Economia

Pobreza é um passado histórico não resolvido

Mário Lisbôa Theodoro, Christiane Girard Nunes
postado em 25/06/2017 17:27

A palavra pobreza remete à ideia de privação de acesso a bens e serviços, face à ausência de renda. Pobre é quem não tem dinheiro nem perspectiva de vir a tê-lo a curto ou a médio prazo. Há razões políticas, econômicas, sociais, genéticas, psicológicas, de contexto histórico, catástrofes ambientais, migrações forçadas, guerras, secas e muito mais.
O Brasil é exemplo perverso. Está entre as oito maiores economias do mundo. A despeito disso, há 20 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza, convivendo com nichos de riqueza, consubstanciando extrema desigualdade. Aqui, o problema primordial é a má distribuição da renda e consequente concentração da riqueza. Dados do Ministério da Fazenda divulgados em 2016 mostram que os 5% mais ricos entre declarantes do Imposto de Renda de Pessoa Física têm 28% da renda bruta e 28% dos bens e direitos líquidos do país.

Os números, conhecidos, suscitam a questão sobre que mecanismos mantêm esse quadro de iniquidade. Também perpetuam a pobreza a insensibilidade e a falta de comiseração, combinadas com significativos privilégios de grupos que detêm poder e riqueza. Além disso, o mapa da pobreza evidencia que ela tem cor, idade, sexo.

A indiferença a esse quadro esconde fenômeno velho mas que ainda vige no Brasil: a ausência de condenação moral da miséria concretizada. Miséria que, de outro lado, justifica a existência de privilégios vistos como direitos. Tal postura significa renegar o pacto que fundamenta a vida democrática em uma sociedade, no sentido do acesso a condições de igualdade. O pacto democrático porta em si promessa e dever: construir condições de igualdade frente aos desafios da integração social. Daqueles que não têm acesso à educação de qualidade nem à cultura, a uma renda digna ou a mediano padrão de consumo.

Secular no Brasil, a pobreza vem do ignominioso passado escravista. Mas é, ela mesma, resultado, efeito de um passado histórico não resolvido. O maior legado da escravidão foi o racismo, entendido como uma ideologia, um conjunto de crenças e valores sociais que classifica e ordena indivíduos em escala na qual o negro assume lugar mais negativo. Ao classificar os indivíduos, o racismo relativiza também direitos à cidadania.


Christiane Girard Nunes é socióloga, doutora e professora
de sociologia da Unb

Mário Lisbôa Theodoro é doutor em economia pela Universidade de Sorbonne e pesquisador visitante do Departamento de Sociologia da Unb

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