Ser Sustentável

Consciência ambiental e mudança social

Maior projeto de reflorestamento do mundo recupera áreas degradadas por usina de Itaipu. Iniciativa inclui projetos sociais que beneficiam habitantes de 29 municípios

postado em 10/11/2014 15:00

Comportas abertas na hidrelétrica de Itaipu

Um corredor verde com 104 mil hectares de mata nativa recuperada. Ligado a ele, mais 180 mil hectares de preservação em um parque nacional. Os números grandes podem parecer obra de país desenvolvido, mas a verdade é que tudo isso existe, está em solo brasileiro e tem pouco mais de dez anos de vida. O maior projeto de reflorestamento do mundo fica no Paraná, mais precisamente entre o reservatório da hidrelétrica de Itaipu e o Parque Nacional do Iguaçu.

A ideia de que a maior hidrelétrica em atividade no mundo deveria recuperar a área degradada pela construção da barragem começou em 2003. Na época de sua construção, em meados da década de 1970, foi preciso alagar uma área equivalente a sete Maracanãs e meio. Mas tão assustador quanto o tamanho da obra faraônica, é o impacto que os projetos de integração ambiental e social causam na região.

Além das mais de 24 milhões de árvores nativas plantadas, o corredor da biodiversidade trouxe de volta 55 espécies que não habitavam a área há tempos. Dessa forma, com um espaço que vai do Parque Nacional até a faixa de proteção do reservatório, os animais têm liberdade e garantem, assim, o aumento da diversidade genética.

Vista de parte do corredor ecológico

Apesar da área verde recuperada chamar a atenção pelo seu tamanho, o trabalho de preservação não parou por ali. A recuperação da bacia do Paraná envolve 29 municípios da região, atinge diretamente um milhão e cem mil pessoas e conta com projetos que vão desde a recuperação de matas ciliares ; que já cobrem 1350 km de margens de rios ; até o incentivo da pesca não predatória nas comunidades que ocupam áreas próximas à usina.

O investimento feito pela estatal para recuperar, aos poucos, as microbacias que formam a bacia do Paraná chegou a quase R$ 80 milhões nos últimos dez anos. No entanto, os mais de 284 mil hectares de flora e fauna, além da parte aquífera, recuperados, não poderiam se resumir somente a melhorias ambientais. Era preciso que natureza e homem conversassem em harmonia e que um pudesse interferir positivamente no outro. E para que isso acontecesse só havia um jeito: mudar a filosofia da empresa.

Diretor de coordenação da Itaipu Binacional, Nelton Friedrich explica que a estatal tomou a decisão de transformar a forma como era vista pela comunidade, bem como a maneira como atuava nas redondezas da hidrelétrica. ;Em 2003, aconteceu uma imersão de cem dias na empresa e mudamos o nosso planejamento estratégico. Concluímos que uma empresa estatal não deveria ser apenas isso, uma empresa. Era preciso que fosse feita inclusão social e produtiva;. A nova estratégia, criada por funcionários, considerou a estatal como uma empresa cidadã e como a binacional deveria ser vista pela comunidade nos próximos 40 anos. ;Foi aí que ficou claro que Itaipu deveria ser capaz de atuar no seu entorno e ser uma agente de desenvolvimento mais justo na sociedade;, diz.

Verde humano
Para unir consciência ambiental e mudança social foi criado o programa Cultivando Água Boa, que engloba 20 projetos e 65 ações em todos os 29 municípios que ocupam áreas próximas à bacia Paraná. De acordo com a estatal, cada cidade conta com um comitê gestor, que consegue gerenciar mais de perto as necessidades de cada região e os projetos que devem ser desenvolvidos para sanar essas deficiências. A ideia é que todas as decisões sejam tomadas em conjunto. ;A comunidade e a prefeitura listam sonhos que gostariam de ver realizados no município e, depois de entrar em consenso, são escolhidas as metas comuns;, explica Friedrich.

Graças ao envolvimento das comunidades, foi construída uma cadeia de consumo e produção sustentáveis. É o caso do projeto de incentivo à agricultura familiar e, somada a ela, ao cultivo de produtos orgânicos. De acordo com o agricultor Valmir Roque Andele, morador de Pato Bragado (PR), o incentivo à pequena propriedade multiplicou a renda. ;Nossa vida mudou;, conta.

