Politica

"Economia derrubou Dilma", diz novo corregedor nacional da Justiça

João Otávio de Noronha analisa processo no Senado e culpa o foro privilegiado pela crise no Poder Judiciário

Natália Lambert, Eduardo Militão
postado em 12/09/2016 06:05


O novo corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), João Otávio de Noronha, acredita que o impeachment de Dilma Rousseff foi motivado pela má gestão do governo dela na economia, e não pela força dos partidos de oposição. ;Tivesse a economia muito bem, Dilma não teria saído, não teria sofrido o impeachment;, avalia o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em entrevista ao Correio. ;Quem derrubou a Dilma não foi o PSDB, não foi DEM, não foi o Eduardo Cunha, quem derrubou a Dilma foi sua má gestão na economia.;

Noronha é contra o foro privilegiado para autoridades ; no Brasil, são mais de 20 mil com o benefício de só serem julgados por tribunais ; e o culpa pela crise do Judiciário. O corregedor, de Três Corações (MG), está no STJ desde 2002 e é especialista em direito do trabalho, processual do trabalho e processual civil pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.


Em seu discurso de posse na Corregedoria, o senhor falou que ninguém é refém do Ministério Público, da imprensa e da Polícia Federal. Era uma crítica à Operação Lava-Jato?
Não, de modo algum. Eu até tenho defendido muito o Sérgio Moro. Acho o Moro um grande juiz. Aliás, se vocês bem observarem, até agora, não houve revogações das decisões do Moro. Nós temos, no país afora, uma série de decisões em que juiz tem se sentido, de certa forma, intimidado. Olha pela repercussão que a mídia dá. Observe bem o ministro Toffoli, ao conceder de ofício o habeas corpus e revogar a prisão preventiva de determinado alvo de uma reportagem cruel da revista Veja. Todos nós sabemos que ele exerceu seu poder de julgar e manter sua livre convicção. O magistrado não pode se sentir intimidado porque o Ministério Público vai investigar, outro magistrado vai dar habeas corpus trancando a investigação. Esse é o papel. Falta justa causa no inquérito, na investigação? O magistrado que está a julgar a causa tem que ter discernimento, coragem e determinação de fazer prevalecer o princípio constitucional. Quando digo que um juiz não pode ser refém da mídia, do Ministério Público e da Polícia Federal, ele não pode ser refém nem dos seus pares e nem do CNJ. O juiz ao julgar tem que aplicar a lei, ele tem que formar sua livre convicção com base nos fatos e, sobre esses fatos, fazer incidir a norma jurídica. Então, ele não pode ter medo nem da corregedoria do seu tribunal, nem da corregedoria nacional, nem da mídia. Não pode temer que a mídia o criticará, não pode temer os colegas, ele tem que fazer prevalecer a Constituição. O juiz só pode ser refém da Constituição e, assim mesmo, com o propósito de concretizar os direitos fundamentais, agasalhados, na Constituição, na carta política.

É essa linha que o senhor pretende levar na Corregedoria?
Levar à frente. Eu disse que nós precisamos blindar. O que é blindar? É proteger. Engana-se quem pensa que o papel do CNJ é punir o juiz. Para punir, você não precisa de um Conselho Nacional de Justiça. Para punir, você faria um tribunal ou criaria uma competência nos tribunais superiores. O principal objetivo do CNJ é o de assegurar a independência da Justiça, porque, só com uma Justiça livre, independente, é que nós podemos garantir os direitos fundamentais. É assim que nós vamos evitar a concentração de poder do Estado. A Constituição existe não apenas para defender os cidadãos do Estado, mas, sobretudo, para concretizar as garantias fundamentais. Dentro das garantias fundamentais, nós temos exatamente o direito de liberdade. Mais que o direito de liberdade, o direito de sofrer o devido processo legal, ser devidamente processado, ou seja, se submeter ao devido processo legal e de que se assegure a sua ampla defesa, que os procedimentos sejam obedecidos. Nós também blindamos a magistratura quando julgamos e eliminamos do corpo, do nosso corpo, os juízes corruptos. Então, dentro da blindagem está exatamente julgar devidamente os juízes corruptos eliminando-os da corporação.



