Politica

"Não existe meio foro", diz Randolfe Rodrigues em entrevista ao Correio

Relator da proposta que extingue a prerrogativa de função diz que não há mais espaço para esse tipo de proteção na política brasileira

Natália Lambert
postado em 09/04/2017 08:00

Decepcionado após ter sofrido um revés no processo de aprovação do fim do foro privilegiado para autoridades no país, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2013, que trata do tema no Senado, afirma que trabalhará para evitar mais protelações. Ele promete entregar o novo parecer, no qual manterá o texto do projeto anterior, na quarta-feira, e, se houver vontade política, é possível que seja apreciado até o fim do mês.


Além da luta no Parlamento, o senador do Amapá afirma que, se os parlamentares não extinguirem a prerrogativa de função, estuda ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar uma mudança. ;Se nós perdermos a batalha do foro no Congresso, não descarto a possibilidade de irmos ao Supremo. Eu penso nisso e o meu partido pensa nisso, mas nós vamos primeiro jogar todas as nossas cartas em quem tem a responsabilidade de enfrentar o tema, que é o Congresso;, comenta. ;Mas só seremos vitoriosos se o povo se mobilizar;, acrescenta.

Confortável na Rede Sustentabilidade, o senador de 44 anos pretende disputar a reeleição no ano que vem e comenta que não há nome melhor para se candidatar à Presidência da República que o da presidente do partido, Marina Silva. ;Ela é o retrato do povo pobre brasileiro. Tem sensibilidade social para governar o país e, ao mesmo tempo, tem a responsabilidade com a retomada do crescimento econômico.;

Como foi o retrocesso na aprovação do fim do foro?

Esteve em curso na semana que passou, no Senado, um movimento para retardar a apreciação e, por isso, foi suscitada a Proposta de Emenda Constitucional do senador Acir Gurgacz (PDT-RO). A estratégia foi trazer de volta essa proposta, a PEC 13/10, para a Comissão de Constituição e Justiça. Faz parte de um movimento no Congresso em que a matéria do fim do foro privilegiado não é confortável. Para a maioria dos grandes partidos, não me parece que a proposta de acabar totalmente com o foro seja adequada. Para dar satisfação à sociedade, vão aprovar alguma espécie de fim de foro, mas a lógica será fazer de conta que muda para não mudar nada. Querem aprovar alguma proposta que faça uma mediação. E não existe mediação para o foro privilegiado, ou se acaba ou se mantém.

O que determina a PEC apensada à proposta?

Diz os tipos de crime para os quais cabe o foro privilegiado. Diz o seguinte: ;olha, quem tem foro privilegiado, se incorrer no crime de peculato, de apropriação de coisa pública, de corrupção, entre outros crimes, perde o foro;. Só que é incompatível. Não existe meio foro. Ou acaba para todos ou não acaba. E no Brasil, não cabe mais, tem que acabar.

Isso se aproxima do debate que acontece no Supremo?

A discussão no STF trata de crimes cometidos durante o mandato. A ideia do ministro Barroso é criar uma vara especializada para esses crimes. Essa ideia é, na verdade, uma forma de o Supremo interpretar a Constituição. Quem tem que legislar sobre o foro privilegiado é o Legislativo. Quem muda a Constituição é o Legislativo. Mas, se nós perdermos a batalha do foro no Congresso, não descarto a possibilidade de irmos ao Supremo. Eu penso nisso e o meu partido pensa nisso, mas nós vamos primeiro jogar todas as nossas cartas em quem tem a responsabilidade de enfrentar o tema, que é o Congresso.


Em que prazo mínimo é possível colocar de novo a proposta em votação?

Estou numa corrida contra a protelação. Na quarta-feira, apresentarei meu parecer e meu relatório na Comissão de Constituição e Justiça e vou pedir que o presidente do colegiado, senador Edison Lobão (PMDB-MA), paute o meu relatório. Estará pronto na quarta-feira. E já posso antecipá-lo. Com exceção de uma emenda proposta pelo senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que coloca o fim do foro como uma garantia constitucional no artigo 5;, as outras emendas eu rejeitarei. Meu relatório será pela manutenção do texto anterior e pelo fim do foro privilegiado para todos no Brasil.

Então o senhor continua relator das PECs?

Sim. Na verdade, teve um episódio estranho na quarta-feira. Quando uma matéria é apensada, a tradição é que o relator anterior acumule a nova matéria. Mas o meu nome não constava mais como relator no sistema. Aí teve uma intervenção do senador Álvaro Dias (PV-PR) e do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) junto ao senador Edison Lobão, que consolidou a minha confirmação como relator. Ainda bem, porque algo diferente disso seria o teatro do absurdo. Vou apresentar o meu parecer na quarta-feira e, se o Lobão pautar no mesmo dia, já podemos votar.

Esse revés deu desânimo?

Essa semana foi dura para quem quer transformar o país em uma República de fato. Uma República democrática não tem foro privilegiado e as autoridades do Ministério Púbico, e da magistratura que perseguem o crime, principalmente dos ricos, não são perseguidas. Tivemos uma ofensiva favorável à aprovação de um projeto de lei que, na prática, persegue magistrados e membros do Ministério Público. E tivemos a ofensiva contra o fim do foro privilegiado. Hoje, lamentavelmente, acho que está mais próximo de ser aprovado o projeto de abuso de autoridade do que a PEC do fim do foro. Essa agenda não é de interesse do Congresso e da maioria dos parlamentares.

Não é de interesse geral ou é por causa do momento Lava-Jato?

