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Mesmo em crise, ministério vai pagar viagem de servidores para o exterior

Pasta vai mandar 31 servidores com tudo pago para a Alemanha poucos dias depois de alegar não ter dinheiro para combater queimadas, como a que destruiu parte da Chapada dos Veadeiros

Bernardo Bittar
postado em 01/11/2017 06:00
O tíquete aéreo a partir de Brasília custa entre R$ 3,1 e R$ 4,4 mil. E as diárias do ministério, normalmente, são acima de R$ 500

Sem dinheiro para combater queimadas, como a que consumiu quase um terço da Chapada dos Veadeiros, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) liberou cerca de 31 servidores para um evento internacional na Alemanha, com passagens, diárias e refeições pagas pela pasta. A 23; edição da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas (COP23), que ocorre na cidade de Bonn, a 600km da capital Berlim, deverá tratar sobre mudança do clima e ações para evitá-las.

O tíquete aéreo a partir de Brasília custa entre R$ 3,1 e R$ 4,4 mil. E as diárias do ministério, normalmente, são acima de R$ 500. O evento ocorre entre os dias 6 e 17 de novembro, e o time deve ficar durante todo esse período em território estrangeiro. Os nomes, matrículas e funções dos servidores que vão comparecer ao evento na Alemanha foram divulgados a conta-gotas em boletins informativos do ministério. Em 30 de outubro, quatro deles foram publicados. Quatro dias antes, no dia 26 de outubro, outros dois. Em 23 de outubro, mais dois. O montante foi parar no Diário Oficial da União (DOU), o que deve totalizar 31 convocações, todas autorizadas pela pasta comandada por José Sarney Filho. Apenas este ano, o Ministério do Meio Ambiente já gastou R$ 406 milhões com diárias de servidores.

[SAIBAMAIS]Para o especialista em contas públicas e secretário-geral da ONG Contas Abertas Gil Castelo Branco, mandar uma comitiva desse tamanho para um evento internacional destoa do atual momento do país com um deficit fiscal de R$ 159 bilhões. ;Parece-me mais razoável mandar algumas pessoas, as mais especializadas, talvez, que pudessem passar esse conhecimento internamente depois de voltarem. A internet está aí para isso. Temos muitas facilidades e devemos usá-las;, disse.

Enquanto os servidores do ministério viajam, há menos de uma semana, um grande incêndio em Goiás, o maior de todos envolvendo o Cerrado, consumiu milhares de árvores e matou animais da fauna brasileira na Chapada dos Veadeiros porque não foi exterminado com a rapidez necessária. À época, o MMA informou ter feito ;todo o possível; para acabar com a queimada, mas enviou apenas 10 técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e 40 terceirizados para o local. A ação foi apoiada por aproximadamente 200 voluntários, que fizeram uma vaquinha na internet para conseguir comprar os mantimentos que lhes dessem aporte.



O professor de gestão ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Gustavo Souto Maior disse que o envio de três dezenas de pessoas para um evento internacional poderia ser mais bem avaliado. Em um momento que ;o orçamento do MMA passa por uma escassez brutal de recursos;, diz, é necessário ;ver quais são as prioridades: mandar gente para a Alemanha ou colocar funcionários fixos nas ;chapadas; para combater incêndios daquele porte;.

Souto Maior foi o primeiro presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), entre 2007 e 2010, e, naquela época, lembrou, o orçamento era equivalente a 1% dos recursos destinados a todo o DF. ;O dinheiro sempre foi pouco, porque o meio ambiente no Brasil não é prioridade de governo nenhum. Por isso é importante saber como gastar.; A título de comparação, o especialista lembrou que o orçamento para a construção do Estádio Nacional Mané Garrincha, obra encomendada para a Copa do Mundo de 2014, recebeu quatro vezes mais dinheiro que o Instituto Chico Mendes naquele ano.

Em 2017, o Ministério do Meio Ambiente perdeu 43% da sua verba para despesas discricionárias, ou seja, aquela verba que o órgão tem liberdade de decidir como gastar ; na qual se enquadram, por exemplo, as viagens dos servidores. Dos R$ 782 milhões previstos no orçamento para custeio e investimento, sobraram R$ 446,5 milhões. Procurado pela reportagem, o MMA enviou uma nota citando o evento na Alemanha, mas não informou oficialmente o custo das viagens nem o número de servidores. A assessoria de imprensa disse apenas que ;não há nenhuma ilegalidade no ato;.


Temperatura


O evento em que a extensa comitiva deve comparecer na Alemanha trata do aumento da temperatura média do planeta e, segundo o próprio site do MMA, ;poderá expor pessoas mundo afora a incêndios florestais, secas e diversos eventos extremos;. Mais de 190 países se reúnem anualmente nesses encontros, que ficaram conhecidos como as Conferências do Clima ; e têm como objetivo a tentativa de amenizar a questão.

De acordo com informações do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil apresentará ;os avanços na ação climática nacional e debaterá as diversas questões ligadas ao tema em uma área montada pelo governo federal dentro da Conferência;. O Espaço Brasil na COP23 envolverá representantes de órgãos públicos, do setor privado, da academia e da sociedade civil em debates sobre o que é necessário fazer para conter a mudança do clima a nível nacional e mundial.

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