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Escândalos dos grampos traz à tona debate sobre ética no jornalismo

postado em 08/07/2011 08:19

São 168 anos de tradição, uma tiragem de 2,6 milhões de exemplares e 70 mil visitantes em sua página na internet a cada domingo. Os números impressionantes não foram suficientes para salvar o News of the World. No centro de um escândalo de grampo telefônico que ganhou proporções políticas e atraiu críticas do primeiro-ministro David Cameron, o tabloide mais vendido do Reino Unido deixará de circular a partir da próxima semana. ;Após ter consultado colegas, eu decidi que devemos tomar uma ação mais decisiva em relação ao jornal. A edição deste domingo será a última do News of the World;, afirmou James Murdoch, filho do magnata Rupert Murdoch e chefe de operações do império de comunicações News Corp. na Europa e na Ásia.

[SAIBAMAIS]A ação surpreendente do clã Murdoch, dono da companhia News Corp., foi tomada após a denúncia de que famílias de militares mortos no Iraque e no Afeganistão também tiveram os celulares grampeados por detetives pagos pelo News of the World. A Legião Real Britânica, organização de militares veteranos do Reino Unido, suspendeu os laços com o jornal. ;Se for verdade, é repugnante;, disse à emissora BBC Rose Gentile, mãe de um soldado morto. A polícia suspeita que a lista de pessoas suscetíveis de rastreamento telefônico chegue a 4 mil nomes, incluindo políticos, integrantes da monarquia e estrelas de cinema e do mundo esportivo. Vítimas de crimes e parentes dos mortos nos atentados de 7 de julho de 2005 também foram alvos de escuta.

A situação do News of the World ficou insustentável após várias empresas de peso ; entre eles a Ford, a Mitsubishi, a Lloyds e a Virgin Holidays ; decidirem retirar seus anúncios do tabloide. Nas últimas 48 horas, o valor das ações da British Sky Broadcasting (BSkyB), controlada por Rupert Murdoch, despencou cinco pontos percentuais. O jornal The Guardian divulgou que Andy Coulson, ex-chefe de imprensa de Cameron e ex-diretor do News of the World, deverá ser detido hoje. Clive Goodman, editor de assuntos reais, e o detetive particular Glenn Mulcaire já tinham sido condenados à prisão após o primeiro escândalo de escutas, em 2007 (leia o quadro). Segundo o Guardian, o tabloide pagava até 100 mil libras esterlinas (R$ 249,5 mil) em subornos para policiais. O escândalo pode custar 120 milhões de libras (R$ 298 milhões) em compensações.

Para o britânico Gavin MacFadyen, diretor do Centro de Jornalismo Investigativo e professor da City University London, o caso desperta o temor de uma derrocada da imprensa britânica e deve coibir o grampo. ;Se largas somas (de suborno) forem oferecidas, poucos técnicos de serviços de segurança as recusarão. Se a Justiça não processar os executivos do tabloide que ordenaram escuta, a prática ilegal vai recomeçar, após uma pausa;, adverte ao Correio por e-mail. De acordo com ele, repórteres do país possuem o controverso hábito de roubar o lixo das casas de celebridades e de políticos. ;Quase nada é dito sobre essa prática, igualmente ofensiva à privacidade.;

Richard Keeble, diretor da Lincoln School of Journalism, considera o fechamento do News of the World uma ;grande notícia;. Ele explica à reportagem que o escândalo do grampo tem várias ramificações e envolve policiais corruptos, uma incompetente Comissão de Queixas contra a Imprensa e os laços estreitos dos políticos com veículos da mídia dotados de qualidade duvidosa. ;Um dos principais fatores por trás disso é o monopólio da mídia. Os cidadãos devem manter a pressão pelo fim desses monopólios e boicotar os veículos antiéticos;, defende Keeble.

Monopólio

O caso coloca em xeque a posição do dono do News of the World. ;O inquérito anunciado pelo premiê deve reduzir a influência imprópria de Rupert Murdoch na política;, afirma à reportagem Brian Cathcart, ex-editor de Mundo do jornal The Independent. Na opinião dele, o escândalo traz à tona um debate em torno da ética no jornalismo e do direito à privacidade. Cathcart não vê a invasão de privacidade como algo de interesse público. ;O jornalismo é sobre dizer a verdade, de um modo que ajude a tornar o mundo melhor. Essa coisa antiética é sobre fazer dinheiro imoralmente, invadindo a vida das pessoas;, desabafa.

Na nota publicada no site da News Corp., James Murdoch anunciou que a companhia vai cooperar ;totalmente; com os inquéritos e com a polícia. ;Eu reconheço que cometemos erros.; Numa tentativa de redenção, o filho de Rupert Murdoch fez um anúncio não menos surpreendente. ;Eu decidi que todo o lucro deste fim de semana do News do the World irá para ;boas causas;;, disse, explicando que ;cada centavo; será doado a organizações ;devotadas a tratar os outros com dignidade;.

Escuta proibida
O grampo telefônico envolve chamar um número a partir de dois telefones ao mesmo tempo, enviando uma das chamadas para a caixa de mensagens. O interlocutor digita uma senha para acessar a caixa de mensagens remotamente e tem acesso à escuta.

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