Não há interesse da ampla maioria do Congresso. Com a Lava-Jato ou em outros momentos, cada vez mais, vão surgir magistrados que terão a coragem de colocar na cadeia empreiteiros e políticos. E, quanto mais surgirem essas pessoas, mais a prerrogativa de função será preservada. Hoje, principalmente após a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a existência do foro é inviável, a não ser para que a impunidade continue. O Supremo não terá condições, nos próximos anos, de concluir o julgamento de tantos congressistas e autoridades. O que vai acontecer? O caminho da impunidade. A outra questão é que a Suprema Corte brasileira não foi criada para ser um tribunal do júri penal. Ela foi formada como um tribunal constitucional para dirimir as dúvidas da Constituição. Na situação atual, com tantas denúncias, o STF acabará se tornando um tribunal do júri .

Conseguir a restrição de foro a uma parte dos cargos já seria uma vitória?

O foro privilegiado como temos no Brasil só existe aqui. Nenhum país democrático do mundo tem a prerrogativa como nós temos. O foro privilegiado é um resquício aristocrático, só pertencente a monarquias absolutistas. E nem monarquias absolutistas têm foro para tanta gente. Temos foro para 33.387 pessoas. É do presidente da República aos prefeitos, passando pelo vice-presidente da República, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas, chefes em missões diplomáticas, governadores e vices, secretários de estado e do Distrito Federal, ministros do Supremo Tribunal Federal, dos tribunais superiores, senadores, deputados federais e estaduais, membros do TCU, membros dos tribunais de contas estaduais. Nenhum local do mundo tem isso. Nos Estados Unidos, não tem para ninguém, nem para o presidente da República. Na Grã-Bretanha, só existe para a rainha. Na França, não existe. É incompatível com uma democracia a existência desse instituto. Só serve para abarrotar tribunais e proteger alguns.


;Para dar satisfação à sociedade, vão aprovar alguma espécie de fim de foro, mas a lógica será fazer de conta que muda para não mudar nada. Querem aprovar alguma proposta que faça uma mediação. E não existe ediação para o foro privilegiado, ou se acaba ou se mantém;


Mas um meio-termo não seria melhor que nada?

Não é a minha convicção fazer concessão. A ideia é que o que serve para o presidente da República e para o senador serve para qualquer cidadão. A regra do processo penal é que o foro de competência para julgar alguém é o foro de domicílio do réu. E, se alguém se sentir prejudicado por uma condenação em primeira instância, que recorra à segunda instância.


O senhor tem tido muito apoio nas ruas?

Sim, bastante. E essa é uma pauta que só funciona se a sociedade pressionar o Congresso. Não é só apoiar o fim do foro, é apoiar a proposta para que ela seja aprovada. As mediações não cabem nessa equação. Há uma exigência que vem do momento atual de que o foro se tornou inadequado. Estou confiante, mas só seremos vitoriosos se o povo se mobilizar, se os parlamentares se sentirem pressionados.

E como estão os planos do senhor para o ano que vem?

Aparentemente, eu tenho quantidade de votos para tentar o governo, mas a minha pretensão é buscar a reeleição. Em princípio, sou candidato à reeleição ou candidato a voltar à universidade. Ainda tenho contribuições a fazer no Legislativo. Eu comecei como militante de movimentos sociais e ascender a cargo público foi algo quase como uma consequência. Não vejo a política como uma profissão. Se não der certo, volto com muito prazer a lecionar.

E o senhor está confortável no partido?

Estou. A Rede Sustentabilidade é o melhor partido, principalmente para a convivência da política brasileira hoje, onde os grandes partidos apresentam diferenças ideológicas e, em momentos cruciais, acabam se associando e se assemelhando. As diferenças e os antagonismos acabam se esvaindo e as semelhanças prevalecem. E a Rede é o melhor partido hoje para denunciar isso, para criar uma alternativa a essa polarização existente. Lá, tenho liberdade, tenho apoio nas minhas posições e fico mais feliz ainda porque essas posições têm identificação com a própria Rede.

E a relação com a Marina Silva (presidente da legenda)?

É a melhor possível. Procuro ao máximo dialogar e conversar com ela. Tenho muita convicção de que a melhor alternativa para o Brasil na eleição presidencial do ano que vem é o nome da Marina. Mesmo que ela não queira, farei todo o esforço para que ela seja candidata. A Marina começa a assumir claramente o perfil de presidente. Depois de termos tido oito anos de experiência com o PSDB, 13 anos de comando petista e de vermos que o sistema político está extremamente apodrecido, nós precisamos de um partido como a Rede e de uma liderança como Marina. A Marina é uma figura que, simbolicamente, nos lembra muito o indiano Mahatma Gandhi. Acho que o Brasil precisa de uma ruptura liderada por uma figura com esse perfil.


Como a Rede está vendo a proposta de reforma política em tramitação na Câmara?

Para nós, o fundamental não é se a matéria prejudica ou não os partidos do nosso porte. Somos, por exemplo, favoráveis à cláusula de desempenho (de barreira). Somos um partido pequeno, mas somos os primeiros a argumentar favoravelmente ao tema, porque não tem como existir um sistema com 35, 36 partidos políticos e com siglas que vendem o tempo de televisão durante a campanha e vendem parlamentares durante os mandatos. Essa diversidade deixa o país ingovernável. O maior problema da proposta é a ideia de voto em lista fechada neste momento. Não pelo voto em lista em si, mas porque, agora, a medida é um mecanismo de tirar do cidadão a prerrogativa de escolher alguém no momento em que a classe política está no pior nível.

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