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Movimento para ensinar a paz

A decisão de atrair os pais às unidades de ensino foi fundamental na transformação do ambiente de centros educacionais do Paranoá e de Samambaia. Em lugar de drogas e agressões, educação de melhor qualidade

Adriana Bernardes
postado em 07/04/2014 14:00
Samambaia: no Centro Educacional 123, os alunos têm até sala de cinema para complementar a formaçãoO Centro de Ensino Fundamental 1 já foi conhecido como a Papudinha do Paranoá, uma referência à unidade prisional da cidade. ;Aqui, tinha aluno vendendo droga, e a polícia pulando o muro para pegar bandido. Sem falar das brigas;, relata o diretor, João Braga. Na última reportagem da série ;O bê-á-bá da violência;, o Correio conta como professores, alunos e comunidade atuam para resgatar um ambiente sadio dentro das instituições de ensino no Paranoá e em Samambaia.
[SAIBAMAIS]
No Paranoá, a rotina de violência intramuros está no passado. Visto pelo lado de fora, o paredão de concreto alto, pichado e com arame farpado em cima lembra o cenário de tantas outras instituições dominadas pelo medo. Mas do portão para dentro a sensação é outra. Alunos com autoestima elevada, engajados na melhoria da instituição e com planos de entrar na faculdade. ;Quando eu gritava no pátio, vamos ser a melhor escola de Brasília, eu ouvia vaias. Agora, escuto vibração. Quando o primeiro aluno passou na UnB, virou notícia. Agora, temos muitos outros casos, não só na UnB, como em outras instituições;, cita Braga, orgulhoso.

Para promover a mudança, a direção atuou de duas formas. No primeiro momento, há cerca de 8 anos, com rigidez, e, agora, com o diálogo, que se tornou palavra de ordem. ;Não só com os alunos, mas também com os pais e com a comunidade. Esse contato estreito com os moradores, muitos deles com filhos no colégio, tem feito a diferença;, relata João Braga. O tratamento dispensado aos familiares também mudou. ;Aqui, os pais são recebidos com um sorriso no rosto. Eu trabalho para eles. Nós estamos aqui, para servi-los;, detalha o diretor.

A direção do Centro de Ensino Fundamental 1 do Paranoá é compartilhada com alunos, funcionários e familiares. A responsabilidade de decidir onde serão gastos os recursos repassados pelo governo é dividida. ;O Conselho Escolar decidiu instalar bancos e mesas de concreto por todo o pátio. Arrumamos os banheiros e colocamos um espelho que estava sem uso em frente ao bebedouro. Agora, o aluno passa ali, se vê e se reconhece. Isso faz uma diferença enorme;, diz João Braga.

Por decisão do conselho, a direção investiu parte dos recursos para equipar a sala de informática e comprou um equipamento de som. Toda a área é monitorada por 52 câmeras, que são uma ferramenta importante para promover a sensação de segurança.

Eleita para o primeiro mandato como representante dos alunos, Leandra Nouryen Cardoso de Moura, 15 anos, cursa a 7; série e planeja prestar vestibular para direito. A fama ruim da escola, ela só conhece de ouvir falar. ;Isso não existe mais. Aqui, os professores são mais próximos do aluno. Perguntam se precisamos de ajuda para melhorar a nota, não chamam a atenção na frente de todo mundo. Há mais diálogo, sem brigas ou discussões;, conta.

Cinema

A sensação ao entrar no Centro Educacional 123 de Samambaia é a de estar em uma escola privada. Os alunos desfrutam de uma sala de cinema, de uma biblioteca de causar inveja, espaço para ioga, jiu-jítsu e quadra coberta para a prática de esportes. Voluntários ajudam na educação no contraturno. ;Temos pelo menos cinco casos de aprovados na UnB no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sem contar os que conseguiram bolsas;, relata o diretor, João Jorge Carneiro Alvarenga.

A parceria com o Batalhão Escolar e com os pais foi fundamental para mudar o quadro de violência e de alunos pouco motivados encontrado por Alvarenga em 2008. Um dos orgulhos do diretor são os encontros que conciliam aprendizado e diversão. Na semana da Consciência Negra, a desconstrução do preconceito é intensificada. Para encerrar a atividade, é servida uma feijoada. ;No Encontro da Família, os pais vão até a escola e mostram os saberes populares. A festa junina é um dos eventos mais concorridos. Tudo é produzido e consumido pelos estudantes e seus familiares. No ano passado, reunimos mais de mil pessoas aqui. É a integração da escola com a sociedade. Isso muda a educação. O apoio em casa é essencial;, completa.

A resolução de desavenças por meio do diálogo é o caminho perseguido pelo Batalhão Escolar (leia Para saber mais). O comandante, tenente-coronel Fábio Aracaqui de Sousa Lima, recentemente criou um grupo de mediação de conflitos, e o projeto-piloto será no Caseb da Asa Sul, onde, há cerca de um mês, um estudante foi baleado por dois colegas dentro do pátio. ;Vamos definir atribuições. Pais, vocês querem ajuda? Então, façam isso em casa. Diretor, aqui, na escola, você faz assim. A mim, polícia, cabe fazer isso. Esperamos que dê certo;, antecipa o militar.

Além disso, o comandante cita a instalação dos 16 polos do batalhão escolar em instituições de ensino localizadas em pontos estratégicos. "Temos o projeto Educar para a Cidadania, com 28 temas definidos, entre eles, gangues, pedofilia e bullying. Estamos investindo na capacitação do nosso policial e no envolvimento dos conselhos de segurança e da comunidade escolar na resolução dos problemas", cita o tenente-coronel Sousa Lima.

Apesar de a realidade hoje ;ser mais cruel; que na década de 1980, o coronel Túlio Cabral Moreira, primeiro comandante do Batalhão Escolar, acredita que as condições de segurança nas instituições de ensino vão melhorar se todos os envolvidos cumprirem com suas obrigações. ;Temos o Programa de Segurança Escolar, os Conselhos de Segurança, o decreto do perímetro escolar. Mas toda a carga cai para a segurança pública. É impossível fazer o ostensivo perfeito;, diz. Apesar disso, o coronel Túlio defende a permanência de dois policiais por escola. ;Só fazer ronda não adianta. Além do ostensivo, equipado com rádio, é preciso ter guarnições para serem acionadas;, defende.

Para saber mais

Origem da unidade

A criação da unidade está diretamente ligada a um caso de violência que escandalizou o Distrito Federal: o assassinato de Dilsa Lourenço, 14 anos, dentro de uma sala de aula do Gama, em 1989. Ela foi morta por engano. Na década de 1980, eram quase mil homens. O primeiro comandante da unidade, coronel Túlio Cabral Moreira, hoje com 67anos, conta que o policial tinha que ser casado, sem nenhuma punição e morar na área onde atuaria. ;Eram dois policiais por escola. Não havia rodízio e eles eram proibidos de entrar na instituição. Toda a semana, tinha aula de capacitação, educação física e avaliação do trabalho;, lembra.

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