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A cara neoliberal da UnB

Eleita pela quarta vez consecutiva, diretoria do DCE mantém distância de partidos políticos e evita discurso esquerdista, típico das universidades

postado em 04/10/2015 13:58
Gabriel Bertone, Sophia Ludovice e Victor Aguiar formam a tríade de alunos à frente do diretório estudantil
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade de Brasília (UnB) estava cheio na noite de quarta-feira, ainda em festa com a vitória, pela quarta vez consecutiva, da chapa Aliança pela Liberdade. A última eleição, que terminou em 24 de setembro, levou às urnas 5.885 eleitores e, entre os votos válidos, a coligação reeleita ficou com 59,6% deles. ;Na primeira vez que fomos eleitos, tivemos 20% dos votos. Na segunda, 40%. Na terceira, 54%. E, agora, quase 60%. Isso significa que o estudante tem entendido o que defendemos para a universidade;, acredita o acadêmico de direito Victor Aguiar, 20 anos, uma parte da tríade que coordena a gestão até o ano que vem.

Com ele, estão o aluno de engenharia elétrica Gabriel Bertone, 20, e Sophia Ludovice, 19, que estuda engenharia química. Os três agora fazem parte de uma herança representada pela imagem de Honestino Guimarães, o icônico líder estudantil que dá nome ao DCE e morreu devido à luta contra a ditadura militar. Os alunos da UnB, em 2015, porém, não têm mais um inimigo comum e vivem um momento no qual a representatividade dos movimentos de esquerda é contestada. A dificuldade em conseguir equilibrar um discurso que conquiste o corpo discente é uma das causas que justificam a manutenção da Aliança pela Liberdade, uma chapa de cunho pragmático e liberal, à frente do DCE.

;Nós interpretamos que a recondução deles é a prova de que a esquerda precisa retificar seu trabalho em setores da universidade que ainda não alcançamos. A eleição foi limpa e justa, mas parte da esquerda abandonou a discussão de temas referentes à universidade;, acredita João Marcelo Marques Cunha, 19, estudante de sociologia e membro da chapa É possível outro DCE, que ficou em segundo lugar. O desencontro dos movimentos esquerdistas dentro da UnB não é a única razão para entender a vitória da Aliança pela Liberdade. ;Mudamos a cara do movimento estudantil. Agora, ele busca pautas viáveis e pragmatismo para que as coisas realmente aconteçam, para que o estudante possa ver mudança;, defende Sophia.

Quando venceu a primeira eleição, em 2011, a Aliança pela Liberdade fez história. Era a primeira vez, desde a redemocratização do país, que uma chapa apartidária chegava ao DCE. Mesmo que a essência se mantenha, os discursos se tornaram mais conciliatórios e menos carregados de referências políticas. Questionados sobre o movimento grevista dos servidores técnico-administrativos das universidades federais, desde maio, eles são taxativos: reconhecem a legitimidade, mas não escolhem lado. ;Nesse período, muitos alunos foram prejudicados. Só que a grave é legítima, pelas pautas levantadas. Mas não somos nós, alunos, que devemos falar ;Fora, greve; ou ;Pró-greve;;, afirma Gabriel. Para o grupo, o foco do trabalho deve ser a ação.

Além de celebrar conquistas da administração anterior, como a implantação de toldos nas paradas de ônibus do câmpus Darcy Ribeiro ; conseguidos por meio de uma doação da Federação das Indústrias do DF (Fibra) ;, eles reforçam as propostas mais voltadas ao uso prático do conhecimento adquirido em sala de aula, principalmente em programas de extensão e empresas juniores.

Sem militância
Para o doutor em ciência política e professor do curso de relações internacionais da UnB Calos Pio, a ideologia apartidária defendida pela Aliança pela Liberdade é um ponto fora da curva em relação ao movimento estudantil em todo o país. ;Mais ainda quando comparados com outras universidades federais. Eles têm um perfil no qual a militância não atrapalha a formação. Não são estudantes profissionais, que passam anos na faculdade.; O viés ideológico mais liberal é um ponto de crítica entre os que não defendem a gestão, que já foi acusada de desmobilizar o movimento dentro da UnB. Nas eleições do ano passado, 9.788 alunos votaram, contra os 5.885 do pleito de 2015, de um universo de mais de 40 mil. A Aliança se defende argumentando que, mesmo com a diminuição do número de eleitores, sua percentagem aumentou, o que demonstraria que são as outras chapas quem não têm poder de mobilização.

;Esse rótulo, com certeza, não se encaixa. Somos um grupo plural, que se baseia em princípios, independentemente do pensamento político da pessoa. Se ela se enquadra nesses princípios, ela é bem-vinda;, garante Victor, que se identifica com o pensamento político esquerdista. Carlos Pio acredita que enxergar a diminuição de eleitores como um reflexo do desengajamento é limitar a discussão. ;Talvez, até mesmo pela sensação de que a eleição estava vencida, os alunos tenham votado menos. A percentagem de adesão sempre foi pequena e o movimento de esquerda estudantil virou oposição de si mesmo.;

João Marcelo Marques Cunha também não acredita em uma identificação conservadora como justificativa para a vitória da Aliança em 2015. O estudante entende a UnB como um ambiente conservador, mas não seus alunos. ;Essas forças atuam aqui com muita intensidade, inclusive na Aliança. Mas os eleitores não são majoritariamente de esquerda. Eles foram convencidos pelo discurso que aborda os problemas do cotidiano.; Contudo, ele vê um distanciamento do fazer político entre os membros da chapa vencedora e teme que isso diminua ainda mais o quórum nas próximas eleições. ;No fundo, eles são apolíticos para se desassociar dos vícios da política. Mas sua discussão é um princípio de Darcy Ribeiro: serve para pensar os problemas do Brasil e como solucioná-los.;

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