Economia

Aposentadoria não é sinônimo de fim de carreira

Poucas empresas investem em programas para o profissional sênior e não mensuram o impacto nos negócios. Mas esse comportamento tem mudado e há espaço para quem é atualizado

Estado de Minas, Lilian Monteiro
postado em 06/02/2018 17:38
Eloísio Pereira, de 60 anos, assistente de programador da Lafaete, afirma que não só passa conhecimento aos mais jovens, como também aprende com eles
O brasileiro vive mais e a população do país está envelhecendo. De 1940 a 2016, a nossa expectativa de vida ao nascer aumentou em mais de 30 anos, e atualmente é de 75,8 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E conforme o Relatório Mundial de Saúde e Envelhecimento, da Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com mais de 60 anos no Brasil deve crescer muito mais rápido do que a média internacional. Enquanto a quantidade de idosos vai duplicar no mundo até 2050, ela quase triplicará no país. Ou seja, a porcentagem de idosos deve alcançar os 30% até a metade do século. E essas pessoas precisam trabalhar. E se pensarmos na inevitável reforma da Previdência, então, é indiscutível que tanto o mercado precisa absorvê-las quanto o profissional tem de se preparar e acompanhar a demanda do empregador. É fato.
Eloísio Pereira, de 60 anos, assistente de programador da Lafaete, empresa mineira especializada em soluções construtivas, aposentado e há 15 anos trabalhando na organização, é um exemplo. Para ele, idade não define o profissional: ;Acredito que, pela minha experiência, passo aos mais jovens não só conhecimento técnico como de vida. O que ajuda a me manter no mercado. E os mais novos também têm o que ensinar porque, independentemente da idade, aprendemos o tempo todo.; Ele reforça que ;gerações diferentes juntas agregam, ambas podem ser professores porque toda relação é troca de conhecimento;.

Beth Barros, diretora regional da consultoria Lee Hecht Harrison (LHH) Minas Gerais, diz que o aumento da expectativa de vida é uma grande conquista do Brasil, já que nos países desenvolvidos isso já é uma realidade. Porém, algumas empresas ainda não se deram conta de que precisam ajudar o funcionário prestes a se aposentar, dando-lhe suporte e orientando-0 a vislumbrar novos caminhos. ;As corporações criam programas de trainees, de jovens talentos, mas deveriam investir também em projetos para beneficiar aqueles que colaboraram com a empresa e estão (ou não) de partida. Isso ajudaria a criar um clima mais saudável, de maior respeito, melhoria do processo de transmissão dos conhecimentos intergeracional, e tornaria menos traumática essa transição para todos.;
Beth Barros, diretora da LHH Minas Gerais, alerta que o profissional sênior que deseja fazer transição de carreira tem de levar em conta seu know-how

Segundo a especialista, grandes corporações normalmente estão reestruturando e mudando o escopo dos cargos, acreditando que funcionários mais velhos são resistentes às mudanças e às transformações. ;Sem investir em profissionais seniores, companhias desperdiçam um ativo importante para a transmissão da gestão do conhecimento e continuidade dos negócios.;

Mas há empresas que seguem caminho contrário. Na análise de Beth Barros, exemplo de gestor de visão é o que faz a mescla de gerações. ;As empresas que investem em programas de pré-aposentadoria para apoiar os funcionários a explorar alternativas de pós-carreira corporativa planejam a transmissão do conhecimento entre as gerações, minimizando os impactos negativos da transição para a próxima geração que continuará desenvolvendo o negócio.;

Beth Barros ressalta que muitas pessoas com mais de 60 anos chegam com disposição e vontade de permanecer no mercado de trabalho. ;O caminho é estar em movimento, buscando a constante atualização. Além disso, a experiência desses profissionais é de grande valor porque eles já passaram por diferentes experiências profissionais e por isso conseguem oferecer soluções com garantias mais assertivas.; A diretora reforça que é um equívoco as empresas acharem que a terceira idade está resignada a passar os dias jogando dominó nas praças. Ao dispensá-la, podem estar desperdiçando um ativo precioso.

Vida e carreira

A LHH tem um programa, chamado Vida na maturidade que engloba seis marcos: pesquisa de tendências de aposentadoria e trabalho; exploração das recompensas pessoais da vida; idealização da próxima fase; consideração de opções; avaliação de recursos; e criação e implementação de um plano de ação. O que tudo isso significa? Beth Barros explica que ;o programa estruturado de planejamento do pós-carreira corporativa, além de ajudar as organizações a planejar e implementar políticas de transmissão do conhecimento entre as gerações, contribui para o desenvolvimento dos profissionais em relação ao futuro desejado. Reforçam a sua autoestima em um momento de transição delicado de suas vidas. Ele ajuda a definir um plano de vida e carreira, considerando o equilíbrio entre vida profissional e pessoal;.

Há profissionais seniores preparados, mas também uma parcela que não será absorvida. O que fazer? Para Beth Barros, com o aumento da expectativa de vida, um planejamento financeiro mais extensivo se faz necessário. ;No pós-carreira, seja ela corporativa ou não, é importante levar em conta os talentos, motivadores, conhecimentos, competências e interesses. É interessante aplicá-los em alternativas como empreendedorismo, nova carreira, consultoria, vida acadêmica, atividades sem fins lucrativos ou lazer.; Por outro lado, Beth Barros enfatiza que há o sênior que quer fazer a transição de carreira. Nesse caso, ela recomenda que ele considere o seu know-how, experiência de vida, suas competências, talentos, interesses, condições financeiras e como se planejou para chegar nessa fase".
Roseluci Jaridm Mafia, professora do Ibmec-MG, avisa que as empresas querem profissionais que não se economizam, dos 18 aos 80 anos

O profissional e a empresa que ainda insistem em colocar na ordem do dia as diferenças diante do choque de gerações trabalham contra si. E a organização que ainda não enxergou que o colaborador acima de 60 anos tem seu valor e contribui com conhecimento e experiência, principalmente, para minimizar impactos no trabalho e na transição para a próxima geração, falha na gestão do seu negócio. Roseluci Jardim Mafia, professora de gestão de pessoas do Ibmec-MG, da Fundação Dom Cabral, e consultora de empresa para o desenvolvimento de líderes e equipes, alerta que para organizações sérias o que interessa é o capital intelectual. Ele é o que conta, não importa a idade.

Roseluci Jardim explica que a seleção atual contempla comportamento, seja jovem ou velho: ;As empresas procuram profissionais interessados, que saibam receber crítica, dar opinião, comprometidos, que trabalhem com qualidade e boa vontade, enfim, aqueles que não se economizam, dos 18 aos 80 anos;.

Agora, é claro que há pontos específicos para a faixa etária sênior. Para o profissional, a professora e consultora alerta que ele jamais deve entender que a idade é um limitador. O que depende da postura individual. ;Tem de saber que trabalho terá sempre, pode não achar emprego. E que não terá os mesmos ganhos ou a vida tranquila de antes, vai trabalhar muito mais. Há o ônus e o bônus. Tem de ser realista. É fundamental que esteja preparado, atento e se reciclando para conviver com as pessoas diferentes, e não só na idade. Logo, evite comentários preconceituosos, lembre-se do respeito a tudo que é novo, ou seja, não é o que fala, mas como diz, e não ache que o seu modelo é o único certo. E esteja certo de que as empresas sérias não contratam corpo, mas cabeça.; Do lado das empresas, Roseluci Jardim Mafia enfatiza que elas não podem abrir mão da experiência porque não há ninguém descartável no mercado.

Roseluci Jardim lembra que o choque de gerações sempre existirá. Mas o fundamental neste momento, diante das mudanças do mundo e do novo cenário do mercado de trabalho, é que todos se encaixem na chamada ;geração perennials, que não se identifica por idade, mas por comportamento. Um grupo que não é engessado. É aquele que faz dar certo e causa efeito ao seu redor, dá feedback;. A professora lembra que o profissional sênior tem seu lugar, ainda que seja mais difícil. A resiliência aqui é o tombar e levantar o mais rápido possível. Pode parecer frio, mas é a realidade. E, como sempre digo, é o que temos para hoje.;

