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Projeto sobre abuso de autoridade está na pauta de comissão no Senado

Projeto considerado nocivo à operação Lava-Jato está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Enquanto integrantes do Ministério Público tentam evitar avanços contra investigadores e magistrados, políticos não abrem mão da votação de amanhã

Natália Lambert
postado em 25/04/2017 06:00
Requião, relator do abuso de autoridade: concessão no texto não alteraria conteúdo negativo para a Lava-Jato
A semana começou com uma tentativa de contra-ataque de procuradores e magistrados sobre o Projeto de Lei do Senado 280/16, que redefine os crimes de abuso de autoridade, que será votado amanhã na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Mensagens compartilhadas em redes sociais e por meio de aplicativos de celular alertam a população sobre a possibilidade de a proposta intimidar investigadores no combate à corrupção.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, partiu para o enfrentamento no Senado. Desde a semana passada, ele intensificou a atuação na tentativa de segurar iniciativas que ameaçam a operação. No dia seguinte à leitura do texto final do substitutivo ao PLS 280, na quinta-feira, o procurador-geral teve uma conversa com relator da matéria, senador Roberto Requião (PMDB-PR), que admitiu reconsiderar um dos pontos mais polêmicos, o artigo 3;, que deixa aberta a possibilidade de qualquer pessoa que se sinta ofendida entrar com uma ação penal privada, criando uma contradição ao Código Penal. Na prática, o dispositivo existe na lei para casos muito específicos como calúnia, ofensa à honra, invasão de domicílio. A maioria dos crimes precisam passar por uma avaliação do MP para que ele decida se formaliza a acusação ou não.
Deltan Dallagnol: vídeo na tentativa de sensibilizar a população
[SAIBAMAIS]A ideia agora é acatar uma emenda do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que mantém a lógica do sistema com a ação penal pública incondicionada com a possibilidade de ação privada subsidiária. Assim, o cidadão poderá entrar com uma queixa-crime quando houver inércia ou omissão do sistema público com prazo determinado em lei. ;A expectativa é que a proposta venha tecnicamente mais ajustada;, comenta o procurador e secretário de relações institucionais da Procuradoria-Geral da República, Peterson Pereira. Mas a ação ainda não é suficiente para aplacar a sanha dos políticos contra os investigadores.

Na opinião do procurador da República Hélio Telho, a alteração do artigo resolve parte do problema, mas ele destaca que ;o diabo mora nos detalhes;. ;O que a gente tem visto nesse projeto é que, quando eles dão com uma mão, tiram com a outra;, critica. Telho destaca ainda outras questões que podem inviabilizar o trabalho da Lava-Jato, como a criminalização da condução coercitiva e da divergência de opiniões entre magistrados. ;A condução é muito utilizada hoje em todas as operações policiais. Ela evita que o investigado esconda ou destrua provas. Além disso, fazer com que todo mundo seja ouvido ao mesmo tempo evita que os suspeitos combinem versões entre si;, diz.


Mobilização

Ontem, pela manhã, os procuradores da Lava-Jato Carlos Fernando Lima, Deltan Dallagnol e Eduardo El Hage publicaram um vídeo chamando a população para pressionar os senadores a votar contra o projeto. ;Ele nos impede de fazer o nosso trabalho. É uma reação às investigações. A Lava-Jato está em risco. A independência do Judiciário e do Ministério Público está ameaçada;, comenta El Hage. Atores também saíram em defesa da operação. ;A Lava-Jato é uma janela histórica no combate à corrupção no Brasil e a gente precisa se mobilizar. O cidadão brasileiro precisa proteger e preservar o andamento da operação;, afirma Thiago Lacerda em outro vídeo.

Parte do grupo de senadores contrários à proposta, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que trabalhará para impedir que ela seja levada ao plenário amanhã. ;A nossa ideia é obstruir a votação para ganharmos uma semana. Nesse caso, cada dia é uma eternidade. Quanto mais adiarmos a implementação da lei, mais fôlego damos ao MP para ele atuar;, afirma.

O caminho

O PLS 280/16, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Confira o passo a passo para ele ser aprovado:
; Amanhã, a partir das 10h, a comissão apreciará o mérito do projeto. Para aprová-lo, basta a maioria simples dos senadores (metade mais um dos presentes).
; Na própria sessão, senadores podem aprovar um requerimento de urgência para que ele seja analisado em plenário também amanhã. De acordo com o inciso II, do artigo 336, do regimento interno, ;a urgência poderá ser requerida quando se pretenda a apreciação da matéria na segunda sessão deliberativa ordinária subsequente à aprovação do requerimento;. No caso, se for da vontade do presidente da Casa, ele pode abrir e encerrar mais de uma sessão no mesmo dia para que o prazo seja cumprido.
; Aprovado em plenário, também por maioria simples, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados.

Veja alguns pontos polêmicos da proposta

Algumas questões, segundo procuradores da República, podem inviabilizar a Lava-Jato, entre elas:
; Artigo 1;: a lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. ; 2; A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, necessariamente razoável e fundamentada, não configura, por si só, abuso de autoridade.
; Procuradores alegam que a inclusão do termo ;necessariamente razoável e fundamentada; não evita a possibilidade de se criminalizar hermenêutica (interpretação da lei).
; Artigo 3;: os crimes previstos na lei são de ação penal pública incondicionada, admitindo-se a legitimidade concorrente do ofendido para a promoção da ação penal privada.
; De acordo com entendimento entre procuradores e o relator da matéria, o artigo será alterado para que só seja permitida a ação penal privada quando houver omissão ou inércia do Ministério Público em avaliar a queixa-crime.

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