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Hugo Chávez rompe relações com a Colômbia

O presidente venezuelano também decretou alerta na fronteira e mencionou explicitamente o risco de um confronto armado entre os dois países

postado em 23/07/2010 09:14
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aproveitou a presença midiática do ex-craque, Diego Maradona, técnico da seleção argentina, para um lance de efeito indiscutível e desdobramentos incalculáveis: rompeu ;todas as relações com o governo da Colômbia;. O chanceler Nicolás Maduro anunciou em seguida que os diplomatas colombianos teriam prazo de 72 horas para deixar o país. Momentos antes, o embaixador de Bogotá perante a Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Alfonso Hoyos, havia denunciado formalmente, em reunião extraordinária pedida por seu governo, a presença de 87 acampamentos da guerrilha colombiana(1) em território venezuelano, ;custodiados de alguma maneira; pelas Forças Armadas locais. Hoyos lamentou o rompimento e classificou-o como uma ;decisão errônea; de Caracas.

Chávez também decretou alerta na fronteira e mencionou explicitamente o risco de um confronto armado entre os dois países ; sempre atribuindo a responsabilidade ao presidente colombiano, Álvaro Uribe, a quem classificou como ;um doente;, ;cheio de ódio;. ;Uribe é capaz de mandar montar um acampamento simulado do lado venezuelano para bombardeá-lo e causar uma guerra;, acusou, oficializando um conflito diplomático a pouco mais de duas semanas para a posse do sucessor de Uribe, Juan Manuel Santos. ;Isso me causa uma lágrima no coração. Espero que se imponha a racionalidade na Colômbia que pensa;, completou.

Na sede da OEA, em Washington, o representante colombiano apresentou fotos e vídeos que comprovariam a presença guerrilheira do lado venezuelano da fronteira, incluindo registros de conhecidos comandantes das Farc, como Jesus Santrich e ;Pablito;. ;Vamos mostrar as imagens de três acampamentos das Farc, chamados ;Ernesto;, ;Berta; e ;Bolivariano;, que ficam 23km no interior da Venezuela;, afirmou Hoyos. O embaixador mencionou registros de conversas dos rebeldes para tráfico de armas e drogas, material que seria de interesse judiciário para sete países ; que não foram mencionados pelo nome.

O presidente venezuelano recebe Maradona no Palácio de Miraflores: resposta fulimante às denúncias apresentadas pela Colômbia na OEAHoyos sugeriu à OEA que constitua uma comissão verificadora para visitar os lugares detalhados nas fotografias e comprovar se há ou não guerrilheiros. ;Se a Venezuela considera que isso é uma montagem, então não terá nenhum problema em deixar que entremos em seu território;, afirmou, como se respondesse de antemão a Chávez. ;É necessário desenvolver essa missão de verificação nos próximos 30 dias, não deixemos passar mais tempo;, pediu aos colegas.

Depois de chamar o colega de ;mentiroso, obsessivo e mafioso;, o presidente venezuelano disse esperar que o novo governo colombiano ;contribua para que não ocorra um ato mais grave;. Sério e com olhar inquisitivo, Maradona perguntou a Chávez se Santos não é ;do mesmo caminho; de Uribe. A pergunta provocou gargalhadas dos dois e dos jornalistas convidados ao Palácio de Miraflores. ;Agora, Maradona é jornalista e provocador: está tirando o lugar de alguns de vocês;, brincou o anfitrião. Ele não perdeu a chance de lembrar, em sua resposta, que Santos ;foi ministro da Defesa de Uribe; e que teria dito certa vez ;que o presidente venezuelano era mais perigoso que as Farc;. Maradona concluiu o encontro afirmando que ;a verdade é que o povo colombiano não tem culpa (pelos atritos externos de seu governo);.

