Economia

Pobreza cresce no Brasil pelo segundo ano consecutivo

Encolhimento da economia no período 2015/2016 faz contingente de brasileiros pobres aumentar para 22 milhões, segundo a Fundação Getulio Vargas

Mônica Izaguirre - Especial para o Correio
postado em 25/06/2017 08:00
Lauana, de 16 anos, segura o filho, Caio, nos braços, com a mãe e avó ao fundo: quatro gerações sofrendo com a falta de estudo e o trabalho precário
A parcela de brasileiros abaixo da linha da pobreza aumentou pelo segundo ano consecutivo em 2016, após uma década de redução. Refletindo o impacto do desemprego e da inflação na renda do trabalho, o percentual, que já tinha subido de 8,4% para 10% em 2015, atingiu 11,2% no ano passado, pelos cálculos do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social).

A corrosão da renda do trabalho, formal e informal, ajudou a jogar na pobreza cerca de 5,9 milhões de pessoas nesses dois anos. Esse segmento, que era próximo de 16 milhões em fins de 2014, alcançou cerca de 22 milhões, disse ao Correio o economista Marcelo Neri, presidente do FGV Social e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Os números resultam de projeções feitas a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE). Neri considerou abaixo da linha da pobreza brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 230,00 por mês, a preços de 2016.

O aumento da pobreza desde 2015 foi reflexo da queda da atividade da economia, em um cenário de inflação ainda não domada. A inflação por si só já corrói o valor real dos salários. Ao provocar desemprego por causa da retração de investimentos e consumo, a recessão, instalada em meio a incertezas de empresas e consumidores sobre consequências econômicas do complicado quadro político, só piorou as coisas.

Em dois anos, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro encolheu 7,2%. Com as empresas produzindo menos, o desemprego disparou. Medida pelo IBGE, a taxa de desocupação de trabalhadores saltou de 6,5% para 12% entre os últimos trimestres de 2014 e de 2016. E continuou piorando em 2017, chegando a 13,7% no trimestre findo em março.

Horror

A redução dos empregos levou muita gente a aceitar remuneração menor ou a ficar sem salário. Assim, afetou a renda do brasileiro e o nível de pobreza. No Brasil, a renda do trabalho é determinante para a entrada ou saída de famílias das estatísticas de pobreza, lembra o sociólogo Rafael Guerreiro Osório, pesquisador do Ipea. ;O que mais importa é o desempenho do mercado de trabalho;, disse ele, avaliando que ;os dados da Pnad Contínua estão um horror; desde 2015.

Após cair 2% no último trimestre de 2015, a renda habitual do trabalho, indicador do IBGE que captura remuneração apenas de pessoas ocupadas, seguiu em declínio nos três primeiros trimestres de 2016 (-3,2%, -4,2% e de -2,1%, respectivamente), na comparação com igual trimestre do ano anterior.

Quando se olha a renda do trabalho pelos critérios do FGV Social, a situação revela-se ainda mais grave. A fundação considera os desempregados em sua base de cálculo e, portanto, que parte dos trabalhadores ficou sem salário, com a consequente piora da renda per capita das suas famílias. Por isso, o indicador da FGV detectou reduções mais fortes que as observadas pelo IBGE na mesma sequência de quatro trimestres: -4,21% -5,02% -6,03% e -5,17%. O dado do FGV Social também leva em consideração a renda informal, aspecto importante entre os mais pobres, cujas relações de trabalho são mais sujeitas à informalidade.

As estatísticas do IBGE sobre renda de pessoas ocupadas certamente também foram afetadas pelo desemprego, pois o aumento de disponibilidade de mão de obra tende a barateá-la. Mas o impacto fica mais evidente quando se consideram, como faz o FGV Social, os trabalhadores que ficaram sem salário por falta de emprego.

Embora em ritmo mais lento, o indicador do FGV Social seguiu em declínio inclusive quando a renda habitual do trabalho parou de cair. Enquanto o dado do IBGE mostrou estabilidade, a renda do trabalho considerada nas contas de Marcelo Neri caiu 2,83% no último trimestre de 2016 e 1,6% nos primeiros três meses de 2017.

Como disparou em 2016 e ainda está alta, a taxa de desemprego neste início de 2017 está influenciando a renda do trabalho até mais do que influenciou nas comparações de 2015 com 2016. Segundo Neri, o desemprego respondeu por nada menos que 80% da variação negativa de 1,6% detectada na renda no primeiro trimestre de 2017.

Mais comportada atualmente, a inflação deixou de ser fator preponderante em 2017, contribuindo para desacelerar a trajetória de redução da renda real do trabalho. Neri informa que, no seu momento de queda anual mais acentuada (-6,03% no segundo trimestre de 2016) o indicador do FGV Social chegou a ter 73% de sua variação negativa explicada pela inflação. No fim daquele trimestre, a variação em 12 meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, chegou a 8,84%.

Corrosão

A inflação corrói o poder de compra dos salários. Daí a importância das políticas macroeconômicas para manter relativa estabilidade de preços. Medida pelo IPCA, a inflação anual bateu em preocupantes 10,67% em 2015. Em 2016, caiu para 6,29 %, mas ainda ficou acima da meta do governo (4,5%). Em 2017, recuou bem, encerrando maio em 3,6% na medição em 12 meses.

A queda, em parte, foi decorrência da própria recessão dos últimos dois anos, que, ao ter inibido demanda por consumo, desestimulou reajustes de preços. A inflação também caiu por causa da política monetária do Banco Central, que, embora já tenha retomado o processo de redução da taxa básica de juros, ainda a mantém em patamar elevado. A chamada Taxa Selic influencia custos de financiamentos e empréstimos e juros de aplicações financeiras. Isso interfere nas decisões de consumo.

Embora em ritmo mais lento graças à queda da inflação, a renda do trabalho mais afetada pelo desemprego continuou perdendo valor real mesmo quando o nível de atividade econômica deu, recentemente, sinal de que o Brasil pode estar saindo da recessão.
Em relação a igual período de 2016, o PIB brasileiro se retraiu (- 0,4%) no primeiro trimestre de 2017. Mas teve aumento real de 1 % em relação aos três meses anteriores, interrompendo um ciclo de quedas que já durava oito trimestres. Ainda assim, por causa da elevada taxa de desocupação, a renda do trabalho medida pelo FGV Social teve perda real de 1,6%. O sinal, ainda fraco, de redução do desemprego só veio em abril, quando a taxa, apurada pelo IBGE, baixou de 13,7% para 13,6%.

A retomada econômica sem aumento de emprego se explica pela composição do crescimento do PIB. Pelo lado da demanda, a alta da atividade econômica foi puxada pelo comércio exterior e não pelo consumo do mercado interno. Não por acaso, pelo lado da produção, o que se destacou foi o agronegócio, que puxa exportações.

Desigualdade

Marcelo Neri destaca ainda que houve aumento da desigualdade de renda em 2015 e 2016. ;O Índice de Gini (quanto mais alto, maior a desigualdade), que vinha caindo desde 2001, subiu forte nos últimos dois anos;. Ele ponderou, por outro lado, que o percentual de brasileiros abaixo da linha da pobreza já foi muito maior do que os 11,2% observados em 2016. Em 2004, era de 25%. Proporcionado, entre outros fatores, pelo crescimento da economia em anos anteriores, o avanço social ficou longe de ser revertido.

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