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Pacote anticorrupção desfigurado pela Câmara atinge autonomia do MP

Processos de violência doméstica, por exemplo, ficarão impossibilitados por causa do risco de processo criminal contra o promotor, caso o marido seja inocentado

Natália Lambert
postado em 03/12/2016 07:00
Uma mulher, agredida pelo marido, decide denunciá-lo, mas a delegacia da mulher está fechada ou em greve. Ela, então, vai ao Ministério Público pedir ajuda. É recebida pelo promotor, que a escuta e instaura um processo investigativo. Os projetos de lei que estão em debate no Senado, com a intenção de reformular os crimes de abuso de autoridade, colocam em risco essa rotina. Caso os textos sejam aprovados como estão, esse promotor, provavelmente, teria de mandar a mulher para casa sem atendê-la porque correria o risco de responder criminalmente se o marido fosse inocentado.

De acordo com o promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) Thiago Pierobom, a eventual sanção do projeto trará efeitos nefastos no campo da luta contra a violência doméstica. ;Esses delitos são cercados por um quadro fático de divergências, em que a mulher é a única testemunha do crime e não raro ela mesma se retrata da inicial manifestação.; Para o promotor, que é coordenador do núcleo de gênero do MPDFT, além de intimidar investigações, a proposta estimula o arquivamento de inquéritos policiais não só de casos contra a mulher, mas aos demais delitos relacionados à proteção de direitos humanos, já que, normalmente, geram divergências processuais.

[SAIBAMAIS]O tema é um dos principais motivos de discórdia entre parlamentares e integrantes do Judiciário, procuradores, promotores e até policiais. A criminalização, por exemplo, de membros do Ministério Público caso ele seja derrotado em um processo na Justiça caminha em duas frentes na Casa. Após uma manobra fracassada, que teve a urgência rejeitada em plenário por 44 a 14 votos, o PL ;anticorrupção; da Câmara ; chamado por procuradores de ;Lei da Intimidação; ; foi encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e aguarda o presidente do colegiado, José Maranhão (PMDB-PB), designar um relator. De acordo com a assessoria do senador, um nome deve ser escolhido na segunda-feira.

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A outra frente é o Projeto de Lei n; 280/2016, de autoria do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), previsto para ser votado na próxima terça-feira. Na quinta-feira, durante sessão temática destinada a debater a proposta, o juiz federal Sérgio Moro, principal responsável pela Operação Lava-Jato, sugeriu a inclusão de um artigo para salvaguardar a atuação e a autonomia da magistratura: ;Não configura crime previsto nesta lei a divergência na interpretação da lei penal ou processual penal ou na avaliação de fatos e provas;.

Moro citou exemplos em que a atuação de um agente da lei pode ser interpretada, segundo a proposta, como abuso de autoridade. ;Se um juiz não aceitar uma denúncia feita por um procurador, será que não houve apenas uma divergência de avaliação de fatos e provas? Da forma como está o texto, ele terá impacto na autonomia do MP;, acrescentou. Relator do projeto, o senador Roberto Requião (PMDB/PR) terminou ontem seu relatório e irá protocolá-lo na segunda-feira para que, conforme as previsões de Renan Calheiros, seja apreciado em plenário na terça. De acordo com a assessoria do parlamentar, a sugestão do Sérgio Moro foi acatada no texto ;na medida do possível para não desfigurar o projeto;.

A emenda de Moro ajuda, mas não resolve o problema das ;bombas; que estão armadas no Senado. De acordo com Ronaldo Pinheiro de Queiroz, procurador da República do Grupo de Trabalho da força-tarefa da Lava-Jato, o que está em tramitação no Congresso não inviabiliza só o combate à corrupção, mas à criminalidade como um todo. ;O que está em jogo agora não é só a Lava-Jato, mas todas as investigações, processos e punições. O texto como está contribui para a impunidade e piora muito o que já existe hoje.;

Na manhã de ontem, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, também fez um apelo para que o Congresso não aprove as medidas que ;atentem contra a independência do MP e do Poder Judiciário;. ;Quando você é membro do Ministério Público, você instaura um inquérito com base em indícios. Mas quando você ingressa com ação penal, a lei exige alguns requisitos. Durante o processo, isso pode não ser comprovado, e você não pode ser responsabilizado por isso, porque, caso contrário, toda ação você terá que ingressar com certeza de condenação, e não é para isso que serve o processo;, afirmou Moraes.

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