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Ameaça nuclear: Coreia sob pressão

Pyongyang testa bomba com poder destrutivo igual ao da ogiva de Hiroshima e atrai a ira da comunidade internacional. Conselho de Segurança denuncia ;violação;, e o Brasil adia a abertura de embaixada

postado em 26/05/2009 07:49
Pela segunda vez em três anos, o mundo encara o pesadelo nuclear. Às 9h54 de ontem (21h54 de domingo, pelo horário de Brasília), a Coreia do Norte detonou uma ogiva de 10 a 20 kilotons, potência equivalente à das bombas que arruinaram Hiroshima e Nagasáki e precipitaram o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. A explosão atômica ocorreu a 10km sob a superfície, em Kilju, 375km a nordeste da capital, Pyongyang. Foi tão poderosa que fez oscilar sismógrafos ; aparelhos usados para medir a intensidade de terremotos ; do Japão e dos Estados Unidos, além de provocar um estrondo na comunidade internacional. ;A República Democrática e Popular da Coreia conduziu com sucesso mais um teste nuclear subterrâneo (%u2026), como parte das medidas para sustentar sua dissuasão nuclear para autodefesa;, afirmou uma nota da Agência de Notícias Central Coreana, órgão oficial do governo de Pyongyang. Segundo o texto, o teste foi conduzido nos ;termos mais altos de seu poder explosivo e sua tecnologia;. À mensagem desafiadora seguiram-se o lançamento de três mísseis de curto alcance e a preparação para um quarto hoje ou amanhã, um sinal de que o regime comunista pretende ampliar o poder de barganha frente à pressão exercida pelo Ocidente. Para o sul-coreano Jing-dong Yuan, diretor do Programa de Não Proliferação do Leste da Ásia do Institulo Monterey de Estudos Internacionais ; com sede na Califórnia ;, o teste nuclear é um recado ao presidente dos EUA, Barack Obama. ;O ditador Kim Jong-il esperava que a Casa Branca adotasse uma postura conciliatória, mas aparentemente Obama quer manter o processo de desarmamento nuclear;, disse ao Correio. O analista também crê que Kim Jong-il usa a explosão para se reafirmar no poder e alinhar apoio ao filho caçula, Kim Jong-nam, candidato natural à sucessão. Obama entendeu a mensagem, abandonou o tom diplomático e disse que as ações da Coreia do Norte constituem uma ;grave ameaça à paz e à estabilidade do mundo;. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, entrou em contato com os chanceleres do Japão e da Coreia do Sul e defendeu ;uma forte ação unificada;. Por volta das 17h30 de ontem (hora de Brasília), o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou uma reunião de emergência para discutir o assunto. Menos de uma hora depois, o embaixador da Rússia no organismo, Vitaly Tchourkine, confirmou que a entidade condenou a ;clara violação; de suas resoluções por parte de Pyongyang. Jing-dong Yuan acredita que a detonação nuclear é um desafio de Pyongyang à Resolução 1.718, aprovada após o primeiro teste atômico norte-coreano, em outubro de 2006 ; quatro vezes menos potente. ;O teste mostra que a Coreia do Norte segue modificando e melhorando sua capacidade nuclear e se move na direção de desenvolver ogivas nucleares portáteis;, comentou o especialista. A detonação subterrânea transformou em líquido a camada rochosa a 10km de profundidade e provocou um ;terremoto; de 4,7 graus na escala Richter (aberta, mas que raramente chega a 9). A 600km da fronteira com a Coreia do Norte, em Daejeon, o sul-coreano Kyusik Do contou ao Correio que não sentiu a terra tremer na manhã de ontem e demonstrou calma. ;As tensões aqui na Península Coreana aumentarão, mas temos um assunto mais importante. O ex-presidente Roh Moo-hyun se matou no sábado. Ele foi um grande líder e as pessoas estão tristes;, disse o técnico em segurança nuclear. Em Seul, o biólogo mineiro Jair Lage de Siqueira Neto, de 27 anos, garantiu que o clima na capital sul-coreana é de tranquilidade. ;Lá em cima estão apenas tentando fazer barulho;, disse o brasileiro, referindo-se à Coreia do Norte. ;Não estou nem um pouco preocupado. Pra gente não faz diferença, não notamos nada de diferente;, disse, por telefone, no início da manhã de hoje (pelo horário de Brasília). O norte-americano Stephen Schwartz, editor do jornal The Nonproliferation Review e ex-diretor executivo do Bulletin of the Atomic Scientists, acredita que a explosão foi menor que a anunciada: entre 3 e 6 kilotons. ;Deveremos ter mais detalhes da Comissão Preparatória para a Organização de um Tratado Compreensivo de Proibição de Testes Nucleares em dois dias. No momento, parece que a explosão foi maior que a de 2006, mas menor que a de testes anteriores realizados por outros países.; Desagrado O Itamaraty divulgou nota com linguagem inusualmente dura, pela qual ;o governo brasilero condena veementemente; o teste nuclear. O texto, publicado cerca de uma semana depois da visita do chanceler norte-coreano a Brasília, expõe o desagrado com um gesto percebido como de desafio frontal à comunidade internacional. Fontes do Itamaraty revelaram ao Correio que o embaixador Arnaldo Carrilho, designado para abrir a representação brasileira em Pyongyang, foi orientado pelo ministro Celso Amorim a retardar a chegada à capital norte-coreana. Na linguagem diplomática, a medida equivale à convocação de um embaixador já em funções para consultas em Brasília. Carrilho está em Pequim e continuará na capital chinesa aguardando instruções. (Colaborou Silvio Queiroz)

