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Com a compreensão da família

Pesquisadores têm, muitas vezes, de se dedicar incansavelmente aos estudos, o que pode significar pouco tempo para os companheiros e para os filhos. Série de reportagens mostra os desafios de se fazer ciência no Brasil

Carolina Cotta
postado em 13/05/2013 18:00


"Sou professor e queria que as crianças, os jovens e as escolas pudessem gostar das estrelas como eu" Bernardo Riedel, astrônomo aposentado que criou uma fábrica de telescópios. Na foto ao lado, aparece ao lado da mulher, Elza
Belo Horizonte ; Se a vida de pesquisador não é fácil, a da família de pesquisador, também não. A dedicação à ciência quase sempre se transforma em um projeto de vida, e toda a atenção dedicada parece pouco. O dinheiro também. A partir de hoje, uma série de matérias busca se enveredar pelo mundo acadêmico para mostrar como é o dia a dia dos cientistas no país, as dificuldades enfrentadas, o desafio de morar no exterior e voltar. As reportagens também vão lembrar aqueles que, um dia, quando a tecnologia mal existia, deram sua contribuição de forma tão singular que são referência até hoje.

O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Bernardo Riedel, 72 anos, se aposentou como ótico do Observatório Astronômico Frei Rosário, na Serra da Piedade, em Caeté (MG), a 50km de Belo Horizonte. Mas a paixão pela astronomia sempre foi tão marcante que ele investiu, do próprio bolso, mais de R$ 1 milhão no sonho de produzir telescópios amadores em escala. ;Sou professor e queria que as crianças, os jovens e as escolas pudessem gostar das estrelas como eu.; Para tristeza de Riedel, nenhum dos filhos seguiu sua profissão. Mas sentiram sua ausência.

Ele reconhece que a prole foi praticamente criada pela mulher, a professora aposentada Elza Riedel, 70, que lembra dos olhares atentos dos filhos durante as cerimônias de formatura, às quais o pai chegava já no fim. ;Ele ficava o dia inteiro, e as noites também, fazendo seus telescópios. Quando nos casamos, ele tinha um laboratório de análises clínicas (Riedel é originalmente do Departamento de Farmácia da UFMG). Vendeu e colocou todo o dinheiro na pesquisa. Assim como vendeu lotes, casas e aparelhos caros. Tudo o que ele ganhava ia para os equipamentos;, lembra a mulher.

Elza estocava comida com o seu salário de professora. Tinha de comprar tudo o que precisaria para o mês. A vida social também foi prejudicada. A paixão de Bernardo pela astronomia não o permitia frequentar festas. Todo o tempo livre era destinado à construção dos equipamentos óticos. ;Às vezes, recebíamos um convite para casamento, e ele dizia, sério: ;Quem é que se casa no sábado à noite?;, achando um absurdo aquele compromisso.; Para Elza, ninguém está preparado para tanta dedicação. ;Foi muito sofrido para mim, mas não tenho raiva da fábrica, nem da Lua;, brinca ela, fazendo uma alusão à paixão de Riedel pelo Universo.

Quase juntos
Do outro lado do mundo, Ana Carolina Vimieiro, 28 anos, está dormindo. Para ela, hoje já é amanhã. E mesmo tendo se mudado para a Austrália para acompanhar o marido nos estudos, ela nem sequer acorda ao seu lado. Culpa da ciência. Ana aproveitou a oportunidade para fazer seu doutorado em comunicação pela Queensland University of Technology, em Brisbane. Já o marido, o doutor em computação Renato Vimiero, 30, é pesquisador do Hunter Medical Research Institute, da University of Newcastle. ;Pelo menos é só uma hora de voo entre nossas casas. Melhor que os dois dias de viagem que nos separavam quando ainda estava no Brasil;, comemora Ana.

O casal de pesquisadores está junto há 11 anos. Renato chegou à Austrália em 2008 para o doutorado. Ana ficou no Brasil, terminando seu mestrado. Casaram-se na sequência e, uma semana depois, Renato já estava na universidade. ;Ele passou nossa lua de mel na Austrália, e eu, no Brasil;, ri a mulher. Por enquanto, nada de filhos. Mas o casal já publicou dois artigos em coautoria. ;Nas nossas conversas, percebemos que os métodos que ele pesquisa poderiam ser utilizados em áreas como a minha. Daí, começamos a produzir juntos sobre a aplicação de técnicas computacionais a dados das ciências sociais;, explica ela.

É comum entre os pesquisadores que o tema de estudo se torne parte integral de suas vidas domésticas. Não é diferente com Ana e Renato, a ponto de exigir dos dois um policiamento para não trabalharem mais do que o necessário. ;Ele extrapola o tempo na universidade. A sorte é que eu também. Digo isso porque deve ser muito difícil ser esposa de pesquisador se você também não é. Eu compreendo a cabeça dele e a paixão que move um cientista. Quem não compartilha a mesma profissão não necessariamente consegue entender;, acredita Ana.

Apesar de compartilhar a mesma rotina do marido, ela, por outro lado, sofre com o olhar descrente dos de fora da área. ;É comum ouvir a pergunta: ;Você só estuda?; Tanto ele como eu só estudamos, e assim nos sustentamos. Esse desconhecimento sobre a figura do pesquisador gera muitas situações complicadas, sobretudo porque é uma profissão em que o investimento é a longo prazo. Às vezes, é difícil lidar com o fato de que você, apesar de ser, na maioria das vezes, o mais estudado no seu grupo de amigos, será o último a ser considerado socialmente ;bem-sucedido;;, pondera.

Outra cultura
Na casa de Cláudia Oliveira Gastelois, 47 anos, a dedicação quase exclusiva à pesquisa é uma realidade com a qual ela já se acostumou: convive com o marido Pedro Lana Gastelois, 47, apenas nos fins de semana, uma vez que ele estende a jornada dando aulas noturnas para complementar o salário. Recentemente, o casal voltou de uma temporada na Alemanha onde ele cursou parte de seu doutorado e para onde toda a família, incluindo a filha Clara, 16, se transferiu por dois anos.

Tecnologista pleno no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Pedro fez parte do doutorado no Instituto Max Planck, em Halle Saale. A mulher e a filha ficaram em Berlim, onde se reuniam nos finais de semana. Ele foi com seu salário e ganhou uma bolsa extra da instituição alemã para gastos com moradia. Foi uma oportunidade para Cláudia fazer cursos e para a filha conviver com uma cultura diferente. As dificuldades não eram poucas, como o frio e as diferenças sociais e culturais. ;Mas nada que se compare à experiência, ao aprendizado e ao crescimento;, acredita ela.

Entretanto, ela diz conhecer outras mulheres que não se acostumaram à rotina dos maridos cientistas. O formato que o casal Gastelois escolheu, morando em cidades diferentes, foi bom para a pesquisa. ;Pedro tinha liberdade para se dedicar ao máximo. Às vezes, virava noites fazendo os experimentos. Quando chegava a Berlim, era só festa.; E assim, familiares de pesquisadores, mesmo passando longe de um laboratório, tornam-se parceiros do conhecimento.

Leia amanhã: Os maiores obstáculos à ciência brasileira

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