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"Estamos sendo atacados na nossa autonomia", diz reitora da UnB ao Correio

O deficit de R$ 92,3 milhões, uma dívida com a Justiça do Trabalho de R$ 2 bilhões e mais um corte milionário no orçamento para investimentos estão entre os problemas enfrentados pela Universidade de Brasília este ano

Mariana Niederauer
postado em 02/04/2018 06:00


A última semana da reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão, começou com protesto de estudantes, servidores técnico-administrativos e terceirizados em frente ao prédio da Reitoria. Na terça-feira passada, ela foi ao Ministério da Educação (MEC) pedir a liberação de mais recursos para sanar o deficit de R$ 92,3 milhões, sem sucesso. Na quinta, explicou a situação orçamentária em reunião com a comunidade acadêmica, sob protestos do público, indignado com a possibilidade de cortes nos contratos de terceirização e de aumento no valor da refeição do Restaurante Universitário.


Eleita em primeiro turno, em 2016, ela afirma ter sido surpreendida não só pela situação das contas da universidade e pelos sucessivos cortes, mas, principalmente, pela aprovação, no fim daquele ano, da Proposta de Emenda à Constituição que estabelece um teto para os gastos públicos pelos próximos 20 anos.

Segundo a reitora, as contas não fecham, e a universidade pode ficar sem dinheiro para pagá-las em maio, conforme anunciado na semana passada. Mesmo com um aumento de receita estimado em R$ 50 milhões, a redução das despesas precisa ser próxima de R$ 40 milhões. Uma dívida com a Justiça do Trabalho de mais de R$ 2 bilhões e a perspectiva de corte de R$ 14 milhões nos investimentos ; em razão de anulação de dotações orçamentárias definidas pelo governo federal na Lei n; 13.633, de 12 de março de 2018 ; agravam o quadro.

Em entrevista ao Correio, Márcia Abrahão fala sobre a crise, a necessidade de ter o apoio da comunidade acadêmica na busca por soluções e acusa o MEC de atacar a autonomia da universidade com a restrição orçamentária. ;Eu não estou discutindo o que eles mandam para mim, mas o que mandam para a universidade tem sofrido cortes abruptos;, diz. Confira os principais trechos a seguir.

Foi uma surpresa ter chegado à Reitoria com deficit desse tamanho?
O mais importante foi o que veio depois: a aprovação da PEC do Teto Orçamentário, em dezembro de 2016. Essa emenda constitucional congelou por 20 anos os gastos chamados discricionários, e isso impacta principalmente na saúde e na educação. Agora, o bolo tem que ser dividido com todo mundo.

Vê o risco de a UnB chegar à situação de outras federais e não conseguir fechar o semestre?
Estamos trabalhando e conscientizando a comunidade para manter a universidade funcionando. E essa é uma forma de resistência também, porque a quem interessa que a nossa universidade não funcione? Não é à nossa comunidade, não é a mim.

As principais propostas que estão sendo colocadas e muito criticadas são o corte de contratos de terceirização e o aumento do valor da refeição do Restaurante Universitário. Como isso afeta a sua gestão?
Isso afeta o funcionamento da universidade. Antes de ser eleita, eu fui a decana responsável pela expansão da UnB, com o Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). Nós tínhamos muitos recursos. Essa universidade tem, hoje, vários cursos criados naquela época com nota máxima, todos os câmpus já têm pelo menos mestrado, só no Gama não há doutorado. Então a comunidade votou também numa gestora que sabe gerir recursos, e uma gestora dessa precisa saber gerir na escassez. A principal proposta não é redução de custos, isso é o que afeta mais, porque é duro, é dramático. A principal proposta para 2018 é aumento de receita.

Há uma estimativa de quanto precisaria ser o corte de terceirizados?
Quando falamos em contratos, nem sempre são terceirizados. Estamos trabalhando, por exemplo, para diminuir a conta de luz. Precisamos reduzir os contratos em cerca de 16%. Aproveito para fazer um apelo às empresas, que façam como fizemos no RU: repactuamos o contrato e conseguimos uma redução de 15% sem nenhuma demissão.

