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Farc na Colômbia se adaptam aos golpes sofridos e desafiam Santos

Silvio Queiroz
postado em 08/08/2011 09:21
Juan Manuel Santos e Guillermo León Sáenz poderiam ter frequentado os mesmos ambientes em Bogotá, nos anos 1960 e 1970. O primeiro completa 60 anos no mês que vem, o segundo acaba de festejar os 63. Seriam contemporâneos de faculdade se Santos, cuja família é dona do principal jornal colombiano, El Tiempo, não tivesse ido estudar economia nos Estados Unidos, enquanto Sáenz, filho de professores da classe média, cursou antropologia na Universidade Nacional. Santos prosseguiu os estudos nos EUA e no Reino Unido, e em agosto concluirá o primeiro ano de mandato como presidente da Colômbia. Sáenz mergulhou na militância política, da Juventude Comunista (Juco) às filas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Há três décadas, atende pelo codinome Alfonso Cano, e há três anos assumiu o comando máximo da guerrilha.

O destino colocou os dois frente a frente em um duelo no qual têm ao menos uma coisa em comum: paira sobre ambos a sombra do antecessor. O presidente herdou o posto de Álvaro Uribe, que deixou o poder com aprovação recorde depois de ter imposto duras derrotas às Farc ; a principal delas em 2008, com o resgate da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, refém por mais de seis anos. Nessa altura, Cano acabava de ser anunciado como sucessor do lendário Manuel Marulanda, o Tirofijo, que fundou e liderou a guerrilha por mais de 40 anos.

No início do mês, com uma semana de intervalo, o noticiário dava cores vivas ao diagnóstico de um grupo de estudiosos sobre o andamento de um conflito que se prolonga por meio século. No domingo 10 de julho, o Exército irrompeu em um acampamento no sudoeste do país de onde o comandante-em-chefe das Farc tinha escapado 12 horas antes. No domingo seguinte, unidades guerriheiras sob comando direto de Cano atacaram simultaneamente cinco municípios numa região próxima, trazendo de volta para os moradores cenas de destruição que não eram vistas desde o início do governo anterior. Na ação mais contundente, em plena cabeceira municipal de Toribío, no departamento de Cauca, um caminhão-bomba arrasou o quartel de polícia, símbolo de uma presença física recém-resgatada pelo Estado colombiano.

Plano 2010

Ariel Ávila, pesquisador da Corporação Novo Arco-Íris, compilou dados sobre a evolução da guerra ao longo dos últimos anos e detectou um aumento progressivo na atividade militar das Farc, que seria resultado de uma reordenação comandada por Cano (leia o quadro ao lado). ;O Plano 2010 colocou no cenário militar uma nova estratégia operativa do grupo guerrilheiro;, escreveu Ávila. ;As unidades táticas de combate, formadas por atiradores de precisão e especialistas em explosivos, permitiram às Farc recuperar a mobilidade como principal arma.;

De acordo com o informe da Novo Arco-Íris, os ataques no Cauca confirmam a emergência de um novo cenário de confrontação na Cordilheira Central ; uma das três ramificações em que os Andes se dividem no extremo sul do território colombiano. Lá, Cano e seu braço direito, Pablo Catatumbo, iniciaram uma remodelação também da cadeia hierárquica da guerrilha: à parte a divisão em sete blocos, com áreas definidas de atuação e unidades sob controle direto, instituíram um primeiro comando conjunto por teatro de operações, no caso, o do Centro e Ocidente. O resultado foi que essa estrutura desbancou o antigo Bloco Oriental, que há duas décadas era o mais numeroso das Farc, como unidade mais operativa.

Nova geração

Não por acaso, o informe publicado por Ariel Ávila é intitulado ;As Farc de Jojoy a Cano;, referindo-se a Jorge Briceño, o Mono Jojoy. Morto em setembro de 2010, ele era o chefe de operações militares da guerrilha e, entre os sete comandantes que compunham então o Secretariado (alto comando), era o mais próximo ao perfil de Marulanda ; um camponês sagaz, com dotes militares intuitivos e formação político-teórica elementar.

Com a morte de Marulanda e a perda de mais dois comandantes além de Jojoy, o Secretariado foi recomposto com homens que compartilham com Cano a trajetória da militância urbana, a maioria na Juco. Além disso, atualmente todos os sete integrantes da cúpula têm formação superior, embora acumulem mais de duas décadas en el monte ; como se referem ao ingresso na guerrilha. Essa nova geração, com idade entre 50 e 60 anos, combina a mesma rigidez ideológica dos velhos camponeses dos anos 1960 com uma flexibilidade estratégica que desafia Juan Manuel Santos a adaptar também o modo de operação do Exército ao confronto com um inimigo que, embora enfraquecido, soube tornar-se mais fluido e furtivo.

A marca do chefe

O que mudou nas Farc sob o comando de Alfonso Cano

Atomização


As colunas de centenas de guerrilheiros, que mantinham estradas e centros urbanos sob assédio permanente nos anos 1990, se tornaram alvo fácil para bombardeios. Em seu lugar foram criadas ;unidades táticas de combate;, menores e com maior autonomia para atacar e deslocar-se.

Mobilidade


Em lugar de defender territórios, segundo os princípios da guerra de posições, as novas estruturas das Farc se orientam para a guerra de guerrilhas móvel, privilegiando a surpresa e evitando sempre que possível o combate em condições desfavoráveis.

Estrutura de comando


Os antigos blocos regionais, que correspondiam ao primeiro nível de subdivisão da guerrilha, estão sendo paulatinamente substituídos por comandos conjuntos por áreas. O primeiro foi é o do Centro e Ocidente, justamente a unidade sob comando direto de Cano e de seu braço direito, Pablo Catatumbo.

Mais atividade


Nos últimos três anos, as Farc multiplicaram as ações de iniciativa própria. De 1.026 registradas em 2007, último ano encerrado ainda sob comando de Manuel Marulanda, elas passaram a 1.947 em 2010.

Ações pontuais

As ocupações de sedes municipais tornaram-se exceção. As novas unidades táticas privilegiam as emboscadas contra patrulhas e o fustigamento de quartéis da polícia, muitas vezes combinados com a ação de franco-atiradores e ativação de armadilhas explosivas. Em geral, retiram-se antes que cheguem ao local reforços e apoio aéreo.

Alvo preferencial

Embora enfrentem as tropas profissionais do Exército quando estas estão na ofensiva, as Farc reorientaram claramente os combates de sua iniciativa contra a polícia. Em especial, atacam os postos da corporação instalados na maioria das cabeceiras municipais durante o governo de Álvaro Uribe.

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