Antes com uma propriedade de 70 hectares, Andele conseguia uma renda baixa com o trabalho em sua popriedade devido aos altos custos de manutenção e produção na terra. Hoje, onze anos depois, o tamanho do terreno caiu para 2,5 hectares, mas o lucro anual chega a oitenta salários mínimos.

;Isso é a prova de que você não precisa de muito para produzir com qualidade. Não é com grandes áreas que a gente faz dinheiro. Basta ter um trabalho bom e saber usar a terra do jeito certo;, diz Andele.

O agricultor Valmir Roque Andele e a família tiveram uma significativa mudança na renda mensal

Segundo o diretor da estatal, os bons números não são reflexo apenas das novas práticas no campo. Foi preciso mais do que isso. ;Somente com a reeducação foi possível mostrar como a agricultura familiar poderia mudar para melhor a vida na região;, explica Friedrich. E tanto mudou que, do primeiro ano do programa até hoje, a quantidade de famílias ativas na agricultura familiar orgânica saltou de 180 para pouco mais de mil e cem. A mudança foi tanta que Andele reconhece que a qualidade do plantio melhorou. ;Antigamente eu plantava mandioca, fumo, soja e outras culturas danosas umas às outras. Hoje o meu forte são frutas, como a uva, ameixa, banana e verduras;, afirma.

O escoamento da produção local tem endereço certo. Como uma forma de garantir alimentação de qualidade e a baixo custo, as escolas municipais atendidas pelo Cultivando Água Boa preparam 70% da merenda a partir do que é plantado nas redondezas, o que gera diminuição de custo com transporte, polui menos e garante renda para os produtores.

Tanque cheio
Entre os projetos da estatal surgiu mais uma proposta de envolvimento comunitário. O projeto Mais Peixes em Nossa Água tem como objetivo focar a atividade pesqueira no cultivo em tanques. O fim do uso das redes de pesca trouxe novas possibilidades de mercado para os pescadores profissionais.

É o caso de Estevam Souza, ativo no projeto desde 2006. Ao redor do lago de Itaipu existem 16 colônias e associações de pesca, algo até então impensável para a realidade pesqueira regional. Souza e os outros trabalhadores passaram por cursos de qualificação em apicultura, processamento de pescado e reaproveitamento de resíduos. A partir da iniciativa, eles estavam aptos a lidar com toda a cadeia produtiva e de cultivo dos peixes ; da engorda, ao processo industrial e também à comercialização do produto.

O pescador Estevam Souza não faz mais uso da pesca extrativista


;A gente tem consciência que a pesca tradicional vem diminuindo não só na nossa região, mas no mundo todo. É por isso que a gente vê a produção de peixe em tanques como um grande mercado e um novo negócio para a região;, explica Estevam. De vento em popa, a produção não pára de crescer. Só este ano, o pescador espera produzir entre 25 e 30 toneladas de peixe, número ainda modesto para a expectativa de cultivar a tilápia, próximo passo do projeto. O peixe, tradicional na culinária nacional, deve ser inserido no leque de peixes cultivados pelos ribeirinhos. Estevam afirma que o objetivo é que a produção chegue a cem toneladas anuais. Pode parecer exagero, mas essa não é mais uma história de pescador.

Fitoterápicos em alta
Com o incentivo a cadeias de produção sustentáveis, a região da bacia Paraná 3 se consolidou como pólo nacional de cultivo de plantas medicinais. A fitoterapia é receitada em 40 postos médicos dos 29 municípios e segue em produção de larga escala para o resto do país. O uso não fica limitado ao combate de doenças e o leque de opções de produtos é variado. É ali que também é desenvolvida parte da matéria-prima usada pelas indústrias de cosméticos.

Números do projeto
- 93 Bélgicas é a área equivalente ao corredor da biodiversidade de Itaipu
- 1,1 milhão de pessoas são impactadas diretamente pelo Cultivando Água Boa
- 8 milhões de reais foi o lucro que os pequenos agricultores deram para a região
- 70% da merenda escolar dos 29 municípios é produzida de forma orgânica pela agricultura familiar
- 1700 quilômetros de estradas foram recuperadas para facilitar o escoamento da produção local

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