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Moradores de cidades mexicanas temem política migratória de Trump

A população acredita que possa causar mais mortes na região e estimular o caos humanitário, com a deportação sem precedentes de ilegais

Rodrigo Craveiro
postado em 06/03/2017 06:00
Nogales, no estado mexicano de Sonora, vista do lado norte-americano: o muro feito de  concreto e granito cor-de-rosa se destaca na paisagem
Ao fim do dia, o muro de concreto e de granito polido cor-de-rosa que divide as cidades de Nogales, nos estados de Arizona (Estados Unidos) e de Sonora (México), ganha aspecto mais sombrio. É de madrugada que a barreira, que serpenteia por boa parte da fronteira entre os dois países, atrai os migrantes seduzidos pelo american dream (;sonho americano;). Alguns perecerão no deserto, serão abatidos por agentes da patrulha fronteiriça ou acabarão em um centro de detenção dos EUA, à espera da deportação. A promessa do presidente Donald Trump de erguer um muro completo de separação tem provocado tensão entre os moradores do extremo norte do México. Além de simbolizarem uma espécie de apartheid latino, o projeto e a política migratória do republicano podem provocar uma onda de repatriados sem precedentes e impactar as relações de vizinhança entre comunidades dos dois lados da fronteira.

[SAIBAMAIS]Morador de Nogales, o jornalista Jose Antonio Ibarra Puentes, 51 anos, admite preocupação por parte dos cerca de 210 mil habitantes. ;Nogales se distingue por ser uma cidade humanitária. Ela sempre estendeu as mãos aos mexicanos deportados;, afirmou. Ele conta que a população tem se mobilizado para atender aos migrantes da América do Sul e da América Central. ;Nós temos fornecido alimentos, medicamentos, cuidados médicos e um lugar para que eles se resguardem da chuva, do vento do sol e do frio;, explica.


O inverno é rigoroso, com neve e temperaturas de até 13 graus negativos. Durante o dia, o calor de 45 graus é um convite à desidratação. Puentes reconhece a importância de as autoridades ajudarem também os deportados. ;Uma pessoa deportada dos EUA chega ao México com o domínio de técnicas muito importantes de construção, mecânica e agricultura. Nogales está pronta para absorver essa mão de obra.;

Em Tijuana, 783km ao norte, Ángela Lucía Serrano Carrasco teme uma radicalização na contenção de migrantes na fronteira, com o governo Trump. ;Há uma década temos um muro fronteiriço que separa os dois países. Apesar de ele ter sido fortalecido ao longo do tempo, não estamos alheios à problemática que implica viver sob essas condições;, diz à reportagem a integrante do Comitê Estratégico de Ajuda Humanitária de Tijuana. Segundo ela, nos últimos dias tem sido comum presenciar de dois a quatro helicópteros sobrevoando a área do muro, do lado norte-americano. ;Infelizmente, têm sido recorrentes os disparos contra civis do lado mexicano. Cremos que a política de Trump vai aprofundar e justificar as ações militares.; Ela prevê que a construção do muro vá enfraquecer as passagens fronteiriças e exigir a reformulação da dinâmica das economias na área fronteiriça.

Supervisão


Também em Tijuana, Carlos Barboza Castillo, advogado e presidente da Fundación por La Paz (em Tijuana), comenta que entre 300 mil e 500 mil carros atravessam a fronteira por ali, diariamente. Com as políticas anunciadas por Trump, a população passou a conviver com a incerteza e o temor. ;A supervisão é cada vez maior e as deportações têm aumentado, o que pode causar uma crise humanitária em Tijuana;, alerta. O ativista lembra que, nas últimas duas décadas, os EUA construíram dois muros na fronteira norte. ;A construção de uma terceira barreira significaria, para nós, estar realmente divididos, não somente por uma visão fascista e discriminatória, como também por um muro que separa toda a região.;

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Castillo acredita que Trump possa causar danos em sua própria população, pelo fato de San Diego, na Califórnia, e Tijuana serem codependentes. ;Nossa economia depende muito dos visitantes norte-americanos, e a economia da Califórnia depende muito dos visitantes mexicanos.; Como forma de protesto, ele coordenou um movimento chamado de ;Umas horas pelo México;. Em 5 de fevereiro passado, os moradores de Tijuana não atravessaram para os EUA entre as 8h e as 15h. (horário local). ;Foi um chamado cívico para mostrar nossa indignação ante as políticas racistas (de Trump). A linha da fronteira ficou praticamente vazia, o que causou impacto nacional e também internacional.;

De acordo com Vicente Sánchez Munguia, professor do Colégio de La Frontera Norte (em Tijuana), o muro entre Tijuana e San Diego transparece um significado de hostilidade para com o México; senso que também se traduz na forma de agir dos agentes fronteiriços. ;Muitas vezes, eles tratam de forma nada amigável as pessoas que buscam cruzar para os EUA legalmente;, afirma. O especialista diz que existe a preocupação de que a política de deportação de Trump contribua para uma população excedente nas ruas de Tijuana, a qual não teria possibilidade de ser absorvida e atendida pelos serviços públicos.

Munguia também não descarta que vários estrangeiros permaneçam na cidade. ;Os albergues das organizações religiosas estão no limite da capacidade, ante a onda de migrantes haitianos que chegaram em meses anteriores. As autoridades legais também temem que alguns dos estrangeiros sejam cooptados pelo crime organizado.;

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