E quais são os primeiros passos?
Estou levantando dados, para elaborar e apresentar ao conselho um planejamento estratégico da Justiça para os próximos cinco anos. Acho que o CNJ tem um papel também de ser um órgão de planejamento da Justiça. Para onde vamos? Como vamos? E quando vamos? E, neste momento, nós temos uma série de projetos que precisam ser continuados, aperfeiçoados e implementados. Temos que planejar administrativamente a Justiça. Nós temos diversos tribunais no país. É uma quantidade enorme e essa Justiça tem que conversar entre si. Uma carta precatória que sai daqui de Brasília para Minas, lá, eles não acessam o processo. Ainda estamos no tempo de mandar xerox, cópia, com longa demora. Se fosse informatizado, no exato momento, o réu seria informado. E que programa vamos adotar? Para que possamos, nacionalmente, nos comunicar, temos que ter um programa. A Justiça tem um PJE que está a passos lentos. Precisamos investir muito em tecnologia. Até porque chegou um momento de a Justiça parar de crescer. Acho que não é mais o momento da Justiça contratar técnico, tem que contratar analista, uma mão de obra mais qualificada para trabalhar com esse sistema, para implementar uma Justiça não mais quantitativamente boa, mas qualitativamente boa. Precisamos melhorar a qualidade dos juízes. Às vezes, tachamos de absurdo umas preliminares de juiz de primeiro grau. Mas absurdo é esse juiz ter assumido a comarca, ter assumido a vara, sem passar por um curso de formação, ou ficar 20, 30 anos na magistratura sem participar de um curso de aperfeiçoamento. Então, precisamos investir muito na escola nacional de formação. E o CNJ tem que ser um parceiro dessa escola.

[SAIBAMAIS]E qual é a dificuldade de fazer isso no Brasil?
Primeiro, a conscientização porque o prefeito reclama que a comarca está vaga e ele quer colocar o juiz urgente. Pior que não colocar juiz, é colocar um juiz mal formado, despreparado. Aí esse juiz tem medo da imprensa, do advogado, ele é refém do seu próprio medo. Então, a blindagem da magistratura passa por uma adequada formação e isso as pessoas não enxergam. Tem presidente que acha um absurdo investir, gastar e eu digo que não se gasta com formação, se investe em formação. Precisamos fazer com que os juízes tenham consciência do papel da Justiça, tenham uma maior consciência institucional. É hora de tirarmos da pauta da magistratura a questão de aumento salarial, de vantagens. É hora, agora, de investirmos no prestígio da instituição. Só vamos melhorar esse prestígio se investirmos na qualidade da Justiça.

O senhor é contra o reajuste do Judiciário que está no Senado?
Não sou contra o aumento de salário. Eu penso que agora não é momento da magistratura ficar correndo atrás de aumento. O que eu acho é que nós não temos, ao longo do tempo, rigorosamente, vantagens. Acho que agora é hora de mudar, é hora de brigarmos mais, prioritariamente, pela melhoria da qualidade, da eficácia e eficiência.

Então, o aumento não é uma prioridade agora?
Eu acho que não. O que a gente não pode é ficar nesse sistema que temos de vinculação de salário. Se dá aumento no salário de ministro, contamina todos os espaços. Primeiro, que isso já cortaria o sentido por ser federativo. A Justiça nacional, o custeio dela, é ora federal, ora estadual. Da Justiça Federal, é da União, da Justiça do estado, é do estado. Então, você não pode aqui vincular salários, quando tem fontes de verba de custeio. Esse é um grande equívoco que precisa ser corrigido.