Esperam uma proposta alternativa para reduzir esses gastos?
Nós estamos abertos a alternativas desde o ano passado. Montamos uma comissão, que analisou a situação, e isso foi discutido no CAD (Conselho de Administração). Mas os dados são claros. Na terça-feira, fui ao MEC, mais uma vez, pedir recursos, lembrá-los do corte de R$ 80 milhões de 2016 para 2017, e a resposta é: ;Nós não podemos fazer nada.;

O MEC tem usado o argumento de que a universidade tem autonomia para gerir os recursos...
Autonomia para gerir os baixos recursos. Eles falam uma coisa, mas vocês certamente entendem outra. Não estou discutindo o que mandam para mim, mas o que mandam para a universidade tem sofrido cortes abruptos. A quem interessa que a universidade tenha cortes abruptos?

O que de mais importante sua gestão fez até o momento?
De 2017 para 2018, aumentamos em 20% o orçamento de faculdades e institutos. Também com toda essa dificuldade estamos fazendo um esforço na área de pesquisa e inovação, criei um decanato. A UnB, em dois anos, saiu de 18; para 8; universidade mais empreendedora do país; retomei obras que estavam paradas, como dois blocos de ensino de graduação (nas faculdades de Saúde e de Tecnologia), iniciadas quando eu estava no Decanato de Graduação. Temos feito várias ações na manutenção dos câmpus. No Darcy Ribeiro, as árvores estão podadas, por conta da segurança, e instalamos corredores de iluminação. Organizamos ainda o pagamento de pessoas físicas. A UnB tem uma dívida com a Justiça do Trabalho de mais de R$ 2 bilhões por pagamentos irregulares de pessoa física. Estamos sanando isso.

O que são esses pagamentos irregulares?
Eu não posso contratar, por exemplo, uma pessoa física para um cargo em que é obrigatório o ingresso por concurso público. Às vezes, a universidade fazia isso. Já há alguns anos o Ministério Público do Trabalho vinha questionando a UnB, chegou a um ponto que judicializou (a questão), antes da minha posse, e assumi com essa situação.

Existe temor de greve de servidores e de terceirizados por conta dos cortes?
Estamos conduzindo uma universidade que tem sido atacada violentamente, e esses movimentos grevistas são legítimos, eu os respeito, eles são uma forma de defesa da universidade. Assim como eu estou defendendo a universidade na forma que me cabe, institucionalmente ; vou ao MEC, vou ao Congresso, estou aqui dando entrevista ; as entidades têm a forma delas de defesa da UnB, tanto sindicatos quanto o DCE (Diretório Central dos Estudantes). Não é uma questão de temor, é a forma como eles pretendem agir. O que nós queremos é conscientizá-los, cada vez mais, da origem do problema, e que eles nos ajudem a buscar as soluções.

O Departamento de Ciência Política oferece, neste semestre, disciplina sobre o ;golpe de 2016;, que, após muitas críticas, recebeu apoio de outras instituições no país. Isso mostra a vocação da universidade de trazer debates que incomodam?
A UnB foi criada para ser protagonista e para incomodar. O que houve com essa disciplina foi mais um ataque à nossa instituição, à universidade em geral, por isso essa reação tão forte no país e no exterior. Nós, acadêmicos do mundo, vimos que estavam sendo desrespeitados princípios fundamentais: a autonomia e a liberdade de cátedra. Nós demos todo o apoio para o professor Luis Felipe Miguel fazer a disciplina e a blindamos para ela poder acontecer. E aqui existe liberdade inclusive para cursá-la ou não, é optativa, faz quem quer. Assim como somos atacados no nosso financiamento, estamos sendo atacados na nossa autonomia. Outro ataque à nossa autonomia é que, pela primeira vez, este ano, uma parte do nosso recurso para investimento está preso no MEC e o ministério utiliza como quer.

Há perspectiva de quanto será cortado da UnB?
De investimentos, caiu de R$ 56 milhões em 2016 para R$ 24 milhões em 2017 e R$ 8 milhões, em 2018, isso com recurso do Tesouro, que é recurso do governo. Como é que você avança nos rankings internacionais com isso?

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