Ao fim da reunião extraordinária da OEA, o secretário-geral José Miguel Insulza tratou de colocar panos quentes na crise e pediu aos dois governos que ;acalmem os espíritos; e busquem um ;caminho;, pois avalia que esses temas devem ser primeiro abordados de maneira bilateral. ;Manifestamos nossos bons ofícios, a OEA manifestou sua intenção de mediar, mas os que têm de dirimir isso são os dois países, em comum acordo.;

1 - Condenado em Nova York
Um comandante das Farc envolvido no sequestro de três americanos e da ex-candidata à presidência da Colômbia Ingrid Betancourt foi condenado ontem por narcotráfico, em Nova York. O juiz federal Thomas Hogan anunciou a sentença de prisão por 27 anos para Gerardo Aguilar Ramírez, de 51 anos, chefe da 1; Frente das Farc. Ramírez foi extraditado para os Estados Unidos em julho de 2009, na condição de que fosse julgado exclusivamente por acusações relacionadas ao tráfico de drogas. Em dezembro, o comandante guerrilheiro admitiu ter dirigido a produção e a distribuição de toneladas de cocaína destinadas ao mercado norte-americano. Ramírez foi preso em 2008, durante a operação na qual o Exército colombiano resgatou Ingrid, os três americanos e 12 militares e policiais colombianos.

; Lula oferece mediação

Se Álvaro Uribe fez questão de levar as diferenças com Hugo Chávez para o âmbito da OEA, organismo que conta com a participação dos Estados Unidos, o governo brasileiro tentará colocar a questão no contexto da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Por meio de nota, o Itamaraty ;lamentou; o rompimento entre os vizinhos, manifestou ;preocupação; e reafirmou a disposição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, expressa em telefonemas a Caracas e Bogotá, para ;contribuir para a superação das diferenças;.

Mais cedo, o assessor de Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, havia mencionado os telefonemas e manifestado otimismo com a perspectiva de uma solução diplomática. ;Estou convencido de que haverá vontade das duas partes de resolver isso. O Brasil e as entidades multilaterais da região, a Unasul, evidentemente vão ajudar nessa direção;, disse. Garcia manifestou confiança especialmente no sucessor de Uribe, Juan Manuel Santos, que toma posse no próximo dia 7. ;O Brasil está ajudando e vai continuar, através de conversas com as partes. Nós temos uma boa percepção de que há disposição dos dois governos, num futuro próximo, depois da posse do presidente Santos, de que isso venha a ser resolvido.;

Perguntado se a decisão de Chávez foi radical, o assessor de Lula respondeu: ;Eu não gosto de qualificar decisões de chefes de Estado estrangeiros. Há uma tensão que há muito tempo foi criada na região, e nós temos cooperado em várias ocasiões, com êxito, para reduzir essa tensão. Talvez seja a ocasião agora, com o começo do governo Santos e a possibilidade de que tenhamos um clima de aproximação mais consistente;, insistiu.

No início da noite, em Caracas, Chávez confirmou que Lula e o presidente equatoriano, Rafael Correa, que exerce a Presidência rotativa da Unasul, tinham telefonado para demonstrar ;preocupação; com sua decisão de romper as relações com a Colômbia. ;Acabo de conversar com o presidente do Brasil, nosso irmão Lula da Silva; preocupado com isso, ele fez seus comentários;, disse Chávez. ;Isso preocupa a todos;, resumiu.


;Análise da notícia
O aliado ou os vizinhos


Silvio Queiroz

Nos meios diplomáticos da região, a pergunta nos últimos dias era o que pretendia Álvaro Uribe levando para a OEA, nos dias finais de seu mandato, uma acusação feita e repetida a intervalos regulares nos entreveros recorrentes com Hugo Chávez. O que não passou despercebido foi o foro escolhido: o presidente colombiano tirou o contencioso do âmbito da Unasul e de seu Conselho de Defesa, ambos arquitetados pelo Brasil para, entre outras missões, resolver entre sul-americanos os problemas de vizinhança ; em português (e espanhol) claro, sem ;ingerência; de Washington.

Na prática, o sucessor de Uribe, Juan Manuel Santos, tomará posse no próximo dia 7 com a agenda diplomática previamente pautada. Curiosamente, sua indicada para a chancelaria, María Angela Holguín, vinha colecionando sinais promissores na direção de normalizar as relações com o Equador ; por sinal, estremecidas também por incidente que teve as Farc como pivô.

Além de um conflito em escalada na fronteira oriental, Santos e Holguín herdam um dilema: a opção preferencial (de Uribe) pelo aliado poderoso do norte tem como efeito colateral o risco de isolamento do país ao sul.

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