Politica

Entrevista: Marcus Faro de Castro fala sobre ativismo judicial

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postado em 07/09/2008 07:00
Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu há três semanas acabar com o nepotismo nos Três Poderes. A decisão proíbe a contratação de parentes até o terceiro grau de autoridades e de funcionários para cargos de confiança. Para surpresa de integrantes do Executivo e do Legislativo, o Supremo estendeu o entendimento que seria válido apenas para o Judiciário aos outros poderes. Antes, a Corte liberou a candidatura a cargos eletivos de condenados em primeira instância pela Justiça, os chamados "fichas-sujas".

Para o professor Marcus Faro de Castro, estudioso há 15 anos do processo de judicialização da política no Brasil, essas decisões do STF "são parte do cotidiano das democracias que têm um Judiciário ativo". "Não existe nenhuma necessidade de reservar matéria para análise de um ou outro poder", afirma o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo Marcus Faro, esse processo, que vem se desenvolvendo a partir da Constituição de 1988, é positivo. "O Judiciário tem a oportunidade de acrescentar elementos ao discurso público sobre a moralidade da sociedade. É uma oportunidade que nem sempre está presente em outros ambientes institucionais", avalia. As reações, como a tentativa do Congresso de legislar depois que o STF restringiu o uso de algemas por presos, por exemplo, é parte do processo. "Não há nenhum poder dominante", afirma. Leia os principais trechos da entrevista:

Judicialização da política
Essas decisões do Supremo Tribunal Federal que têm chamado a atenção, como a da proibição do nepotismo nos três Poderes, são parte do cotidiano das democracias que tem um Judiciário ativo. Não existe nenhuma necessidade de reservar matéria para análise de um ou outro poder. Na verdade, os poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, se pronunciam, em princípio, sobre todo tipo de matéria nas democracias modernas. Faz parte do jogo democrático hoje uma interação entre os poderes, uma interação entre os centros de autoridade.

Processo recente
O processo de judicialização da política no Brasil vem se desenvolvendo a partir da Constituição de 1988. O texto constitucional tem características que propiciam o desenvolvimento de uma interação dos poderes mais dinâmica, como a criação de novos direitos, de forma muito analítica, a autonomia financeira do Judiciário, que cria condições para um maior ativismo judicial.

Vácuo dos outros poderes
Há uma demanda da opinião pública pela tomada de posição do Estado a respeito de diversos tipos de assuntos. Evidentemente, quando um poder não age, outro pode se sentir instado a agir, portanto, a se pronunciar.

Processo positivo
O processo é positivo, faz parte do processo democrático. O Judiciário tem a oportunidade de acrescentar elementos ao discurso público sobre a moralidade da sociedade. É uma oportunidade que nem sempre está presente em outros ambientes institucionais. O Legislativo, por exemplo, é muito preso à função de representação de interesses e não necessariamente de construir ou dar forma concreta a ideiais de Justiça. O processo democrático contemporâneo é a representação de interesses e esses interesses que motivam os indivíduos muitas vezes estão relacionados a valores numa forma muito confusa, muito tênue. Entendo que cabe ao Judiciário enriquecer o debate público com uma perspectiva que dê conteúdo às ações, decisões e escolhas da sociedade.

Algemas X reação do Congresso
Não vejo que o Congresso fique a reboque do Judiciário. Eu vejo que, no caso das algemas, a ação seja uma reação ao que o Judiciário estabeleceu. E, às vezes, o Judiciário age em reação a que outros poderes estabelecem. É um processo que chamamos de dialética institucional, que é parte da democracia. É um sistema de freios e contrapesos. Não há nenhum poder dominante. É importante assinalar que, nesse processo, o momento crucial é o pronunciamento institucionalizado da opinião pública durante as eleições. Atualmente a mensuração que se faz da opinião pública também ocorre fora do período eleitoral. Hoje qualquer autoridade tem interesse em saber e em que sentido está se inclinando a opinião pública. É curioso notar que, no passado, os tribunais não tinham assessoria de imprensa, órgãos de comunicação e hoje tem até televisão. Na democracia não basta querer decidir sem prestar atenção à opinião pública. A opinião pública é sempre importante.

