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Iraque à sombra do terror

Duas mulheres-bomba se explodem diante de santuário em Bagdá e matam 64 xiitas, inclusive iranianos. Analistas temem guerra civil e admitem que a violência pode atrapalhar os planos dos Estados Unidos

postado em 25/04/2009 08:00
Como todas as sextas-feiras, ontem foi dia sagrado para os muçulmanos. O engenheiro iraquiano Raid Rahmani aproveitou a folga até as 10h (4h em Brasília), quando foi despertado por dois estrondos em Bagdá. A 2km de sua casa, no bairro de Kadhimiya, duas mulheres acabavam de detonar os explosivos ligados a uma granada e escondidos em suas bolsas. As extremistas escolheram dois portões do santuário que abriga a tumba do imã Mousa Al-Kazim, um dos 12 santos xiitas, morto no ano 799. A multidão chegava para as orações. As mulheres-bomba ; com cerca de 30 anos ; mataram 64 peregrinos xiitas, inclusive dezenas de iranianos. Os atentados marcaram o segundo dia de um ciclo de violência que deixou 140 mortos e já ameaça os planos do presidente norte-americano, Barack Obama, de estabilizar o Iraque e retirar seus 100 mil soldados do país. Desde o início da ocupação, em 20 de março de 2003, pelo menos 110.600 iraquianos e 4.200 militares dos Estados Unidos morreram. ;Quando ouvimos explosões, apenas nos perguntamos onde foi, e a vida segue adiante;, afirmou ao Correio Rahmani, pela internet. ;O que podemos fazer? Nós cremos em Deus e, se Ele quiser que alguém morra, essa pessoa morrerá onde quer que esteja, não importa se no Iraque ou no Brasil.; O engenheiro teme que os recentes incidentes repitam a guerra civil entre xiitas e sunitas de 2006 e 2007. O iraquiano Louay Bahri, cientista político da Universidade de Bagdá, acha que a violência sunita pode ser despropositada. De acordo com ele, o país está fragmentado, com três componentes da sociedade ; curdos, xiitas e sunitas ; ;puxando e empurrando; uns aos outros. ;Enquanto os curdos e os xiitas parecem calmos, os sunitas estão divididos em facções armadas e perigosas;, explicou à reportagem. ;A violência sunita não é dirigida apenas aos xiitas; mas direcionada a outros sunitas, como a milícia Sahwa (Despertar), e aos curdos.; Bahri acusa a rede Al-Qaeda de ser o principal grupo em ação contra os xiitas. ;Essa violência é causa perdida: enquanto a Al-Qaeda puder realizar atentados espetaculares e matar xiitas, provavelmente não terá sucesso em devolver o poder aos sunitas.; Para o iraniano Nader Entessar, autor de Reconstrução e diplomacia regional no Golfo Pérsico, o premiê do Iraque, Nuri Al-Maliki, tem sua parcela de culpa. ;O governo iraquiano parou de financiar os Conselhos do Despertar sunitas criados pelos Estados Unidos e suas milícias;, lembrou. O ex-presidente dos EUA George W. Bush investiu nas guerrilhas sunitas para usá-las contra a rede Al-Qaeda. O feitiço virou-se contra o feiticeiro: acossados pelo extremismo, os milicianos do Despertar se lançaram contra os xiitas e o governo de Bagdá. Os atentados também alvejaram peregrinos iranianos. ;Os extremistas sunitas culparam o Irã pela perda do poder no Iraque pós-Saddam Hussein;, disse Entessar. Teerã Na opinião dos analistas, os massacres em Bagdá e em Baaquba ; onde 45 iranianos morreram anteontem ; podem atrapalhar o cronograma da desocupação e causar danos à tímida aproximação entre os EUA e o Irã. ;Partidos do Irã acusam os EUA pela onda de violência antixiita, por terem armado os sunitas;, admitiu Entessar. A ;amizade; de Teerã é importante para que Washington tenha acesso pleno ao Afeganistão e ao Paquistão, países onde a Al-Qaeda e a milícia Talibã representam risco crescente. O norte-americano Stephen Biddle, historiador militar do Council on Foreign Relations (em Washington), acha que os EUA estão mais preocupados com o arsenal nuclear iraniano. Em relação ao Iraque, ele afirma que Bagdá não tem escolha: caminha para a estabilidade sustentável ou assiste ao retorno da violência em massa.

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