Mundo

Transplante de medula elimina HIV

Médicos alemães injetam células-tronco em paciente com Aids e leucemia. Após 20 meses, exames não acusam o vírus no organismo

postado em 14/11/2008 07:44
O paciente de 42 anos tinha Aids havia mais de uma década, estava com leucemia mielóide e dependia de um transplante de medula óssea para permanecer vivo. Chegou ao hospital Charité Medical University (Berlim) em março de 2007 e foi atendido pela equipe do médico Gero Hütter. Diante da gravidade de seu estado de saúde, o norte-americano se submeteu a um regime de poderosas drogas e ao tratamento à base de radiação, o que praticamente destruiu seu sistema imunológico. O Registro Central de Doadores de Medula Óssea da Alemanha identificou 232 pessoas com antígeno leucocitário humano (HLA) idêntico, o que demonstrava compatibilidade. Hütter quis ir mais além e optou por injetar em seu paciente células-tronco retiradas da medula de um portador da mutação Delta 32. A anomalia, herdada tanto do pai como da mãe, impede que a molécula quemoquina (CCR5) se projete para fora dos glóbulos brancos e funcione como uma ponte para a entrada do vírus HIV no organismo. Dos 232 doadores, 80 apresentavam essa mutação. A chance de se encontrar um doador com medula compatível e com essa mutação é de apenas 1% na Europa. Resultado: depois do transplante, o homem saiu do hospital sem o vírus da Aids e curado da leucemia. No dia em que recebeu as células-tronco, o paciente interrompeu o tratamento com antiretrovirais. Sessenta e oito dias depois do transplante, os médicos realizaram uma contagem da carga viral ; o teste DNA-PCR indicou sorologia negativa. Após recuperar a capacidade imunológica, o homem repetiu os exames no 285º dia. ;A carga de HIV-1 não pôde ser detectada no sangue periférico, na medula óssea e na mucosa retal;, escreveram os hematologistas em um estudo apresentado na 15ª Conferência sobre Retrovírus e Doenças Oportunistas, que ocorreu entre 3 e 6 de fevereiro em Boston (Estados Unidos). Em entrevista ao Correio, por e-mail, Gero Hütter mostrou-se incomodado com a repercussão da façanha. Ele contou que o estudo estava sob revisão de uma ;prestigiosa; revista norte-americana de medicina havia mais de um ano. ;Por causa de um relato não-autorizado ao jornal The Wall Street Journal, a notícia se espalhou como um incêndio pelo mundo;, disse. ;Má sorte para mim, pois esse pode ser o fim de nossa inscrição do estudo científico.; A ordem no hospital Charité ontem era de silêncio absoluto e o próprio Hütter se negou a comentar a pesquisa. Na comunidade científica internacional, as reações à pesquisa foram de otimismo e desconfiança. O infectologista norte-americano John J. Rossi reconhece a importância da descoberta, mas lembra que ela contemplou apenas um paciente. ;Há muita esperança de que o uso de células com a molécula CCR5 modificada em transplantes possa ser um tratamento contra o HIV, mas o mundo está muito longe da cura da Aids e só podemos confiar em terapias que mantenham o controle do vírus;, explicou à reportagem. Ele usa o HIV geneticamente alterado para transportar até os glóbulos brancos um gene capaz de desativar a CCR5 e dois outros que incapacitam o vírus. Por telefone, Anthony Fauci ; diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA e pioneiro na luta contra a Aids ; também adotou cautela. Segundo ele, o vírus pode não ter sido completamente eliminado do organismo humano. ;O transplante dessas células-tronco não permite a replicação do HIV;, afirmou. ;Essa técnica pode ser muito boa isoladamente, mas não creio ter muita aplicação para o tratamento da Aids por ser perigosa e exigir um doador compatível.; Fauci acredita que o mundo não tem qualquer motivo para celebrar a notícia e visualiza a cura como utopia. ;No entanto, temos drogas cada vez mais seguras e melhores na supressão do vírus, aumentando o tempo de vida do paciente;, acrescentou. A advogada gaúcha Beatriz Pacheco, de 59 anos, convive desde 1996 com a Aids. Cética, ela lembrou à reportagem que os próprios soropositivos ficam com carga viral indetectável caso sigam o tratamento antiretroviral à risca. ;O HIV se esconde em ;santuários;, locais não alcançados pelos medicamentos. Se a pessoa transplantada não vier a ter replicação viral no futuro, então poderemos falar em cura;, disse. ;Prefiro pensar em cuidar da minha terapia, aderir às drogas e me manter saudável. Prefiro não criar expectativas ou ilusões. No meu diagnóstico me deram 18 meses de vida, e já vão se passar 12 anos;, comemorou a mulher que foi casada por 10 anos e viu o marido, soronegativo, morrer de câncer em 2006.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação