Mundo

Bashar Al-Assad ignora Conselho da ONU e intensifica a repressão em Hama

postado em 02/08/2011 09:20

Durante visita a militares feridos, em hospital de Damasco, Al-Assad alertou para o risco de fragmentação da Síria em pequenos Estados rivaisOs moradores de Hama, ao norte de Damasco, ainda enterravam seus 100 mortos nos jardins das próprias casas e acabavam de celebrar o iftar (a refeição noturna que encerra o dia de jejum no Ramadã). A cerca de quatro horas da reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU e pouco mais de 30 horas depois do massacre promovido pelas forças do presidente sírio, Bashar Al-Assad, a cidade voltava a viver momentos de horror (leia o depoimento nesta página). ;As pessoas estão nas ruas, à espera da morte. Há várias explosões em áreas diferentes, e a eletricidade foi cortada em alguns bairros;, afirmou ao Correio, pelo Skype, o farmacêutico sírio Rana, 39 anos. Nem de longe os apelos da comunidade internacional incomodaram Al-Assad. No primeiro dia do mês sagrado para os muçulmanos, o presidente intensificou a repressão, parabenizou o Exército e deixou-se fotografar ao lado de soldados feridos, durante visita a um hospital de Damasco.

;Felicito cada soldado e o parabenizo pelo 66; aniversário das Forças Armadas árabes da Síria (;) que defendem seus direitos frente aos planos agressivos que atravessam nosso presente e nosso futuro;, declarou. ;Todos vocês representam o orgulho e a dignidade. (;) Estou absolutamente convencido de que seremos capazes de inviabilizar esse novo episódio de complô bem preparado, que tem por objetivo desagregar a Síria;, emendou.

O Ministério das Relações Exteriores brasileiro condenou a matança e usou, de forma inédita, o termo ;indignação;. ;O governo brasileiro recebeu com indignação a notícia da repressão a manifestantes em Hama, Síria. (;) Ao lamentar profundamente as mortes, o governo brasileiro reitera o repúdio ao uso da força contra manifestantes civis;, afirma a nota. O texto manifesta preocupação com o não cumprimento de Al-Assad com os compromissos assumidos em relação ao direito de expressão e insta Damasco a prosseguir com o diálogo e a reforma política.

Hama é o símbolo da luta contra o regime desde a repressão de uma revolta da Irmandade Muçulmana, 29 anos atrás. Ahmad Tellawi (nome fictício) preferia deixá-las sepultadas para sempre. Mas as memórias daqueles dias sangrentos de fevereiro de 1982 voltaram com força desde domingo. Ele tinha 22 anos quando as tropas de Hafez Al-Assad, pai de Bashar, invadiram a cidade e executaram pelo menos 20 mil civis. ;Eu me recordo dos prédios destruídos, dos mortos abandonados nas ruas, das pessoas escondendo-se atrás das portas e colocando tudo o que podiam ali para impedir a entrada dos soldados em suas casas;, contou ao Correio, pela internet. ;Eu me lembro das pessoas orando para que Deus as salvasse;. E lança um alerta: ;O pai de Al-Assad matou nossos pais. O filho de Al-Assad está matando nossos filhos. Ficaremos em silêncio até que os netos do presidente também matem nossos netos?;.

Ahmad duvida da repetição do massacre. ;Naquela ocasião, Hafez era apoiado por Moscou e não era possível transferir nossa voz para o mundo. Mesmo Homs, a 45km daqui, demorou vários dias para tomar conhecimento das mortes.; Por meio do microblog Twitter, os sírios usam a internet para denunciar os ataques de Al-Assad, antes mesmo de eles repercutirem nas agências de notícias. Opositores na Síria usam as hashtags #RamadanMassacre e #Hama como ferramentas contra o governo. Nos ataques de ontem, nove civis teriam morrido ; seis em Hama, um em Deir Al-Zor (leste) e um em Albu Kamal, na fronteira com o Iraque.

Até o fechamento desta edição, o Conselho de Segurança não havia obtido qualquer avanço sobre a repressão no país. ;Os europeus seguem discutindo uma resolução e nós apoiamos fortemente esta iniciativa (;), mas outros países não querem fazer o mesmo;, declarou Susan Rice, embaixadora dos Estados Unidos na ONU, em referência a China, Rússia, Brasil, Índia e África do Sul.

Tanques estacionados em praça de Hama: disparos aleatóriosEle está no centro do horror

Por volta das 20h (14h em Brasília), assim que encerramos o iftar, os tanques do presidente Bashar Al-Assad começaram a atacar de todas as direções, a partir dos pontos onde estavam ontem (domingo). Eles dispararam mísseis de artilharia pesada diretamente contra as pessoas nas ruas. Também acertaram cinco mesquitas e prédios residenciais. Os hospitais Al-Horani, o maior da cidade e conhecido por socorrer os manifestantes, e Al-Rayes foram atingidos. Os militares queriam impedir que contássemos os mortos e ajudássemos os feridos. A situação é muito horrível. Estamos em casa, e minha mulher e minha filha choram a todo momento. Estamos com medo e não sabemos o que ocorrerá nas próximas horas. Nosso povo nem sequer pode sair para rezar. Lá fora, tudo o que escutamos são tiros, gritos e o Takbir (a expressão ;Allaku Akbar;, ;Deus é grande;), pronunciado de forma constante.

Quero deixar uma mensagem aos brasileiros. O que mais sabemos sobre vocês diz respeito ao futebol. A maior parte dos sírios apoia a Seleção do Brasil. Desejamos que vocês nos apoiem, enquanto somos mortos. Nosso povo é mais corajoso do que qualquer um possa imaginar. Saímos às ruas e desafiamos as balas de peito nu. Al-Assad está desafiando a comunidade internacional. Ele continuará alvejando os civis e não vai parar de nos matar.

Mas os ataques começaram já às 5h de hoje (23h de domingo em Brasília). Apoiados pelas forças de segurança, tropas do Exército e tanques invadiram o bairro de Al-Hameediah, no norte. Essa operação durou cerca de duas horas e meia. Eles atiraram contra as casas e destruíram uma mesquita. Estou com muito do medo do que virá. Todos aqueles que se silenciam são cúmplices desse crime.

Saleh Al-Hamwi (nome fictício), morador de Hama

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação