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No primeiro mês no comando, Trump tem gestão mais difícil do que pensava

No primeiro mês como presidente, o bilionário que se elegeu com o voto de protesto contra a elite política se vê enredado nos labirintos de Washington e amarga taxas sem precedentes de reprovação

Gabriela Freire Valente
postado em 19/02/2017 08:10
Aprovação de Trump experimenta os mais baixos índices para um mandatário que mal esquentou a cadeir

Há exatos 30 dias, Donald Trump prometeu tirar o governo dos Estados Unidos das mãos do establishment político e entregá-lo ao povo americano. Um mês depois de o magnata ser empossado presidente da maior potência econômica e bélica do mundo, a Casa Branca não se tornou exatamente uma instituição dirigida pela vontade popular. Enquanto o republicano colocava em prática algumas das propostas de campanha mais polêmicas, por decreto, a aprovação de seu governo experimenta os mais baixos índices para um mandatário que mal esquentou a cadeira. A turbulência é considerada sem precedentes em um momento no qual os presidentes recém-eleitos costumam experimentar uma espécie de lua de mel com a opinião pública.

Em meio a protestos de rua e à pressão da bancada oposicionista, que atrasou ao máximo a aprovação de alguns dos indicados para o gabinete, Trump exercitou os músculos da presidência com uma série de ordens executivas (decretos). O novo chefe de Estado, porém, não contava com a suspensão judicial da medida que pretendia barrar a entrada de estrangeiros de sete países específicos, todos de maioria muçulmana. Com limites impostos à sua autoridade antes de completar quatro semanas no cargo, Trump ainda viu o primeiro membro da alta cúpula da Casa Branca ; Michael Flynn, conselheiro de Segurança Nacional ; cair por causa de envolvimento mal explicado com autoridades russas.

Para Anthony Gaughan, especialista em eleições e professor de direito da Drake University, em Iowa, o intenso início de governo mostrou ;uma desorganização nunca vista antes;. O estudioso observa que as divisões precoces entre membros da equipe têm enfraquecido a gestão republicana. ;Parece que Steve Bannon, conselheiro do presidente, e Reince Priebus, chefe de Gabinete, têm bases de poder rivais;, ressalta. ;Mas o próprio presidente desempenhou um papel-chave para dividir o governo e criar essa atmosfera de desorganização.;

As constantes mudanças de opinião e contradições do bilionário que se tornou presidente são vistas pelo analista como uma das causas da crise. Kellyanne Conway, outra conselheira de primeiro escalão, tenta agir como apagadora de incêndios. Faz aparições quase diárias na imprensa americana, mas ela tem dificuldade para não causar polêmica. Dewey Clayton, professor de ciência política da Universidade de Louisville, em Kentucky, atribui o ;alto nível de tumulto; à inexperiência da equipe e ao fato de o governo ter iniciado as atividades sem a maioria dos ministros aprovada pelo Senado. ;Trump e a equipe estão descobrindo agora que governar é diferente de fazer campanha. Então, há um processo de aprendizado em curso;, pondera.
Clayton considera que a implementação das ordens executivas, especialmente o bloqueio à entrada de refugiados e visitantes oriundos de sete países de maioria muçulmana, foi ;mal planejado;. ;Isso criou um caos ao redor do país e do mundo. Não existe precedente para a quantidade de protestos no país e fora dele, desde que Trump assumiu o governo;, destaca.

Oportunidade


O cientista político, porém, vê sinais de esforços para contornar as incertezas e promover a estabilidade na gestão republicana. Ele nota que o presidente tem atenuado, em algumas ocasiões, a retórica agressiva usada na campanha. Foi o que se observou, por exemplo, quando Trump recebeu as primeiras visitas de líderes estrangeiros à Casa Branca. Ao mesmo tempo em que o novo governante é pressionado pelos protestos, Clayton identifica uma oportunidade para o Partido Democrata se reorganizar e ganhar força para as eleições legislativas de 2018.
Assim como os republicanos se reuniram ao redor do grupo ultraconservador Tea Party para recuperar o controle do Senado, em 2010, ganham força especulações sobre a formação de um grupo similar do outro lado do espectro político. ;Há um movimento espontâneo das bases que vai contra algumas das medidas que o presidente tenta implementar;, nota Clayton. ;Os cidadãos americanos estão dizendo para alguns líderes democratas que querem vê-los agir e servir como verificadores, como um elemento que garanta o equilíbrio entre os poderes.;

Inimigos

Embora avalie que os democratas têm a seu favor o apoio das minorias demográficas, em plena expansão, e que o engajamento visto nos protestos tem energizado as pessoas que não participaram da eleição de novembro, Gaughan pondera que a nova oposição ainda está em posição de fragilidade, por não deter o controle de nenhuma das câmaras do Congresso e ser minoria no comando dos governos estaduais. Até então, o mercado financeiro americano tem reagido favoravelmente à nova gestão na Casa Branca. ;Consequentemente, pelo menos por agora, o maior obstáculo que Trump enfrenta são os tribunais federais;, ressalta. ;Como mostrou o caso do bloqueio de imigração, as Cortes não hesitaram em barrar Trump quando entenderam que ele excedeu a autoridade constitucional.;
Somado às críticas feitas pelo indicado por Trump para preencher uma vaga na Suprema Corte, Niel Gorsuch, sobre os comentários do presidente acerca da atuação do Judiciário, o cenário alimenta debates sobre a possibilidade de os EUA enfrentarem em breve uma crise constitucional.


"Trump e a equipe estão descobrindo que governar é diferente de fazer campanha"
Dewey Clayton, professor de ciência política da Universidade de Louisville

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