Reforma do Judiciário
A emenda da Reforma do Judiciário (aprovada em 2004) trouxe inovações boas, entre elas a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Sem dúvida, uma das contribuições dessa reforma foi abrir oportunidade para que o Judiciário seja menos corporativo, uma vez que ele fica menos monolítico. O CNJ tem membros externos. Isso abre espaço para que sejam feitos questionamentos a respeito da gestão do aparelho judicial. Esse caso do nepotismo, que passou lá pelo CNJ antes de ser julgado pelo Supremo, é exemplar.

Críticas ao Judiciário
O debate é democrático, sempre preservando a liberdade de opinião, de pensamento, a democracia. A crítica é válida, desde que não seja ofensiva.

Judicialização em outros países
Em outros países, nos Estados Unidos, por exemplo, o juiz normalmente fala apenas nos autos. Pesquisas mostram que no Brasil os juízes falam por outros meios que não sejam o Judiciário propriamente dito. Falam em discursos de posse, em entrevistas à imprensa. Aqui o juiz tem um papel muito mais político, vamos dizer assim, semelhante ao papel do legislador. O magistrado recebe muita gente, político, mas, de qualquer forma, o papel institucional do juiz eu não acho que seja redutível ao de um legislador porque a missão institucional do juiz não é a da representação democrática de interesses e sim construir os parâmetros que formam noções ideais de Justiça na sociedade.

Linha adotada pelo STF
O que falta ao Supremo Tribunal Federal é um trabalho de construção e consolidação de uma jurisprudência a respeito do conteúdo dos direitos fundamentais. No Brasil, por exemplo, é muito mais provável que, se houver um conflito concreto a respeito de liberdade de expressão, ele seja resolvido por um processo que envolve poder e não Justiça. O que isso significa? Quem conhece o delegado, quem tem amigos, quem tem contatos, etc, vai obter uma solução mais favorável, a probabilidade é essa. Porque existe pouca jurisprudência constitucional descrevendo o que é objetivamente liberdade de expressão. Liberdade de expressão, religiosa, direito de ir e vir, e uma série de outros direitos. Veja o direito à saúde, por exemplo. O Supremo tem dado uma série de decisões para um lado e para outro sobre acesso a remédios. Não há uma jurisprudência consolidada definindo qual é o conteúdo do direito à saúde. É óbvio que esse conteúdo não deve ser fixo porque a sociedade muda, a tecnologia muda e a jurisprudência também. Agora uma coisa é a jurisprudência mudar. Outra coisa é ela não existir ou ser completamente insuficiente.

Habeas corpus
Entendo que o habeas corpus seja uma ação muito valiosa para construir uma jurisprudência a respeito dos direitos dos prisioneiros. Em outros países, há uma jurisprudência rica sobre quais são esses direitos. Só porque uma pessoa é presa ela não deixa de ter direitos. No Brasil, uma situação curiosa é que por baixo do Direito e no seio da sociedade de maneira implícita existe uma espécie de código de poder. Então muitas vezes prisões são feitas como jogadas de poder desse código não escrito. E obviamente que é contra esse tipo de ato que o desenvolvimento de uma jurisprudência descrevendo quais são objetivamente os direitos do prisioneiro seria útil. Uma sociedade justa é aquela em que as sociedades deixam ser de poder e passam a ser de noções compartilhadas de Justiça. Aqui, há muita arbitrariedade, como aquela ligada ao crime até a de grupos de interesse organizados que usam o poder para defender seus interesses e manter suas posições. Eu entendo que a missão do Direito é contribuir sempre para dissolver as relações de poder.

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