Resultado

Quem se impõe e busca por espaço é Eloísio Pereira, de 60 anos, assistente de programador da Lafaete, empresa mineira especializada em soluções construtivas, aposentado e há 15 anos trabalhando na organização. ;Estudei até o ensino médio. Comecei a trabalhar aos 12 vendendo verdura, e não parei mais. De guarda mirim a fiscal de limpeza urbana da SLU, trabalhando na área administrativa em várias empresas até ser dono da minha, no ramo de entrega de documentos, que quebrou com o confisco da poupança no governo Collor e nunca mais consegui me reerguer. Mas fiz toda a minha formação profissional na área administrativa. Tudo na prática. E como empregado, sempre busquei meu espaço e nunca fui de pular de emprego. Tenho média de sete anos nas empresas em que trabalhei.;

Eloísio Pereira se aposentou há cinco meses e diz que continua feliz e trabalhando enquanto lhe derem oportunidade. ;Por ser popular, amigo, não me sinto constrangido com nada. Sei como lidar com as pessoas e convivo com os dois lados, jovens e maduros. E me sinto bem. Eu me relaciono com todos e acredito que, além do conhecimento, do tempo de empresa, consigo ver as dificuldades e ajudar, tenho trânsito confortável. Também conta a meu favor o fato de ter tido a minha empresa e entender de gestão de pessoas.;

Na carreira profissional, idade é o que menos interessa para Eloísio. ;O que importa no final é o resultado. Entregar o que é da sua competência. Seja qual for o profissional, ele recebe ordens e tem de levar as soluções. Temos de resolver e entregar o resultado. E se vejo falhas tento ajudar, porque nós falhamos, e nada tem relação com a idade.;


Coexistência para sobreviver


Marina Portela Fernandes Rodarte, professora de negócios e gestão de pessoas da PUC Minas, da Fundação Dom Cabral e da Skema Business School, consultora organizacional e gerente de RH da Torc, é pragmática e realista quanto ao mercado de trabalho para profissionais seniores: ;As empresas têm a tendência, não é um fenômeno de agora ou por causa da crise, de investir na juniorização, contratação mais barata e que assume até funções que não deveria. Há benefícios de custo, a presença de pessoas mais antenadas e ligadas no mundo atual. Por outro lado, há despesas com treinamento, de produção e, mesmo sem querer rotular gerações, é fato que jovens implicam mais rotatividade;. No entanto, ela enfatiza que ;existem iniciativas de trazer para o mercado mão de obra produtiva sênior, ainda que para o preenchimento de vagas operacionais, mais baratas. Há esse movimento no Brasil e, nos EUA, é até comum. No entanto, por lá é uma ação de responsabilidade social, com caráter de preservar a mente produtiva e não ociosa. O que não vejo como valorização profissional do sênior;.

Mas para tudo há saída. Marina Portela Fernandes Rodarte alerta que no mercado há cargos em que se o candidato for muito jovem será reprovado. Há seleções que exigem um profissional com experiência e que entenda da vaga em aberto profundamente. São cargos em que ter bagagem é fundamental e a empresa inteligente não abre mão desse perfil. As organizações precisam valorizar talentos seniores e esses têm de acompanhar a dinâmica do mercado, que muda constantemente. Ela avisa que o problema da bagagem é ficar apegado ao passado, no sentido que da forma que aprendeu ou fez é a maneira certa.

Resistência

Ainda sim, Marina Rodarte deixa claro que não se pode inovar sem pensar no que já existe, não é simplesmente descartar. E a tecnologia não é solução para tudo ou significa enxugar o quadro de colaboradores. Todos necessitam evoluir e isso vale para qualquer profissional, de todas as idades. O mundo muda e todos têm de acompanhar, senão terão problemas. ;É preciso que cada um saiba gerir sua resistência à mudança.;

Quanto aos patrões, Maria Rodarte reforça que a empresa ideal é a que adota o mix de profissionais jovens e maduros, já que ela depende de quem repassa conhecimento e de quem apresenta incômodo. É o caminho. ;Sei que muitas têm dificuldade de fazer essa gestão de conhecimento, competências e culturas. Mas quaisquer dos lados devem saber que não há como resistir às mudanças. E o profissional não deve ser apegado ao passado porque a ordem do mundo é se adaptar, aprender em qualquer idade, se preciso estar disposto a dar um passo atrás. Esse cenário também requer e exige um RH mais preparado para atender esse público que permanece no mercado e não tem de lidar com ações pejorativas, do tipo ;que bonitinho, trabalhando ainda;. A engrenagem do trabalho tem de entender, seja júnior, pleno ou sênior, que todos podem, devem e dependem de coexistir juntos.;

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