim da aposentadoria pública no Brasil. Considerando expectativa de vida, desemprego, renda; é impossível. Significa contribuir e não receber. É um confisco da contribuição."
Previdência: "Atualmente, 63% dos aposentados (mais de 12 milhões) recebem o benefício integral (100%) porque contribuíram pelo piso do benefício e fazem jus a um salário mínimo. Os demais, dependendo da idade, tiveram o cálculo do benefício afetado, em maior ou menor intensidade, pelo fator previdenciário e se aposentaram, em média, com 70% do salário de contribuição. A reforma propõe uma alíquota inicial de 76% e para cada ano de trabalho a mais é acrescido um ponto percentual, no caso do segurado que ganha acima do salário mínimo, que continuará como o piso (menor valor a ser pago) das aposentadorias."

A professora Maria Lúcia Lopes alertou, no entanto, que o vídeo traz um erro na explicação deste último ponto: após 49 anos de contribuição, o trabalhador realmente tem acesso à 100% do benefício, mas esse valor não corresponde ao valor do último salário. De acordo com a nova regra, o benefício vai corresponder a 51% da média dos salários de contribuição. Em nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a instituição afirma que essa mudança causa uma redução no benefício, em relação à regra atual.
Resposta
A assessoria do ator Wagner Moura divulgou uma nota de esclarecimento sobre o assunto:
"Wagner Moura esclarece que diferentemente do que foi dito no vídeo publicado pelo governo federal em suas redes sociais no dia 14 de março, ele não foi contratado pelo MTST para vídeo contra a proposta de reforma da previdência.
Wagner participou voluntariamente da mobilização, pois ao contrário do que diz o vídeo do governo, acredita que essa reforma represente mais um enorme prejuízo aos direitos dos trabalhadores brasileiros."
* Estagiária sob supervisão de Anderson Costolli

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