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Delegados temem interferência na PF com mudança de ministros

Temer coloca Torquato Jardim à frente da Justiça, no lugar de Osmar Serraglio, que vai assumir a pasta da Transparência.

Rosana Hessel
postado em 29/05/2017 06:00

Temer deixa o Jaburu acompanhado por Torquato Jardim (ao fundo) e Moreira Franco (E): mudanças na Esplanada anunciadas após um fim de semana repleto de reuniões com ministros e aliados mais próximos
O presidente Michel Temer decidiu, ontem à tarde, realizar mudanças em dois ministérios para reforçar a defesa dele no Judiciário. O peemedebista trocou de lugar os titulares da Justiça e Segurança Pública e da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU). Torquato Jardim substituirá Osmar Serraglio, e vice-versa. A mudança foi anunciada um dia após uma série de reuniões de Temer com aliados, como o ex-presidente José Sarney, e ministros no Palácio do Jaburu.

No Supremo Tribunal Federal, Temer é alvo de um inquérito por corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa. Por isso, a avaliação no Planalto é de que o presidente precisa de alguém com capacidade para levar suas ponderações sobre o tema diretamente aos ministros da Corte. Temer também pode ter o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que marcou para o próximo dia 6 o início do julgamento do processo contra a chapa dele como vice da ex-presidente Dilma Rousseff. No fim da manhã, Torquato foi chamado ao Jaburu e aceitou o convite. O novo ministro da Justiça, cuja posse ainda não foi marcada oficialmente, embarcou com Temer no avião presidencial por volta das 15h rumo a Alagoas, para um sobrevoo das áreas alagadas de Maceió (leia mais na página 5).

A viagem, inclusive, fez com que o presidente cancelasse uma reunião com os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) e o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Paulo Rabello de Castro, marcada para o mesmo horário na residência da vice-presidência. Castro, inclusive, foi escolhido às pressas por Temer, na sexta-feira, para assumir o lugar de Maria Silvia Bastos Marques, no comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para evitar mais desgaste em meio à crise política estourada com a delação premiada dos donos da JBS.

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Torquato Jardim ocupará o lugar do deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR) no comando da Justiça. Temer convidou o parlamentar para assumir o Ministério da Transparência, no lugar de Jardim. Mas, até o fechamento desta edição, o deputado não havia respondido o convite, o que não preocupa o Planalto, já que a avaliação é de que Serraglio vai aceitar.

Repercussão
Na avaliação de especialistas e aliados de Temer, a ida de Jardim para Justiça fortalece a pasta, pois ele tem um bom trânsito no Poder Judiciário. O novo ministro é respeitadíssimo pelos pares e tem vasta experiência na Justiça Eleitoral, cerca de 40 anos, sendo oito deles no TSE. Em entrevista exclusiva publicada ontem pelo Correio (confira trechos ao lado), Jardim afirmou que a lealdade dele a Temer "é inequívoca", e não descartou a possibilidade de um pedido de vista no processo da chapa Dilma-Temer no TSE. Disse que é algo "normal". Mas garantiu que a decisão do Tribunal deverá sair ainda em junho, "dentro de duas ou três semanas", após o início do julgamento.

O cientista político David Fleisher, professor da Universidade de Brasília (UnB), elogiou a nomeação de Jardim para a Justiça, pois acredita que a pasta ganhará com a vasta experiência do novo ministro. "Temer está tentando mostrar que continua governando e ele acha que conseguirá aprovar as reformas no Congresso", disse Fleischer. Em artigo publicado ontem no jornal Folha de S.Paulo, Temer afirmou que só sairá em 2019.

Mas nem todos elogiaram a troca. Em nota, a Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal (ADPF) informou que demonstra "preocupação" com a mudança e possíveis interferências no trabalho realizado pela corporação. Por meio de sua assessoria, Jardim avisou que "tudo será refletido e estudado" com o presidente Temer.

Trechos da entrevista

O novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, concedeu uma entrevista exclusiva ao Correio na sexta-feira, que foi publicada ontem pelo jornal, onde ele comentou sobre vários assuntos, como o encontro do presidente Michel Temer com o empresário Joesley Batista, da JBS, e o julgamento da chapa Dilma-Temer, marcado para o próximo dia 6, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Reveja alguns trechos:

Encontro com Joesley
; "O presidente é um parlamentar há 24 anos e tem uma conduta de informalidade que é própria de quem é do Congresso. Ele tem uma descontração ao encontrar as pessoas, doadores de campanha, empresários... Nesse âmbito é que eu compreendo ele ter recebido o empresário."


Julgamento da chapa
; "Nunca vi tantos especialistas em TSE, sem entender nada. Noventa por cento (do que dizem) são chute. O juiz decide como que está nos autos, o julgamento é jurídico. (...) Os fatos que estão na lide (espaço entre a acusação e a defesa) são poucos. Tem a ver com o início da investigação da Lava-Jato, de três anos atrás. Tudo o que veio depois, que a imprensa acrescentou e que o Ministério Público colocou nos autos, não faz parte da lide. É isso o que o tribunal vai decidir. No mais, é especulação."


Eventual pedido de vista no TSE
; "A coisa mais natural que existe, em um processo de 6 mil páginas, 1.250 páginas de relatório e um voto que terá de 400 a 600 páginas, é que um juiz peça vista. Acontece isso em qualquer julgamento. (...) É normal fazer isso."


; "Acho difícil resolver em uma semana, mas, em até três semanas, resolve."


Relação com Temer
; "E que fique registrado: minha lealdade ao presidente é inequívoca. (...) Eu saio com o presidente."


Perfil
TORQUATO JARDIM
Atuação na área eleitoral

Novo ministro da Justiça, o carioca Torquato Jardim é considerado um dos grandes especialistas em direito eleitoral do país. Assumiu a pasta da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União em 2016 e foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante oito anos (1988 a 1996). Em Brasília, foi professor de direito constitucional da Universidade de Brasília (UnB) por quase 20 anos, entre 1977 e 1995.

Em sua trajetória, também são registradas passagens pelas universidades de Michigan e de Georgetown, ambas localizadas nos Estados Unidos, e pelo Instituto Internacional de Direitos do Homem, na França. Entre 1980 e 1981, Jardim também exerceu o cargo de advogado do governo brasileiro na Comissão de Empresas Transnacionais das Nações Unidas em Nova Iorque e Genebra, na década de 1980, além de realizar conferências sobre direito, política e economia brasileira em diversos países, entre os quais, Canadá, Chile, Israel, México e África do Sul.

Com experiência de 40 anos na Justiça Eleitoral, o jurista é autor de publicações em artigos especializados e do livro Direito eleitoral positivo, cujo objetivo é debater referências jurídicas pela consolidação da democracia no Brasil.

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