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Escândalo de espionagem dos Estados Unidos domina cúpula europeia

A chanceler alemã, Angela Merkel, teve o celular grampeado pela Agência Nacional de Segurança americana e afirmou que amigos não se espionam

Agência France-Presse
postado em 24/10/2013 21:15
A cúpula dos líderes da União Europeia começou nesta quinta-feira à tarde, em Bruxelas, em um contexto de tensão com as revelações da rede de espionagem dos Estados Unidos que abalaram a confiança de seus parceiros europeus.

A chanceler alemã, Angela Merkel, que teve o celular grampeado pela Agência Nacional de Segurança americana (NSA, na sigla em inglês), afirmou, ao chegar à cúpula de chefes de Estado e governo, que amigos não se espionam. "Não se trata de mim, trata-se de todos os cidadãos. Precisamos de confiança entre os parceiros, e essa confiança precisa ser reconstruída", ressaltou.



Os serviços de inteligência dos Estados Unidos asseguraram que Merkel não foi espionada. Washington também negou as informações da imprensa sobre uma espionagem em massa das comunicações na França.

O jornal britânico The Guardian publicou nesta quinta-feira que a NSA "espionou as conversas telefônicas de 35 dirigentes do mundo após um alto funcionário americano entregar uma lista com os números".

The Guardian cita um documento interno no qual a NSA pede aos responsáveis de vários organismos do Executivo, incluindo Casa Branca, departamento de Estado e Pentágono, que "compartilhem seus números de telefone e endereços (e-mail) com a agência".

Ainda segundo o jornal, apenas um destes responsáveis entregou "200 números, entre eles os de 35 dirigentes mundiais", à NSA. Em um breve encontro bilateral logo antes do início da cúpula, Merkel e o presidente francês, François Hollande, reafirmaram "o caráter inaceitável" das escutas americanas - revelou uma fonte da delegação francesa.

Ambos os presidentes concordaram em manter consultas regulares franco-alemãs sobre o tema, já que acreditam estar na "linha de frente".

Prevista inicialmente para ser uma cúpula de rotina - dedicada, sobretudo, à economia digital -, a reunião de chefes de Estado e de Governo foi dominada pelo crescente escândalo de espionagem do governo americano que teve como alvo seus aliados na Europa.

A França também está envolvida no escândalo. Na segunda-feira, o jornal "Le Monde" revelou detalhes da espionagem telefônica de cidadãos franceses por parte da NSA, com base nos documentos confidenciais vazados pelo ex-consultor de inteligência americano Edward Snowden.

Na terça, "Le Monde" divulgou novas informações sobre as escutas em embaixadas, incluindo a representação da França na sede da ONU, em Nova York. De acordo com o jornal, a NSA fez 70,3 milhões de gravações de dados telefônicos de franceses entre 10 de dezembro de 2012 e 8 de janeiro de 2013.

A questão é particularmente sensível na Alemanha, onde a Stasi, a polícia secreta da República Democrática Alemã, era onipresente.

Em referência a essa época, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, advertiu nesta quinta que um país pode se dirigir para o "totalitarismo", quando um "Estado utiliza seu poder de maneira intrusiva na vida das pessoas".

"Queremos a verdade", declarou o presidente do Conselho italiano, Enrico Letta, ao chegar para a cúpula.

Políticos, empresários e militares da Itália foram espionados pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha por meio de um rastreamento em massa de chamadas telefônicas e comunicações, segundo o jornalista Glenn Greenwald em entrevista à revista italiana "L;Espresso".

De acordo com Greenwald, os serviços secretos ingleses compartilharam informações com a NSA e contavam com a colaboração de agentes italianos, que tinham um acordo de "terceiro nível" com a empresa inglesa encarregada de espionar o sistema de comunicações.

Para monitorar as chamadas telefônicas e as comunicações eram utilizados três cabos de fibra óptica submarinos com terminais na Itália, segundo o jornalista.

"A espionagem não é aceitável. Não podemos tolerar a existência de zonas sombrias, ou duvidosas", afirmou Letta.

"Fatos são fatos. Nós não podemos aceitar, venha de quem vier, uma espionagem sistemática. Medidas são necessárias, e não se pode imaginá-las vindas de um único país. É necessária uma ação europeia (...) para acabar com essa atitude", declarou o primeiro-ministro belga, Elio Di Rupo, cujo país também registrou casos de espionagem. "Nós temos de pensar nisto: de que tipos de acordos precisamos, que tipo de transparência é necessária", ressaltou Merkel.

Um dos pontos a serem discutidos na cúpula é a proteção dos dados pessoais. A Comissão Europeia promove uma reforma da legislação que rege a questão, elaborada quando a Internet ainda não alcançava todos os âmbitos da vida privada.

"Agora, temos de agir e não apenas fazer declarações", declarou nesta quinta-feira a comissária europeia de Justiça, Viviane Reding, que pediu aos líderes da UE para garantir que a reforma da proteção de dados seja adotada "até a primavera de 2014" (hemisfério norte).

Bruxelas quer que os grandes grupos da Internet obtenham o consentimento prévio das pessoas para o uso de seus dados pessoais, sob pena de multas.

No entanto, até o momento, os europeus mantêm divergências em torno do projeto de lei sobre a proteção de dados apresentado há vários meses pela Comissão. Além disso, alguns países-membros, como a Grã-Bretanha, consideram, de acordo com uma fonte europeia, que a espionagem é uma questão de "segurança nacional" e que, portanto, não tem nada a ver com a proteção de dados em nível europeu.

"Ninguém gosta de ser espionado, legal ou ilegalmente. Se isso aconteceu, não há legislação europeia que possa ajudar", disse o primeiro-ministro finlandês, Jyrki Katainen, acrescentando que não sabe "o que pode ser feito em nível europeu".

O Parlamento Europeu pediu à Comissão Europeia para suspender o acordo UE-EUA sobre a transferência de dados bancários, assinado no âmbito da luta contra o financiamento do terrorismo.

O chefe do Partido Social-Democrata alemão, Sigmar Gabriel, que negocia com Merkel uma grande coalizão de governo, chegou a por em xeque a continuidade das negociações de livre-comércio com os EUA.

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