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Cinzas de Fidel Castro seguem em cortejo pelas províncias de Cuba

Dissidentes criticam procissão e veem manobra do regime para perpetuar figura do ditador

Rodrigo Craveiro
postado em 01/12/2016 07:08
Estudantes e adultos observam, da calçada, a passagem do comboio que carrega as cinzas do ex-presidente Fidel Castro pela cidade de Matanzas: urna foi envolta em redoma de vidro e coberta com a bandeira de Cuba
O jornalista Gabriel Torres Rodríguez, 27 anos, trabalhava na Redação da Editora Girón, o jornal de Matanzas, quando foi alertado por um amigo que o cortejo fúnebre se aproximava. ;As cinzas de Fidel Castro acabam de passar bem em frente a mim, a poucos centímetros;, contou ao Correio, por volta das 11h45 (14h45 em Brasília). A cidade, situada a 103km de Havana, foi a primeira a receber a procissão com os restos do ditador em sua jornada de quatro dias e de 950km até Santiago de Cuba ; o trajeto oposto percorrido por Fidel no triunfo da guerrilha, em janeiro de 1959.

;As calçadas estavam lotadas. Havia rostos tristes e alegres e todos ficaram mudos quando a caravana passou. Os gritos de ;Eu sou Fidel!’ encheram as ruas, e a passagem do cortejo foi acompanhada por esse cântico;, relatou Rodríguez. A multidão carregava fotos e agitava bandeiras de Cuba. A urna deixou a Praça da Revolução, em Havana, às 7h16, a bordo de um jipe militar.

Para Rodríguez, expressar o que sentiu ao ver as cinzas de Fidel é uma tarefa difícil. ;Eu sinto como se um pai tivesse me abandonado. Como se, de agora em diante, tudo dependesse apenas de mim e de minha geração. Seu conselho, sua palavra alerta, seu exemplo, não estarão conosco. Ao mesmo tempo, nos alegra saber que Fidel viverá para sempre;, afirmou. Em Santiago de Cuba, Luis Hernández Ramírez, 23, disse à reportagem que pretende ver o cortejo. ;Todos iremos nos dirigir até a Praça da Revolução Prefeito General Antonio Maceo para uma grande vigília em sua honra, no sábado;, comentou. ;Fidel foi mais do que um pai. Um homem que deu a este povo a luz do conhecimento, a saúde e a liberdade;, concluiu.

[SAIBAMAIS]Presidente do Instituto de la Memoria Histórica Cubana contra el Totalitarismo e exilado em Miami, o jornalista Pedro Corzo, 77, alerta que vários moradores da ilha têm receio de expressar suas ideias ou sentimentos em relação ao ditador. ;Os cubanos têm medo, estão atemorizados. A maioria das pessoas que conheço está satisfeita com o fim do período obscuro representado por Fidel;, admitiu ao Correio, por telefone. Para o blogueiro Orlando Luis Pardo, expoente da dissidência na ilha, a procissão é ;patética;. ;É um remake ao inverso dos filmes cubanos A morte de um burocrata e Guantanamera, do diretor Tomás Gutiérrez. O primeiro longa retrata o falecimento de uma pessoa e os trâmites burocráticos para o enterro de um cidadão em Cuba. O segundo aborda o translado do corpo de Santiago de Cuba até Havana;, explicou. Ele aposta que Fidel será esquecido. ;Nós também somos um povo desaparecido, não temos narrativa nacional, nem um discurso da diáspora;, lamenta Lazo.


TRAJETO
As cinzas de Fidel atravessarão a ilha, percorrendo 13 das 15 províncias, além de cidades como Santa Clara, Camaguey e Holguín. Às 7h de domingo (hora local), serão sepultadas no Cemitério de Santa Efigênia, em Santiago de Cuba. Na noite de terça-feira, centenas de milhares de moradores de Havana participaram de ato na Praça da Revolução, durante o qual expoentes da esquerda latina defenderam o legado do ;Comandante;. ;Ele não foi embora, ele permanecerá invicto entre nós, absolvido, completamente absolvido pela história;, exclamou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, referindo-se à frase ;A história me absolverá;, pronunciada por Fidel em seu julgamento, após ataque ao Quartel Moncada, em 1953. O líder cubano, Raúl Castro, falou ao irmão, como se o ditador estivesse vivo. ;Querido Fidel. Aqui, comemoramos nossas vitórias. Dizemos a você (...): ;Até a vitória, sempre!’;, declarou.

Enquanto a população se despedia de Fidel, ontem, Leamsy Requejo Lorite amargava o primeiro dia de desemprego, após ser dispensado do Museu Nacional de Belas Artes de Havana por um comentário publicado no Facebook. ;No sábado, fiz um comentário em minha página sobre os salários em Cuba. Dois dias depois, me disseram que teria problemas no trabalho;, relatou ao Correio. ;É claro que me julgaram politicamente.; Em sua reclamação sobre o salário, Leamsy escreveu que ;a pessoa se foi e nunca lhe pagou o que devia;.
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