Entenda a crise nuclear norte-coreana 2002 16 de outubro: Segundo Washington, Pyongyang admite enriquecer urânio, violando um acordo bilateral de 1994 21 a 25 de dezembro: A Coreia do Norte desmantela o dispositivo de vigilância da ONU de seu complexo nuclear de Yongbyon 27 de dezembro: Expulsão dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) 2003 Janeiro: Pyongyang se retira do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) Agosto: Em Pequim, primeiras negociações entre as duas Coreias, a China, os Estados Unidos, o Japão e a Rússia 2004 Setembro: Depois de negociações multilaterais, a Coreia do Norte anuncia que concluiu o tratamento de 8 mil barras de combustível irradiado destinado à fabricação de bombas nucleares. 2005 10 de fevereiro: A Coreia do Norte anuncia ter desenvolvido bombas atômicas para sua defesa. 19 de setembro: A Coreia do Norte promete desativar seu arsenal nuclear em troca de garantias de segurança, de uma ajuda energética e da possibilidade de obter um reator de água leve para produzir energia nuclear com fins civis 2006 5 de julho: Termina em fracasso disparo de sete mísseis norte-coreanos, entre eles o de longo alcance Taepodong-2, capaz de atingir o Alasca 9 de outubro: A Coreia do Norte detona sua primeira bomba atômica. Segundo especialistas, o país tem plutônio suficiente para fabricar de 5 a 12 bombas A 14 de outubro: Conselho de Segurança da ONU aprova sanções econômicas e comerciais 18 de dezembro: Retomada das negociações multilaterais. 2007 13 de fevereiro: Acordo em Pequim. A Coreia do Norte promete fechar seu principal complexo nuclear, o de Yongbyon (norte), aceita a volta dos inspetores da AIEA e obtém, em troca, a ajuda energética, o fim das sanções americanas e o início de discussões sobre uma normalização das relações com os Estados Unidos 15 de julho: Pyonyang anuncia ter fechado o complexo de Yongbyon. Em 18 de agosto, a agência atômica da ONU confirma o cumprimento desta primeira etapa do processo de desmantelamento das instalações nucleares norte-coreanas 3 de outubro: Pyongyang promete desmantelar Yongbyon antes de 31 de dezembro e divulgar a "lista completa" de suas instalações nucleares 2008 26 de junho: Pyongyang entrega à China uma declaração detalhando seus programas nucleares. 27 de junho: a agência oficial Nova China confirma a destruição por Pyongyang de uma torre de esfriamento de seu reator de Yongbyon 2009 5 de abril: A Coreia do Norte lança um foguete de longo alcance para colocar um satélite em órbita, mas os Estados Unidos e o Japão suspeitam de um teste de míssil 25 de abril: Pyongyang anuncia ter retomado o tratamento de combustível nuclear, um dia depois de sanções da ONU contra empresas norte-coreanas depois do lançamento de um foguete em 5 de abril 29 de abril: A Coreia do Norte ameaça conduzir um novo teste nuclear se a ONU não pedir desculpas 25 de maio: O país anuncia ter efetuado "com sucesso" um novo teste nuclear

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