A gente passa por uma crise generalizada agora?
Sem dúvida. Tivesse a economia muito bem, Dilma não teria saído, não teria sofrido o impeachment. Você tem dúvida disso? Quem derrubou a Dilma não foi o PSDB, não foi o DEM, não foi Eduardo Cunha, quem derrubou a Dilma foi sua má gestão na economia.

E agora, como é que vai ser?

O novo presidente tem alardeado e tem dito que tomará as medidas necessárias para que a economia se recupere. Medidas necessárias todo mundo sabe, necessariamente, são elevação de receita e contenção de despesas. É preciso zerar o deficit público.

O senhor acredita que ele vai tomar essas medidas?
Acredito, até porque ele já declarou publicamente que não é candidato à reeleição. Acho que ele pode tomar as medidas, se ele o fizer, isso terá um preço inicial de impopularidade, mas ao longo da história acabará sendo reconhecido como o homem que teve a coragem de fazer aquilo que o Brasil precisava fazer para se reerguer.

Há muitos anos se tenta fazer reformas no país, como a trabalhista e a Previdenciária, mas ninguém,
de fato, fez até hoje. Agora seria o momento?

Não é que seria o momento, é necessário, tem que ser agora. Não se escolhe o momento. O momento já está determinado pela crise econômica. Se não resolvermos, vamos ficar como na década de 1980, perdidos, vamos voltar a ter a inflação mais alta porque, sem essa expectativa futura de correção da economia, é desastroso. Note bem, o afastamento da presidente Dilma do poder fez com que a economia parasse de cair tão abruptamente como vinha caindo. Deu uma estancada. O que não significa que parou, mas diminuiu muito a velocidade da queda. Isso tudo em razão da expectativa futura. E o que as pessoas não observam é que o Brasil está quebrado em sua própria moeda, não em moeda estrangeira. Nós temos reservas mantidas, com juros elevadíssimos. A manutenção da reserva tem um custo para o país muito alto porque a reserva foi feita com gastos, comprados em reais que o Tesouro teve que emitir títulos e teve que pagar juros elevados. Manter a reserva é um gasto bem alto, mas é necessário porque essa reserva nos tira da especulação externa.

E esse fatiamento que fizeram no julgamento do impeachment para manter os direitos políticos da Dilma. É uma leitura possível?

Eu fiquei surpreso. Confesso que fiquei muito surpreso, para não dizer perplexo. O texto constitucional, a meu modo de interpretar a Constituição, não autoriza essa conclusão, me parece que foi de extrema criatividade do Senado. Acredito que a inelegibilidade, no caso, é válida. A cassação dos direitos políticos, como a inelegibilidade, é uma consequência da condenação. Assim como a perda do cargo do funcionário público, do magistrado, é uma consequência da condenação. Você não pode condenar um magistrado e mantê-lo no cargo, isso é uma consequência.

Abriu, então, um precedente?

Abriu um precedente que será levado ao Supremo e aí não há de se falar em autonomia do Senado, que deve ser exercida dentro dos termos da Constituição. Não haverá invasão de poderes. Mas, eu entendo que o Supremo só poderá se limitar a cassar essa decisão e reconhecer a inelegibilidade na forma do texto constitucional, como consequência, natural, da condenação.

O ministro Ricardo Lewandowski usou como exemplo para o atiamento um julgamento do Supremo, lá em 1992, da época do Collor.
Totalmente equivocado, a meu sentir. O Collor não sofreu o impeachment direto, ele renunciou antes e como o processo estava aberto de qualquer maneira, entendeu o Senado presidido, na época, pelo ministro Sydney Sanches, isso não impede que seja julgado as consequências e quem deu causa a isso foi a renúncia do presidente Collor. Ele renunciou o poder, mas a Corte ficou. O Senado ali, naquele momento, é um tribunal, tem a competência para apreciar a sanção em razão da consequência da ação de impeachment.

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