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Diretores criticam a suspensão de edital da Ancine: ''Censura''

Medida foi tomada uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro anunciar que obras inscritas na agência iriam ''para o saco''

Thays Martins
postado em 21/08/2019 20:02
Iberê Carvalho (C) dirige Paulo Miklos, em 'O homem cordial': ''É o primeiro ato efetivo de censura do atual governo''O cancelamento de um edital da Agência Nacional do Cinema (Ancine) que destinaria R$ 70 milhões para produções audiovisuais a serem veiculadas pelas tevês públicas foi alvo de críticas por parte de diretores, que veem na ação um ato de "censura" do governo. A suspensão do edital, assinada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, foi publicada na edição desta quarta-feira (21/8) do Diário Oficial da União (DOU).

A explicação dada pelo governo é a necessidade de se recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA). De acordo com a portaria, após as mudanças, serão revistos os critérios e diretrizes para a aplicação de recursos. A medida, no entanto, ocorre uma semana depois de o presidente Jair Bolsonaro afirmar, durante transmissão ao vivo na internet, que o governo ia "abortar" projetos que não deveriam receber recursos públicos ou patrocínios que podem ser revertidos em isenção de impostos.

Na ocasião, ele leu alguns títulos de projetos inscritos na Ancine e que iriam "para o saco". Todas as obras citadas abordavam questões relacionadas à sexualidade ou comunidade LGBT, incluindo Afronte, série brasiliense que daria continuidade ao curta de mesmo nome e que aborda a realidade de negros homossexuais no DF. A obra era uma das inscritas no edital suspenso nesta quarta-feira.

Apreensão

"(A suspensão) É uma confirmação da censura. Depois de a gente ver o presidente falar que uma produção vai ;para o saco; por abordar a questão LGBT, a gente entende toda a homofobia contida na frase. Projetos como o nosso seriam os primeiros a ser censurados. Mas a gente vê que essa censura se espalha para todas as produções", afirma Bruno Victor Santos, diretor de Afronte.

Iberê Carvalho, diretor do premiado O último cine drive-in e de O homem cordial, também vê a suspensão como um ataque ao cinema brasileiro. "É o primeiro ato efetivo de censura do atual governo. Trata-se de uma medida ilegal, uma vez que os motivos apresentados pelo próprio presidente da República configuram racismo e homofobia, crimes previstos em nossa Constituição", avalia Carvalho, que inscreveu no edital a série infanto-juvenil #todxs, que abordaria o movimento de ocupação de escolas.

Segundo o diretor, a iniciativa que lançou o edital ; o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro (Prodav) ; foi criada para promover a diversidade e o pluralismo na tevê. "Passou a ser uma pauta de perseguição ideológica a partir de um discurso moralista e hipócrita da pior espécie", diz, acrescentando que todo o setor audiovisual está apreensivo. "O atual governo já deu inúmeras demonstrações de que não pretende governar para todos e de que não respeita os princípios democráticos."

Edital foi lançado em 2018

O edital suspenso foi lançado em 2018 e não se destinava apenas a projetos sobre sexualidade. Após 801 inscrições, uma análise feita por uma equipe da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) considerou que 613 projetos estavam habilitados a continuar na seleção. Depois disso, dois profissionais, que segundo o edital deviam ter notório saber audiovisual, reduziram o número de concorrentes para 289 produções, que aguardavam o resultado final. Dessas, 18 são do DF, incluindo as de Carvalho e Santos.

A decisão final seria tomada por uma comissão de seleção composta por cinco membros, representando a Ancine, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, a EBC, a Associação Brasileira dos Canais Comunitários (ABCCOM) e a Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU). A verba é do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que existe desde 2008 e destina recursos para diferentes segmentos de produções audiovisuais.

Intervenções na Ancine

A decisão desta quarta-feira (21/8) é mais um capítulo de uma série de intervenções na Agência Nacional do Cinema (Ancine). Em julho, Bolsonaro anunciou a mudança da sede da Ancine do Rio de Janeiro para Brasília. Depois chegou a dizer que buscaria .

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